O académico e quadro sénior do partido Renamo com a pasta de ministro sombra da Indústria e Comércio e membro do Conselho de Estado, Doutor David Aloni, numa longa entrevista ao MAGAZINE, quebrou o silencio ao acusar o Presidente da República de ser prepotente e arrogante, cujo comportamento vai incendiar Moçambique a qualquer momento. Aloni recorda os momentos críticos da Frente de Libertação de Moçambique sem deixar de manifestar a sua preocupação em relação ao estágio actual do País, pois para ele, Moçambique está a mudar para o abismo. Se continuarem fechados, empurrando o diálogo para o lixo, o que não acontecia na governação de Joaquim Chissano, a situação vai ficar feia, avisa Aloni para quem dirigir a Renamo não faz parte da sua agenda, pelo que prefere deixar o lugar para os jovens. Siga os trechos mais significativos da conversa concedida ao jornal MAGAZINE INDEPENDENTE.
Nelo Cossa*
O Dr. Aloni andou desaparecido da vida sócio-política e cultural do País por causa de doença. Como se sente hoje?
Não estou cem por cento bem de saúde, mas dá para trabalhar, pois durante um período estava interdito pelo meu médico de exercer qualquer actividade intelectual. Mas agora ele disse que já posso voltar a ler e escrever. Muito obrigado por se terem preocupado com a minha saúde, pois agradeço também a oportunidade que me dão para poder dizer aos moçambicanos aquilo que penso do nosso belo País.
Académico, intelectual, político como é que vê o País?
Esta é uma pergunta difícil de responder sr. Cossa, porque cada um de nós vê o País à sua maneira; cada um de nós vê o País sob seu ponto de vista, sob uma determinada perspectiva. Como sabe, diz-se que a prática é critério da verdade e eu digo que a experiência também o é. Diante de um objecto, a gente diz que está aí uma mala bordada, porque a vejo numa determinada perspectiva, enquanto uma outra pessoa enxerga a mesma mala numa outra perspectiva, por estar sentada numa determinada posição diferente da que me encontro.
Mas o objecto da nossa atenção, da nossa análise é a mala no seu todo. Se digo que a mala que enxergo é bonita, a outra pessoa pode dizer que vê a mesma mala e não a acha tão bonita como eu a vejo. Mas atenção que estamos a falar da mesma mala, que é vista por duas pessoas em perspectivas diferentes. Onde está a verdade? A verdade é a própria mala, pelo que nem Aloni e muito menos a outra pessoa têm a verdade. Aquela mala é que é a verdade, objectivamente falando. Mas a mala existe ou não existe? Claro que existe e eu estou a vê-la, e a outra pessoa também diz que existe e esta a enxergá-la. Ou o senhor vê a mala na esquina e eu na sua plenitude. Então, a prática é a mala. Isto para dizer que vejo o País de uma maneira diferente, porque eu venho desde o tempo colonial, o tempo da luta armada de libertação nacional; eu vivi a independência. Eu vivi o desenrolar do processo político moçambicano, desde a proclamação da Independência até, por exemplo, a criação do Partido de Vanguarda da Aliança Camponesa, cuja síntese está neste livro que lhe mostrei sobre o terceiro Congresso da Frelimo que se realizou de 3 a 7 de Fevereiro de 1977. O que se seguiu depois foi aquilo que obrigou aos moçambicanos a começar a dividir-se, porque uns pensavam de uma maneira e outros de outra, o que é natural.
Dentro de vinte 20 milhões de moçambicanos podemos dizer que há 20 milhões de pensamentos a reflectir sobre o mesmo objecto, que é mala, neste caso a mala é todo o País como já referi. E como tal, por exemplo, temos que admitir que sr. Cossa pense de uma forma diferente, porque é uma personalidade distinta da minha; o senhor pensa à sua maneira e eu penso à minha maneira. O seu pensamento e o meu, bem conjugados vão dar-nos uma síntese do que é o País. Por isso, a verdade não é mais do que o somatório de pequenas verdades de cada um de nós, que são os vários pontos de vista; as várias perspectivas, que cada um vê num determinado ângulo.
