Portugal e Brasil, David e Golias

Não vamos comparar Portugal e Brasil. Portugal cabe num cantinho daquele gigante que se acorda e espreguiça, espreitando o seu futuro com otimismo, alegria e confiança. E Portugal?

A anedota diz tudo. Vem o Papa a Portugal, e terminado a sua visita, está de caminho para o aeroporto, num limousine de vidros escuros. “Deixe que eu o conduza,” diz ao motorista, “nunca peguei numa máquina destas”.

E lá vai o Papa. Vai para a auto-estrada e acelera, chegando a 180 quilómetros por hora, até que fica esforçado a parar por uma patrulha do GNR-Batalhão de Trânsito.

O Papa abre a janela e o polícia fica de boca aberta. Telefona para o chefe.

“Ó chefe, temos aqui um problema. Apanhei uma pessoa muito importante aqui com excesso de velocidade. O que devo fazer?” “Puxa! Não me diga que é o Jardel outra vez,” diz o chefe. “Não, não. É mais importante ainda!” “Santana Lopes?” (Presidente da Câmara de Lisboa). “Não”, “Paulo Portas?” (Ministro de Defesa). “Não”. “Manuela Ferreira Leite” (a impopular Ministra de Finanças). “Não”, “Então diga lá quem é!” “Bem, não vejo, os vidros são escuros, mas acho que deve ser o Jesus Cristo – o motorista é o Papa!”

É uma anedota mas tem muito por onde pegar. A ignorância, a noção de impunidade para as figuras públicas, a desconfiança no sistema de justiça, a preocupação com futebol e futebolistas, e não coisas bem mais importantes.

Por muitos problemas que o Brasil possa ter, pelo menos tem um projeto nacional, o que é o mais importante. Tem uma população motivada, tem uma taxa de alfabetização quase igual ao de Portugal, tem práticas laborais com altos níveis de profissionalismo. Apesar de Portugal e Brasil serem países irmãos abençoados pela mesma língua, acabam-se aqui as semelhanças. Um deles tem futuro, indo ao encontro da sua dimensão; o outro parece constrangido pelas suas limitações geográficas.

Porem, não é a dimensão geográfica de Portugal que o constrange. É a falta de visão da sua liderança, particularmente neste momento. Portugal tem um Primeiro Ministro, Durão Barroso, que espalhou o pânico e o alarmismo na sua campanha eleitoral, criando um clima que levou à obsessão da “linha de fundo”, sempre tão desejável no seio dos economistas e gestores afectos ao PSD e ao PP.

A obsessão da “linha de fundo” é uma visão quase Maquiavélica aplicada à gestão das companhias, e ao País. É a preocupação cega com a cifra final, sem ter em conta o custo humano. Sob o antigo governo do PSD, entre 1987 e 1995, subiu em flecha o número de portugueses à procura dos serviços de psicologia/psiquiatria. E este governo de certeza vai seguir o mesmo caminho.

Já começou. Começou por reduzir a verba no Orçamento do Estado em 4.5% para a educação, a área que abrange o futuro do País. Há escolas no centro e norte de Portugal que não têm dinheiro para o aquecimento das salas de aula. Mais uma geração de crianças portuguesas a perderem o ano, e comprometendo o seu futuro, por causa da cegueira e ignorância dum governo que habita uma redoma artificial, sem contacto algum com as realidades e as dificuldades da população.

A FENPROF (Sindicato dos Professores) se queixa do governo “da forma arbitrária e sem critérios o que aceita e o que corta”. É a obsessão com a linha de fundo. Não é só na educação onde se encontram as consequências. O trabalho infantil em Portugal está a aumentar, em vez de diminuir, de acordo com as últimas estatísticas da organização Internacional de Trabalho, embora não represente uma porcentagem muito significativa no universo de emprego

É fundamentalmente nesta área que há uma catástrofe a preparar-se. Durante o ano passado, com o governo PSD/PP, aumentaram por 17.4% os pedidos de emprego, enquanto a oferta diminuiu em 3.5% e as colocações em 2.2%, de acordo com as estatísticas do IEFP- Direcção do Serviço dos Estudos. Cada mês, há mais 4,668 pessoas sem emprego.

Os efeitos ao nível social e familiar são dramáticos. São estes os efeitos da obsessão com a linha de fundo. No Brasil, há um Presidente chamado Lula que declara que a sua obsessão é criar emprego. Que diferença!

É muito simples achar a razão pela paragem no tempo de Portugal, colado por agora ao fundo da tabela dos 15 Estados Membros da União Europeia, para no futuro iniciar uma descida ao fundo da Europa de 25, sem dúvida. Portugal é um país sem projeto.

O projeto dos governos de centro (Partido Socialista) e de direita (Partido Social Democrata e Partido Popular) tem-se centrado numa única preocupação desde a Revolução de 25 de Abril de 1974. Após cada eleição, há uma onda rosa (PS) ou laranja (PSD), onde as chefias não só nos ministérios, mas também nas instituições, bancos, escolas, hospitais e por aí fora, mudam.

Varrem-se tudo e todos das posições onde se formam as decisões, substituem-se nem sempre por pessoas mais competentes e começa o ciclo de colocar o maior número possível de familiares, amigos e vassalos em lugares de destaque.

É uma prática Medieval e é por isso que os indicadores sociais em Portugal se recusam a mostrar alguma melhoria substantiva. Como o David, Portugal usa o calhau, porque à medida que fica ultrapassado pelo resto do mundo, fica governado por meios de gestão que pertencem à idade da pedra.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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