Leonid Ivachov: TRUNFOS RUSSOS NA MESA EUROPEIA

Ao longo de muitos anos esta aliança servia de um instrumento maleável da política dos EUA no continente europeu. Outrora, dos seus objectivos falou com toda a sinceridade Joseph Luns, Secretário-geral da Organização nos anos de 1971 a 1982.

Na sua opinião, “a NATO é necessária para manter os EUA na Europa, a Rússia – fora desta, e a Alemanha – em baixo da Europa”. No entanto, na situação actual a aliança deixou de desempenhar as funções defensivas, correspondentes ao Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, assinado em Washington em 1949, por não existirem nenhumas ameaças manifestas, endereçadas aos Estados-membros do Pacto.

Apesar da situação ter mudado, a política dos EUA e de alguns Estados da Europa Ocidental continua orientada para exercer uma pressão sobre a Rússia, tolhendo as manobras políticas desta no cenário internacional. são estes mesmos objectivos que visam o novo alargamento da NATO. Incorporando novos sócios, a aliança vai-se aproximando cada vez mais das fronteiras russas com todo o potencial do bloco militar.

Além disso, não é nada fácil prever, no momento actual, o vector da evolução política na Europa, caso alterar a situação geopolíticas. Pois é evidente que a comunidade internacional está de momento numa crise de sistema. Os acontecimentos no Medio Oriente, relacionados com as ameaças norte-americanas contra o Iraque, estão a agravarem ainda mais a situação global. A agressão contra esse país vai representar de facto o início de uma guerra pela partilha dos recursos energéticos do mundo. Pois o objectivo real dos EUA consiste na apropriação do petróleo árabe. Sendo assim, será difícil prever o desenrolar dos acontecimentos e determinar quem poderá ser o próximo alvo da pressão norte-americana. não se deve esquecer que a Rússia também possua imensas riquezas naturais, incluindo o petróleo…

Os acontecimentos vindouros também não podem deixar de preocupar a Europa. Deitada a mão sobre o petróleo do Médio Oriente, os Estados Unidos da América poderão por e dispor dos “rios petrolíferos”, fazendo com que os seus aliados se vejam numa dependência energética total de Washington. Daí se torna mais compreensível o facto de alguns países europeus se irem transformando numa espécie de aliados do mundo árabe: os europeus têm a noção de como é perigosa para as suas economias a expansão norte-americana no Médio Oriente.

São, portanto, bem demonstrativos os planos do abastecimento dos EUA com a energia. Actualmente, o país está a consumir diariamente 11 milhões de barris de petróleo importado, oriundo principalmente do Médio Oriente. Alegando as razões da segurança energética nacional, toda uma série de peritos, incluindo o Conselho Nacional para o Reconhecimento dos EUA, já recomendaram а administração de Washington reduzir, no mínimo duas vezes, a importação do petróleo. O presidente George Bush assinou, no entanto, o Programa Estatal, visando aumentar para o dobro a importação do petróleo: de 11 para 23 milhões de barris por dia.

Por seu lado, os países da União Europeia também tomaram a decisão de aumentar em 40% o consumo do petróleo nos próximos vinte anos. Além disso, em Setembro do ano em curso a Comissão Europeia resolveu ampliar as reservas estratégicas petrolíferas da União Europeia de 90 até a 120 dias, manifestando deste modo a preocupação crescente da Europa com o desenrolar dos acontecimentos no Médio Oriente.

Como se vê, nem os norte-americanos, nem os europeus procuram limitar num futuro imediato o seu consumo do combustível. As fontes petrolíferas continuam, porem, sempre as mesmas. Sendo assim, surge a pergunta: como obter o acesso a tais fontes? É obvio que os interesses dos EUA e os da Europa são diametralmente opostos. Além disso, convém ter em conta que a China e outros países asiáticos em desenvolvimento vertiginoso também consumam volumes significativos do petróleo importado. Os prognósticos dos peritos norte-americanos de que até ao ano de 2015 uma parte considerável do petróleo extraído fosse consumida no Oriente não podiam deixar de agitar a administração norte-americana, cada vez mais virada para uma solução de força do “problema iraquiano”. Sei que os europeus não concordam com esta ideia, por isso a oposição aos EUA se vai tornando na Europa mais acentuada.