Portanto, estamos a falar do País. Porque não viu o País antes, naturalmente, poderá não concordar com aquilo que vou dizer. Mas, devo referir que o depois nunca o é sem o antes. Este é que é o ponto. Quando dizem que os velhos são uma biblioteca, acumuladores de experiência da vida, é porque de facto, viram o antes, o hoje, e estão a ver o depois, que é o amanhã. E porque o homem é ser projectado, pelo que vivemos o ontem; vivemos o hoje a partir de ontem, vamos viver o amanhã a partir de hoje. Então, a projecção consiste em estarmos lançados para o amanhã. Anda hoje na moda que temos que ser pro-activos, o que quer dizer que temos de agir em função do futuro. Este País podia estar melhor do que está, porque quanto mais eu analiso a situação sócio-política, económica, cultural e até histórica eu fico preocupado. Mas a minha preocupação pode ser interpretada de várias maneiras, pois uns dirão que Aloni é radical e, outros, é pessimista, porque vêem tudo com óculos escuros; bem como dirão que Aloni não é patriota.
Embora não tenha dito o que lhe está preocupar no País, o Dr. não tem medo de ser radical?
Medo! Não tenho medo, porque já estou morto. A pessoa nunca morre duas vezes. Quem define quem deve ser patriota? Somos todos iguais perante a lei, pois o artigo 35 da Constituição da República é muito claro e o Artigo 48 da Lei-mãe diz que eu sou livre de pensar e escrever, expressar o que me vai na alma. É como a estória dos reaccionários e não reaccionários; os revolucionários e os contra-revolucionários. No meu trabalho de reflexão sobre os 45 anos da Frelimo, eu interrogo-me: quem define quem é reaccionário; quem não é reaccionário; quem é revolucionário e quem não o é, pois quem tem competência para definir?. Sou considerado reaccionário, mas até hoje ninguém me disse em quê fui reaccionário.
Já procurou saber?
Várias vezes. A resposta é: Aloni já passou, é assunto para esquecer e seguem-se palmadinhas nas costas. Esquecer não posso, mas perdoar sim. Há uma canção que diz que não vamos esquecer aquilo que passou, pelo que o que passei nunca vou esquecer, porque foi terrível meu filho.
Obviamente que continua com as marcas e, certamente, elas influenciam a sua forma de pensar e/ou e ver Moçambique?
Continuo com marcas e nunca mudei a minha forma de pensar. O pensamento continua o mesmo que eu tinha em 1952. Sempre vi as coisas à minha maneira. Quando atingi os dezoito anos, estava em Boroma na Escola de Formação de Indígenas na província de Tete. Em Agosto de 1958, fui de férias a Angónia, minha terra natal, e como sempre, gostei de andar com meu pai, pessoa influente na zona. Ele convidou-me a uma reunião em Lisulo. Lisulo é a corte real dos angoni, no Malawi, cuja zona fica localizada ao longo da fronteira.
O meu pai disse-me que o salvador do Malawi ia falar. Estava a referir-se ao Dr. Kamuzu Banda que ia dirigir um comício pela primeira vez. Nós de Angónia fomos em massa e eu ouvi o discurso do Dr. Banda. Não faz a mínima ideia de como eu vibrei perante aqueles dizeres, pois relacionei-os com a situação que se estava a passar em Moçambique. O meu régulo era primo do inkosi Gomane Kuende. As conversas deles, já em 52 e 53, incidiam numa eventual independência do Malawi integrando Angónia, cuja intenção foi descoberta pelos portugueses. Para os portugueses aquilo que se passava no Malawi era confusão, pelo que queriam manter o seu regime aqui no País, mas Banda podia falar em público naquele ponto do nosso País. Nós queríamos independência de Moçambique, bem como os malawianos queriam também ser livres.
