Os zumbis e os reclamões

Na semana que se passou, a última de outubro, veio do presidente a mais importante consideração sobre o momento pelo qual passa o país. Mesmo sendo crítico de todo o oportunismo de integrantes do seu partido, tenho de reconhecer.

Ao homologar 14 terras indígenas, Luiz Inácio afirmou que, "quando se é governo", você fica achando que o pessoal da oposição é muito sectário, duro demais e coisas do tipo. Fica querendo desqualificá-los como 'reclamões' — que, afinal, existem aos montes.

Depois dessa constatação, o presidente fez uma defesa dos tais reclamões: "Se você não reivindica, nós, no palácio, começamos a achar que tá tudo certo". É simples, sem rodeios e essencial a afirmação, que coicidentemente se seguiu de uma propaganda que lembrava à população sobre os conselhos municipais de saúde, muitos esvaziados por falta de bons reclamões. Sem contar os outros conselhos, como os da infância, da educação e por aí vai. Cadê os reclamões? Estão parados, reclamando no sofá ou indo a seminários para ouvir pomposas palavras de 'revolucionários de garganta'.

Antes de fazer mais ponderações, vou mais uma vez dar uma de 'pelego' e, como jornalista de luta que penso ser, elogiar uma cena da TV Globo. Foi na novela das oito, 'Senhora do Destino', e ainda por cima num sábado. Um dos filhos de Lindalva (se não me engano), uma retirante nordestina que venceu na cidade grande mesmo tendo que criar quatro filhos, é vereador. E, como quase todos, é um oportunista, se servindo do povo para encher o bolso.

A filha deste vereador — neta de Lindalva — começa a brigar com o pai por conta dos amigos. Ela insiste que eles são pessoas dignas, honestas e trabalhadoras, enquanto que ele, mesmo concordando, afirma que são pobres, e que portanto nunca vão ser ninguém na vida. Não poderiam proporcionar, diz o pai, uma educação sobre as coisas 'que realmente interessam na vida'.

A garota, inconformada, dispara: "Acho que o senhor é um grande mentiroso'. Ele não entende nada, mas ela continua: "O senhor promete um monte de coisas para a população, diz que vai melhorar a vida deles". Ele retruca: "Mas o que isso tem a ver com meus eleitores?!" E ela, pequena e simples: "Você mente quando diz que é um homem do povo, como eles, como sempre diz nos seus discursos. Minha professora disse que políticos assim são chamados de demagogos. Você é um demagogo, pai!" Grita demagogo três vezes e ameaça fugir para a casa da vó.

Mesmo sendo um feroz opositor do número imenso de baboseiras que esta emissora 'oferece', é preciso admitir que no grito dela consigo achar uma ponta da indignação que me faz levantar todos os dias para enfrentar os latifúndios da Terra, da Mídia, do pensamento único. Um grito de uma pequena garota que, na minha percepção, representa a quantas anda a força dos movimentos sociais hoje em dia, diante da dominação de mentes e da massificação da ignorância. Ou seja, um grito que pouco eco faz.

Isso me faz lembrar um dos seriados mais inteligentes e questionadores da TV – ‘Os Simpsons’. Num dos episódios, o garoto da família, Bart Simpson, faz uma magia prevista num livro e transforma em zumbis todos os mortos da cidade. Ironica e propositalmente, os mortos-vivos correm atrás das pessoas tentando comer seus cérebros. Quem é pego vira zumbi.

Quando Bart resolve o problema, aplicando outra magia, a família se senta no sofá, em frente à TV ligada. É Homer quem diz: "Puxa, ainda bem que nós não viramos zumbis". E o próprio Bart — exatamente como aquela tia viciada em novela faz — repreende Homer com um 'shhhh', para que todos possam ouvir em silêncio, olhares fixos, o que diz o tubo mágico, que reina soberano.

A triste realidade é que no nosso país sobra discurso e falta ação. Falta até mesmo re-ação. Somos zumbis em um estágio não definido, mas definitivamente muito grave. A vocação do povo brasileiro, por conta de sua triste porém importante História, nunca foi de mobilização, salvo as memoráveis exceções.

Por faltar vocação, é preciso pro-vocação. É preciso con-vocação. E é disso que fala o presidente Lula quando pede mobilização. Este discurso é reflexo talvez de poucas e distintas vozes do povo que, uma vez no palácio, pedem desesperadamente para que as pessoas saiam às ruas, organizadas e conscientes de seu protagonismo, para fazer acontecer. O momento é bom, pois há no palácio um número grande de pessoas mais sensíveis do que a tradicional elite reinante – mesmo que ainda existam muitos conservadores em cargos importantes.

Quem apóia este governo, portanto, não pode se dignar a rebater argumentos da oposição como se fossem parte de um jogo. Não podem cair no debate partidário como se fosse esta a última das questões. Não podem igualmente defender cegamente ações de hoje que ontem eram condenadas sem um amplo debate. O importante é nunca parar de questionar, já dizia Einstein.

Quem apóia este governo está na rua, juntamente com as pessoas que não o apóiam e outras, que apóiam (no sentido literal da palavra) o Brasil e assim procedem no dia-a-dia com muito trabalho e dedicação. Estão preocupadas em organizar o movimento social de forma que este não se torne — por um lado — uma entidade de reclamões e — por outro — uma secretaria informal do governo.

Não é com resmungos que vamos anular a ‘magia’ da TV — muito menos com a fé de um livro, qualquer que seja — e sim levando para o fundo do peito a máxima de que não há nada a temer a não ser o correr da luta. Gustavo Barreto é editor da revista Consciência.Net (www.consciencia.net), colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (www.piratininga.org.br), estudante de Comunicação Social da UFRJ e bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Inciação Científica (PIBIC) pela ECO/UFRJ Jornalismo Propositivo.—.Consciência.Net

Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter

Author`s name Pravda.Ru Jornal
X