Nesta situação, a Rússia passa a ser um dos “pivots” da política internacional, visto que tanto os norte-americanos, como os europeus pretendem ficar neste jogo de interesses com o trunfo – a Rússia. Se a Europa procura atrair Moscovo para a cooperação no âmbito dos “vinte”, contando com o consumo estável e duradouro da energia e combustíveis russos, os Estados Unidos, por sua vez, esforçam-se para canalizar uma parte do petróleo russo para o seu continente. Assim, a Rússia vai-se tornando de facto no principal trunfo desta “jogada” em que os dirigentes russos precisam de manifestar a sua sensatez e a sabedoria estratégicas, tendo como pontos de referência principalmente os interesses do seu país.

Presentemente está a surgir uma possibilidade, única no género, de aproveitar com eficácia as alavancas económicas a fim de resolver os mais diversos problemas externos da Rússia. Como a Europa se viu actualmente perante a ameaça do afrouxamento do seu ciclo vital, vai aumentando, e de que modo, a sua dependências do petróleo e do gás russos. E mais de que isso: nas condições da recessão crescente da economia mundial com a inevitável estagnação, a Rússia passa a ser uma zona atraente para o investimento de capitais e um mercado colossal para os artigos do Ocidente.

É exactamente uma combinação sensata das medidas económicas e políticas que dá а diplomacia russa as mais amplas possibilidades de manobra . Isto tornou-se ainda mais patente nos últimos tempos – basta lembrarmos como tem mudado a posição da União Europeia em relação а região de Kaliningrado. A Comissão Europeia venceu praticamente a resistência dos “politicos-burocratas” que iam criando obstáculos а solução deste problema.

Estou convencido de que a diplomacia russa precisa de utilizar os meios tanto políticos, como também económicos, negociando os litígios, ligados ao alargamento da NATO. Segundo parece, a própria ameaça de reduzir o fornecimento do petróleo e do gás russos а Europa, podia ajudar a solucionar muitos problemas.

Caso mais um alargamento da aliança se torne, apesar de tudo, um facto consumado, a Rússia deve estipular as suas condições rígidas. Antes de mais nada, isto diz respeito а definição dos parâmetros da infra-estrutura militar da aliança, às limitações e aos aumentos do poderio militar, como também ao não-estacionamento do armamento nuclear nos territórios dos países recém-adquiridos. É de sublinhar que os compromissos acordados têm que ser incluídos nos respectivos convénios e tratados. não parece menos importante que todos os novos membros da NATO adiram ao Acordo da Redução dos Armamentos Convencionais na Europa de 1990. Além do mais, isto deve ser feito sem o aumento das quotas de coligação, já que esses países se encontram presentemente fora do Acordo, tendo formalmente o direito de aumentar o seu armamento sem limites.

Serão principalmente os Estados Unidos da América a tirar proveito do alargamento da NATO, recebendo mais um instrumento da pressão sobre a Rússia. A incorporação dos novos sócios também vai, parcialmente, aceder às ambições da Alemanha e da Grã-Bretanha, permitindo-lhes exercer uma influência complementar sobre a região de Kaliningrado, como que do interior. Sem dúvida, a Ucrânia e a Bielo-Rússia também vão senti-la com maior agudeza.

Nesta situação, a Rússia tem os seus interesses e as suas possibilidades. Se a situação geopolítica se alterar, os esforços da diplomacia russa podem ser coroados de êxito, caso forem apoiados não só pela direcção política do país, como também pelo mundo de negócios e pela opinião pública russa. Contudo, quando a NATO se alargar, a Rússia terá de reforçar adequadamente a componente militar da sua segurança.

Leonid Ivachov Coronel-General, Dr. Em Ciências Históricas Vice-Presidente da Academia dos Problemas Geo-políticos

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