Naquele tempo ainda não estávamos organizados, naturalmente. Willard Gomane Kuende disse ao seu primo que nós ficaríamos independentes se nos encostássemos a eles. Em termos sociológicos e políticos, isto queria dizer que era anexação de Angónia ao Malawi. E o meu inkosi queria que isso acontecesse, mas foi descoberto pelos portugueses, o que lhe custou a prisão. Quando regresso daquele comício eu galvanizei os meus colegas na Escola normal, até que houve uma agitação que me valeu a acusação de mentor da rebeldia. Foi atrevimento demais, o que nos valeu uma punição até dizer basta. Nessa altura, não sei se existiam a UNAME, o MANU e a UDENAMO. Passado um tempo, mantenho contacto com o fundador de UNAMI, o moçambicano Cândido Gadaga. Ele e Baltazar Chagonga, pai de Filipa Baltazar, que foi deputada na Assembleia da República, foram os fundadores da UNAMI, cuja agremiação passaria automaticamente a ser o meu movimento, porque congregava o distrito de Tete e parte da Zambézia. Mas, os fundadores estavam escondidos no Malawi. Nas celebrações dos 45 anos da Frelimo perguntei se conhecem uma tal carta de Eduardo Mondlane dirigida a Baltazar Chagonga.
O que é que dizia essa carta?
Não posso revelar agora o conteúdo da mesma. É a partir dessa correspondência que a UNAMI aceita integrar um movimento único para a libertação de Moçambique. O MANU e a UDENAMIO devem ter mantido correspondência com Mondlane para se unirem. Nasce, deste modo a Frente de Libertação de Moçambique, a qual todos nós pertencemos. Estou a falar do famoso dia 25 de Junho de 1962, pois o que se discutiu no primeiro congresso está muito claro. Foi no primeiro congresso onde se institucionalizou a Frente de Libertação de Moçambique como um movimento de libertação, pelo que foi muito aliciante e interessante. Perante o que se passou naquele congresso ninguém duvidou que devíamos nos unir para conquistar a independência, dentro de uma perspectiva democrática. Daí que houve eleições. É evidente que todos achavam que Eduardo Mondlane era aquele que devia liderar a frente.
Além disso, tinha que se eleger um vice-presidente: o Reverendo Urias Simango foi eleito vice-presidente da Frente de Libertação de Moçambique e os dois são reeleitos no segundo congresso em 1968. Sabe que este ano foi conturbado na história da Frente de Libertação de Moçambique, pois foi nessa altura que começa a fermentar e, depois, nascer uma nova ideologia, que já não era de carris democrático. Independentemente da frente ser apoiada por países diversos, uma vez que estávamos na fase critica da guerra fria entre este e oeste, as coisas complicaram-se. Naturalmente, os de leste, que constituam o bloco socialista estavam interessados na libertação das antigas colónias, tendo dado apoio possível, nomeadamente a ex-União Soviética com todos países satélites e a China, justamente para conquistarmos a nossa independência, a nossa soberania.
Mas é preciso ter presente isto: Mondlane foi formado no ocidente, portanto, num país capitalista. Toda a sua intelectualidade e estrutura mental estavam em conformidade com a ideologia capitalista; por isso, leia com muita atenção a obra Lutar por Moçambique, onde vai perceber qual era o pensamento politico de Mondlane, o que Mondlane queria para este Moçambique. Ele fala de socialismo, de justiça social, mas a pergunta que devemos colocar é: de que socialismo falava Mondlane? É uma pergunta que muitas pessoas não colocam, mas eu a coloco. A crise na frente acontece numa altura em que dentro do bloco socialista começa a haver divergências muito sérias, pois os chineses e os soviéticos entraram em rota de colisão, apesar de ambos serem da mesma ideologia. E isto reflectiu-se na Frente de Libertação de Moçambique, uma vez que houve correntes ideológicas diferentes. Uns defendiam a sintonia com a União Soviética e outros com a China, por razões que não sei. Ressalta a pergunta: de que corrente pertencia Eduardo Mondlane? Não pertencia a nenhuma delas, porque ele pensava com a sua cabeça. Ele foi professor universitário, funcionário das Nações Unidas e tinha uma estrutura de pensamento diferente de outros camaradas seus, pois não era fácil de o manipular: era um osso duro de roer.
