Repetirá Lula os erros de FHC?

Por Júlio Flávio Gameiro Miragaya

Os mais recentes números da Balança Comercial Brasileira apontam para um acentuado decréscimo em seu superávit em 2008. Após a queda de 14% em 2007 ante 2006 (de 46,5 para 40,0 bilhões de dólares), estima-se uma queda ainda maior neste ano, entre 25% e 50%, fazendo refluir o superávit para 30 ou até mesmo 20 bilhões de dólares. Associado a um tendência de forte ampliação no déficit na Balança de Serviços e de Rendas (US$ 50 bilhões), poderá levar as Transações Correntes do país, de um superávit de 3,3 bilhões de dólares em 2007, para um déficit em torno de 25 bilhões em 2008, fazendo ressurgir o fantasma da deterioração de nossas contas externas, tão marcante na Era FHC.

Uma análise singela de nossas contas externas revela que, como todo país periférico sub-desenvolvido, apresentamos um continuado e acentuado déficit na Balança de Serviços e de Rendas. Dessa forma, para se obter um equilíbrio nas Transações Correntes, torna-se necessário gerar um superávit equivalente na Balança Comercial. Quando isto não ocorre, ou ainda pior, quando coincide situações deficitárias nas duas Balanças (Comercial e de Serviços e Rendas), ocorre um enorme rombo nas Transações Correntes, obrigando o país a recorrer a capitais externos (bons e ruins) para equilibrar seu Balanço de Pagamentos.

O que está previsto acontecer com as nossas contas externas este ano deve merecer uma reflexão sobre os fatores que conduzem à esta situação e as experiências no passado recente.

Em 1982 o Brasil vivia o ápice de uma crise em suas contas externas, não em decorrência de uma apreciação cambial como agora, mas fruto da explosão do preço do petróleo, não possibilitando gerarmos um superávit comercial suficiente para fazer frente à forte expansão dos gastos com juros da dívida externa. Dessa forma, amargamos naquele ano um déficit de 16,3 bilhões de dólares em TC. Um enorme esforço de ajuste nas contas externas foi feito nos anos seguintes, baseado na geração de “polpudos” superávits comerciais. Em 1988 alcançávamos superávit comercial de 19,2 bilhões de dólares e em 1992 este era ainda de 15,2 bilhões, que casado a uma queda nos gastos com juros, nos permitiu um superavit de 6,1 bilhões de dólares em Transações Correntes.

Apenas dois anos depois, em 1994, a apreciação do Real em relação ao Dólar começou a deteriorar novamente nossas contas externas. E a persistência desta apreciação por motivações políticas (reeleição de FHC) levou o país a uma imensa crise. Em 1997 e 1998, o deficit em TC superarou a casa dos 30 bilhões de dólares e nos oito anos de (des)governo FHC, totalizou nada menos que 186 bilhões de dólares. O equilíbrio no Balanço de Pagamentos ficou na dependência da entrada de capitais externos. Como se sabe, estes ocorrem na forma de investimentos diretos e em aquisições de ativos fixos (ações de Cias brasileiras), em aquisições de títulos públicos e em créditos, empréstimos e financiamentos.

A partir de 1999, vencida as eleições, começou a ocorrer uma contínua depreciação do Real, e, consequentemente, iniciou-se um movimento de recuperação de nossa Balança Comercial. Em 2001 ocorreu o primeiro superavit na BC em sete anos e em 2002 ele alcançou 13 bilhões de dólares, fazendo refluir o déficit em TC para 7,6 bilhões de dólares.

Ao iniciar-se o Governo Lula em 2003, o estrago feito nas contas externas por FHC havia reduzido as reservas internacionais do Brasil a escassos 37,8 bilhões de dólares. A estratégia do Governo Lula foi concentrar-se nos dois primeiros anos em recuperar as contas externas, buscando de um lado a ampliação do saldo positivo na BC e, de outro, a contenção, na medida do possível, do déficit na Balança de Serviços e de Rendas.

Dessa forma, já em 2003, o país registrou pela primeira vez em onze anos superávit em Transações Correntes (4,2 bilhões de dólares). Desde este ano e até 2006 o Brasil ampliou seu saldo na BC e, não obstante a forte ampliação do déficit na Balança de Serviços e de Rendas, alcançou um patamar de 14 bilhões de dólares de superávit em TC.