O facto de ele ter uma estrutura de pensamento diferente, custou-lhe a vida?
No meu artigo sobre os 45 anos da Frelimo eu pergunto: não terá sido precisamente por pensar diferente que lhe tiraram a vida? Porque ele podia constituir um obstáculo para a implementação de uma das ideologias, mais tarde num Moçambique independente. Este é um raciocinou lógico.
Mondlane é assassinado, mas deixa um vice-presidente, que automaticamente devia liderar a frente. Na sua opinião o que aconteceu para que isto não acontecesse?
Está a colocar uma questão pertinente. Esta é uma pergunta que é colocada por muita gente que se interroga e pensa com a sua própria cabeça. Os estatutos da Frente de Libertação de Moçambique rezam que a estrutura orgânica da frente tinha o ponto máximo o congresso, depois o presidente e vice-presidente. Porque é que depois do bárbaro assassinato de Mondlane o Reverendo Urias Simango não assumiu automaticamente a liderança da Frente? Começa outro problema, pois as tais duas correntes não estavam interessadas em ver o vice-presidente a liderar a frente. Quando dizemos Reverendo logo estamos a falar de um homem de Deus, um homem que acreditava nos valores mais sublimes, acreditava na existência do Senhor e rezava. Mas outros camaradas seus defendiam que a religião era o ópio do povo. E pergunta quem disse isso? A resposta é: foi Karl Max. Mas não interpretaram correctamente o seu raciocino. Está imaginar um reverendo a dirigir uma frente de libertação. Todos os valores éticos, morais e toda a ambiência que rodeava o reverendo não permitiriam trafulhices. Foi nessa altura em que começa a hegemonia política de uma região sobre outra, daí que era preciso neutralizar Urias Simango.
Criaram um triunvirato para o abater. Os estatutos previam a criação de um triunvirato? A questão da Frelimo pontapear as leis, pontapear a Constituição da República não é de hoje. É óbvio que naquela altura não havia Constituição da República, mas sim estatutos, que foram pontapeados. Havia um objectivo, pois o vice-presidente não se sentiu confortável. Que o pusessem como presidente e num congresso extraordinário elegessem um vice-presidente, era uma saída justa e coerente de acordo com os próprios estatutos. Não quiseram, prefiram criar um triunvirato composto por Samora Machel, Marcelino dos Santos e Urias Simango. Não gosto de falar de pessoas que nos deixaram, mas veja essas duas primeiras figuras tenebrosas e tenebrosas... E tudo fizeram para que o Reverendo se revoltasse, pelo que as duas ideologias continuaram a avançar em paralelo até à proclamação da independência. De acordo com alguns pensadores, analistas, historiadores e políticos, o que estava na cabeça de Mondlane é que após conquistarmos a independência, devia agir-se em conformidade com as regras universais que regem os princípios democráticos. No governo de transição deveria ser permitida a constituição de partidos que seriam os mesmos a concorrer às eleições na altura da independência. Mas, isso não aconteceu, abocanharam o poder. Tenho a certeza de que este não era a ideia de Eduardo Mondlane. Sabe que na altura existiam Gumo, Fumo e outros partidos e o próprio Reverendo tinha um partido dele, queria também participar, mas a Frelimo esmagou a todos, à força: implantou a ditadura e o totalitarismo; prenderam a gente.
Onde estava quando se proclamou a independência?
- Quando se proclamou a independência eu não estava cá, estava na Holanda a fazer a última formação académica em Relações Internacionais e Diplomacia. O meu estágio foi no Tribunal Internacional de Haia. Eu conheço aqueles corredores, pois assisti a dois julgamentos, o que me galvanizou para a causa de Relações Internacionais. No dia em que Moçambique fica independente, os meus colegas fizeram-me uma grande festa para, depois, no dia 27 eu ser graduado. A Reitoria convidou-me para dar aulas na mesma universidade, mas como fui à Europa para roubar conhecimentos para poder fazer crescer o meu País, decidi voltar. Desembarco no aeroporto internacional da Beira, exactamente no dia em que Samora Machel decretou através de um discurso, num comício as nacionalizações. Estava uma agitação terrível; pelo que vim a saber, mais tarde, outros moçambicanos que tinham estado a estudar nos Estados Unidos e noutros cantos do mundo, a formarem-se, ao desembarcarem no aeroporto foram presos; não foram vistos pelos familiares, depois de muito tempo fora de Moçambique.
Quando outros, ainda no exterior, se aperceberam desta situação, não voltaram. Não quiseram vir viver um comunismo puro que a Frente de Libertação de Moçambique implantara. Vivia-se um terrorismo de Estado e, eu não estava habituado a esse tipo de vida. Fiquei hospedado em casa dum irmão meu que era chefe regional dos aeroportos da região Centro. Entre várias estruturas, onde me apresentei, quando cheguei a Moçambique, foi o Ministério da Educação e Cultura em Maputo. Na altura, era ministra a senhora Graça Simbine. A minha audiência não passou de uma inquisição. Chegou a ponto de questionar os meus conhecimentos. O senhor pensa que é quadro? Quadro formado por quem e para quem? Estou a citar alguns excertos da inquisição. O fim foi muito triste, pois prefiro não dizer, pelo que, não insista. Regressei à Beira e encontrei uma crise tremenda de falta de professores, porque estavam a abandonar as escolas. Apareceu alguém que tinha uma empresa que operava na indústria e comércio, pela qual fui convidado a ocupar o cargo de sub-gerente, embora não tivesse feito um curso específico; tinha noções de gestão com base na filosofia económica. Por causa da minha entrega e rápido enquadramento, fui evoluindo até ao ponto de ser responsabilizado outros cargos. É através do sócio-gerente que venho a conhecer Orlando Cristina. Que coincidência! É preciso dizer que, nessa altura, 1976, André Matsangaisa e Afonso Dhlakama estavam na Beira.
Teve algum contacto com eles?
- Não tive contacto com eles. Mas já sentia que alguma coisa iria acontecer, no País. Também fui abordado para dar aulas, e expus logo o assunto ao meu patrão. Este deu-me a luz verde para aceder ao convite, mas sem me esquecer da empresa. Comecei a dar aulas no Liceu e no Instituto Industrial e Comercial, mas sempre deixei claro aquilo que fui dito no Ministério da Educação e Cultura. Encontrei três professores que tinham sido enviados aos Estados Unidos, por Eduardo Mondlane, a darem aulas, e um deles era Joaquim Marungo, hoje chefe do Gabinete Central de Eleições da Renamo e deputado da Assembleia da República. Havia quatro negros com formação superior nas duas instituições supra, o que se traduziu num delírio, no Liceu e no Instituto.
Mas isto foi sol de pouca dura. Num belo dia 17 de Setembro de 1976, fui convidado por um casal amigo para jantar em casa deles. Dei deveres aos meus alunos. Os meus colegas foram dar aulas; foi precisamente nesse dia que o Dr. Marungo estava a explicar Matemática, quando aparece alguém, por trás, a dizer-lhe para o acompanhar. Quando chega na sede do SNASP, apercebe-se que outros dois colegas já lá estavam. No dia seguinte, fui a uma exposição de livros, entre os quais estavam meus dois. Quando, no intervalo, regressei à casa para almoçar, minutos depois de me sentar à mesa, toca a campainha, e abro a porta. Deparo-me com uma figura alta, grande e feia com uma notificação que dizia para o acompanhar. Essa notificação há-de sair no meu livro.