Ocorreu, contudo, que a própria geração de mega superávits comerciais e a recuperação da economia brasileira no Governo Lula ao longo dos últimos cinco anos colocou “cascas de banana” na trilha de nossas contas externas.

Em primeiro lugar, a abundante entrada de dólares no país tem concorrido para a forte apreciação do Real frente ao Dólar. Em segundo, a ampliação dos ativos externos (particularmente os volumosos investimentos diretos e em ações de Companhias brasileiras), associados ao Real valorizado e a elevada margem de lucros que as grandes corporações transnacionais vêm obtendo no país nos últimos anos, ampliaram sensivelmente os gastos com remessas de lucros e dividendos para os países-sede dessas empresas. Por fim, a elevada taxa de juros brasileira tem atraído volumosas aplicações em títulos do Tesouro.

Dessa forma, entre 2006 e 2007, o superávit na BC caiu de 46,5 para 40,0 bilhões; as remessas de lucros e dividendos saltaram de 16,3 para 21,3 bilhões e o déficit em serviços saltou de 9,6 para 12,6 bilhões, fazendo com que o superavit em Transações Correntes caísse de 13,6 para 3,3 bilhões de dólares. O superavit na Conta Financeira, contudo, foi excepcional, saltando de 16,3 para 87,7 bilhões de dólares, fazendo de um lado as reservas internacionais do país dispararem para mais de 180 bilhões de dólares, mas de outro, pressionando ainda mais para baixo a cotação do Dólar no país.

Com o Dólar no atual patamar, estima-se que em 2008 o país deverá totalizar um deficit da ordem de 50 bilhões de dólares na Balança de Serviços e de Rendas. Se não o financiarmos com o superávit na Balança Comercial, dependeremos da atração de Investimentos, Empréstimos e Financiamentos Externos. O Governo Lula não pode aceitar o discurso do mercado financeiro de que um déficit, mesmo acentuado, nas Transações Correntes não seria perigoso, pois os recursos externos são fartos. Sabemos que os 21,0 bilhões de dólares que entraram em 2007 para aquisição de títulos desapareceriam com uma significativa (e necessária) redução da taxa de juros.

E numa situação de forte déficit em Transações Correntes, ocorrendo uma retração na entrada de recursos externos, teríamos novamente instalada no país uma crise de divisas.

O quadro ainda não é calamitoso mas requer medidas mais enérgicas do que as recentemente adotadas pelo Governo Federal para conter a sangria nas Transações Correntes. Do lado da Balança Comercial, um conjunto de medidas voltadas ao estímulo das exportações (desoneração, políticas setoriais) e contenção das importações tornam-se urgentes. Em relação à Balança de Serviços e de Rendas, a primeira medida seria uma maior taxação sobre a remessa de lucros e dividendos e ainda a adoção de um conjunto de ações voltadas para conter os gastos em serviços (viagens internacionais, frete, etc).


Em relação à Conta Financeira, a primeira medida seria reduzir a taxa de juros, que associada ao aumento ainda maior da taxação sobre aplicações de renda fixa para estrangeiros, desincentivaria a compra de títulos por estrangeiros. Por tabela, reduziria os gastos do Tesouro com juros e manteria estimulada a atividade econômica. Deve-se destacar que o país já acumulou um patamar suficientemente elevado de reservas internacionais e a manutenção da abundante entrada de dólares concorre para uma ainda maior apreciação do Real.

O reequilíbrio alcançado em nossas contas externas tem sido determinante para o país sobreviver bem aos abalos vindos da crise no sistema financeiro norte-americano, e que está derivando para uma recessão naquele país. Diferentemente da Era FHC, quando nossa extrema vulnerabilidade externa implicava numa crise cambial aqui a cada crise que eclodisse em qualquer rincão do planeta, o Governo Lula tem todas as razões e condições de evitar os desastrosos erros cometidos no passado recente, começando por atentar mais para os interesses da Nação e menos para os desejos do capital financeiro.

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(*) Vice-presidente do CORECON-DF e Conselheiro do COFECON.

Fonte: www.cofecon.org.br

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