Tenho seis livros à espera de oportunidade para serem publicados. Veja que eu não sabia que os meus colegas tinham sido detidos. O fulano que me veio prender era meu aluno; veja até onde vai a baixeza dos homens! Então, lá fomos ao sítio, onde fiquei mais de três horas, de pé, sem ninguém me dizer nada, e a minha falecida esposa (que Deus a tenha em paz), estava grávida. Foi um psicodrama que não se pode esquecer!... Horas depois, o meu irmão toma conhecimento e vem ao meu encontro. Minutos depois alguém vem e diz-me para o acompanhar à cela e eu recuso. Depois, aparecem três para me pegarem, à força, e eu sacudi-os, porque eu já estava uma fera. Nunca fiquei tão nervoso como naquele dia, mas o meu irmão aconselhou-me a acompanhá-los. Meteram-me na cela 11. Mais tarde, vim a saber que o meu crime tinha a ver com o facto de ser contra-revolucionário e reaccionário. Mas quem prova isso? Não gostaria de entrar em detalhes, porque os momentos que se seguiram foram violentos para mim. Ficámos presos durante um mês na Beira e não nos comunicávamos. Houve uma confusão na Beira, protagonizada pelos alunos. Eles questionavam o porquê de até professores negros serem presos e afastados quando havia crise de professores? Este questionamento foi levantado, porque muitos professores brancos estavam a abandonar o País. Todas as escolas queriam entrar em greve, tendo o SNASP se apercebido de que nós tínhamos influência. Entretanto, este senhor que é Presidente da República faz uma visita à Beira, porque era ministro do Interior. Ele queria saber se havia ou não presos políticos. E nós ficámos satisfeitos, porque vimos que era uma oportunidade para expor o nosso problema. Esconderam os nossos nomes, para, depois, sermos desterrados para a Zambézia. O senhor Bonifácio Gruveta, que era governador na Zambézia, impressionou-nos, pela positiva, pois ele quis saber que crime cometêramos na Beira. Não levámos nenhum documento ou guia de marcha que informasse o mal que nós havíamos feito. O Gruveta fez diligências na Presidência da República Popular de Moçambique para poder agir em consciência. Recebeu instruções para fazer coisas que não lhe posso dizer.
Essas coisas eram mortais?
- Não posso revelar, porque é muito chocante. Chegou, depois, uma ordem que mandava que fôssemos para a reeducação, uma vez que o governador não quis cumprir a primeira. Até hoje não recebi nenhum documento a dizer que já fui reeducado, se já estou identificado com o povo. E para eu me identificar com o povo, tinha que ser submetido a trabalhos forçados e violentos. Tudo quanto disse atrás é, exactamente, para afirmar que eu defendi sempre a democracia pluralista; nunca aceitei o monopar-tidarismo, embora numa determinada fase tivesse defendido só a existência de dois partidos em * +qualquer pais africano ou uma outra hipótese que eu me colocava, era um partido único, sim, mas de cariz, efectivamente, democrático. Por quenão se aceitou que os moçam-bicanos se congregassem em partidos, em Moçam-bique? Tivemos e continua-mos a viver um regime de terror. Este regime terrorista está disfarçado de democracia. Não é por acaso que os partidos políticos da oposição são hostilizados, amordaçados e perseguidos. A governa-ção de Guebuza está a levar o País para o abismo. Tudo está claro que este regime de Guebuza está a voltar ao monopartidarismo, pois, o meu presidente Dhlakama já chamou a atenção.
O Presidente Armando Guebuza, durante as celebrações dos 45 anos da Frelimo disse que não há razões para se voltar ao monopartidarismo...
Isso é conversa fiada. É uma afirmação para enganar o outro, pois eles estão a conduzir o País para uma situação a que chamo altamente perigosa. Tudo indica que pode rebentar uma convulsão social e política de consequências imprevisíveis. Numa das intervenções desse mufana, Edson Macuácua, diz que a Frelimo é o partido do povo para o povo. O que é que ele está a dizer? Eles pensam que nós estamos a dormir? Pelo menos eu não estou. Falar de partido do povo para o povo, é o mesmo que dizer um partido de todo o povo moçambicano, um partido aglutinante, de que todos nós fazemos parte. E no substrato de um partido aglutinante, o que é que está lá é o monopartidarismo, totalitarismo. É preciso prestar muita atenção ao que dizem. Um parênteses: aqueles números da composição da Comissão Nacional de Eleições significam o processo de triunvirato; pois nota-se uma hegemonia de uma determinada região sobre outras, o que é perigoso. Devo dizer que com a situação que o País atravessa, de enormes dificuldades, há maior probabilidade de se incendiar um barril de pólvora que, a qualquer momento, poderá explodir. E a explodir, não sei quem vai aguentar os efeitos. Ilusoriamente, a comunidade internacional continua a dizer que Moçambique é um exemplo de reconciliação nacional. Onde está essa reconciliação nacional? É uma reconciliação fictícia e teórica. Esta não interessa, porque queremos uma efectiva. Se Guebuza continuar com a atitude arrogante, o País pode arder, sim! Se continuarem fechados, empurrando o diálogo para o lixo, o que não acontecia na governação de Joaquim Chissano, a situação vai ficar feia.
Qual é o papel da oposição perante este cenário que está a levantar?
- A oposição está a ter dificuldades em desempenhar o seu papel. Há quem diga que a oposição está de férias, o que não é verdade. A oposição está a ter dificuldades em desempenhar a sua função, pelo que essas dificuldades, hoje são mais salientes e altamente perigosas. Porque, quando faço referência ao antigo presidente Joaquim Chissano, não é por acaso: ele é o expoente máximo da diplomacia moçambicana, se não africana. Admiro-o bastante. Estou a distinguir Chissano de Guebuza, embora todos sejam do mesmo partido. Por que Chissano dialogava e Guebuza não? Segundo a nossa tradição, o diálogo é uma das vias indispensáveis para a busca de soluções. Hoje, o País está a enfrentar dificuldades de vária ordem, porque não se abre espaço para que a oposição contribua, também, com as suas ideias. Não é a Frelimo que vai construir o País, sozinha; cada moçambicano tem a sua parte. Pois, bem disse o actual Presidente da República que, cada um, faça a sua parte. Então, como vai fazer a sua parte se não lhe dá oportunidade? Logo, é conversa fiada. Veja como o sindicato do crime organizado tomou conta do Estado. Isto é vergonhoso! O sindicato do crime está a governar, porque não há autoridade. Como se pode combater o crime, enquanto as próprias forças ditas de defesa e segurança estão envolvidas nesses crimes? Quando não se entendem, baleiam-se. Tenho pena de José Pacheco, pois nem sabe o que está a dizer; Pacheco está feito um fanfarrão. Esse comandante geral descoberto nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique, que nem se quer patente tinha para exercer as funções de Comandante Geral da Polícia, é uma vergonha Nacional. Consultaram a Lagos Lidimo, Chefe do Estado Maior? Que compromissos é que há? Um general fabricado à última hora: isto é palhaçada demais! Os moçambicanos não merecem esta vergonha, merecem mais consideração, respeito e auto-estima, mas Guebuza fala de auto-estima, só que não a pratica. Ele é que se auto-estima; está a utilizar o povo para os interesses pessoais inconfessados. Até quando o povo vai ter que aturar isto?
Se se criasse uma oportunidade para que a oposição se sentasse à mesma mesa com o governo para, em conjunto encontrarem alguma solução dos problemas que levanta, quais seriam os pontos prioritários a debater?
- A primeira coisa, para se abrir um diálogo, é haver eleições livres, justas e transparentes. É aqui onde começa o diálogo, pelo que quem não é transparente só quer ganhar com base em esquemas. Só dizem que a Renamo ou Dhlakama fala em fraudes; pois, é verdade, não são estórias. Quem ganha eleições com base em esquemas, sejam eles informáticos, sejam de intimidação, à boca das urnas, sejam eles em manipulações de recenseamento, é porque não está seguro.
Temos uma nova Comissão Nacional de Eleições?
- Outra fantochada. Já escrevi sobre a nova CNE, pelo que respeito muito as pessoas que lá estão. Espero que o Professor Doutor Leopoldo da Costa seja coerente com a sua intelectualidade, que se distancie do comportamento da performance daqueles dois reverendos que apareceram misteriosamente por obra da Frelimo. Eram fantoches. Aquela composição em si é sugestiva, pelo que, sugere-nos que pode haver uma jogada qualquer. Temos seis, naturais de Maputo, três, naturais de Gaza, dois, de Inhambane, um, de Tete e, um, da Zambézia. Querem manter o poder no sul? As três províncias do sul o que representam em relação às sete?. Não sei se o total da população de Nampula não supera a do sul todo, particularmente Maputo. Faço esta analise com muita preocupação e mágoa, porque sou patriota. Estiveram reunidos, recentemente, a apreciar a estratégia da revolução verde. Temos a jatropha, a luta contra a pobreza e agora a revolução verde. São palavrões bonitos e tudo conversa. Agora se me disser que está a lutar por maior riqueza, isso posso acreditar. Estão a deixar o povo moçambicano a vegetar. Uns dizem que o povo moçambicano é pacifico, eu digo que não é pacifico, é passivo de mais, até um dia. Temos chefes que dão cinco mil meticais aos filhos para esbanjarem ao fim de semana, enquanto o trabalhador mal ganha o salário mínimo. Onde está a justiça social de que tanto se fala? Onde está a distribuição equitativa da riqueza nacional? Se eu fosse Presidente, não abriria a boca, ficaria pasmado perante a desgraça e miséria que enferma os moçambicanos, em vez de dizer que a pobreza está a fragilizar-se.
Sente que o Conselho de Estado é um órgão moribundo?
- Não há vontade política para que este órgão funcione, de facto. Há quem pense que eu quero que se reúna o Conselho de Estado (CE). Negativo. Quanto mais tempo livre me dão, melhor para mim, de forma a ocupar-me de outras coisas, e se calhar, ate mais importantes para o Pais. Outros pensam que o membro do CE ganha 50 mil meticais, o que não é verdade, pois, nem um cêntimo de dólar recebem para fazer cantar um cego. Há que se respeitar o preceituado na Lei-Mãe. A tragédia de Malhazine e o crime violento que tomou conta do País, são motivos suficientes para se convocar o CE. O actual Chefe de Estado é prepotente e arrogante. Se quisesse ver o País a andar, havia de ouvir aqueles velhos que perfazem o CE. Mas ele se intitula sabichão e omnisciente. Como sabe, nós só reunimos uma única vez, para tratarmos da questão do regimento interno, cartão de identificação, e de lá a esta parte, não sabemos o que se passa com o CE. Ele diz que Moçambique está a mudar. Sim, está a mudar, mas para o abismo. Moçambique está a regredir em termos de democracia.
Tirando a questão da sua saúde, vozes há que dizem que Dr. Aloni está a ser isolado no seu partido...
- Não é verdade. Na Renamo há democracia. Sou membro do Conselho Nacional, e lá digo aquilo que penso e ninguém me trava a palavra. Igualmente, estou no governo sombra, onde ocupo a pasta de ministro da Indústria e Comércio. Tenho liberdade de pensar e dizer o que eu quiser na Renamo. Portanto, não estou isolado.
Fala-se na figura de David Aloni ou Davis Simango como os prováveis sucessores de Afonso Dhlakama. Pensa em candidatar-se?
- Recuso-me a ocupar esse lugar, porque a idade já não me permite correr. Deixo este tipo de cargos para jovens, porque a vida deste País está nas mãos da juventude.
Acha que a liderança de Afonso Dhlakama chegou ao fim?
-Recuso-me a responder a essa pergunta.
Na qualidade de ministro sombra da Indústria e Comércio, qual é o comentário que faz em torno da integração económica na Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral?
- É sobejamente visível que vamos ser engolidos, até porque já o estamos. Houve uma precipitação em se querer meter neste processo, sem fazer um sério trabalho de casa. Em que sector vamos ser competitivos, se não se produz nada competitivo? Faliram os sectores têxteis e do caju, onde havia sinais de nos impormos na região. É claro que se a Renamo governasse, tudo faria para revitalizar estes sectores. Podíamos criar formas de actualizar, em formação e capacitação, o exército de trabalhadores que tanto produziu quando estava no activo. Podíamos criar formas competitivas de produção de batata como as produzidas em Moamba e em Angónia. São saídas viáveis...
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