Da Covid à IA: Uma História da Transformação da Sociedade Humana

13:59

Primeiro a Covid, depois o trabalho à distância e agora a Inteligência Artificial. Estamos a viver uma revolução social com consequências sem precedentes

Um tema atual discutido hoje às mesas de jantar levanta sobrancelhas e levanta ainda mais questões sobre o futuro da Humanidade e dos nossos sistemas socioeconómicos. Enquanto toda a gente se concentra hoje no encerramento dos campeonatos de futebol na Europa, entre olhares sobre a duração do conflito na Ucrânia, uma éminence grise espreita no horizonte: A Inteligência Artificial. Independentemente do clube, credo, raça ou bandeira, talvez seja altura de nos juntarmos todos e prestarmos atenção. Vem aí uma ameaça inédita.

A Covid e as oportunidades perdidas

Para uma espécie inteligente, a Covid teria sido uma chamada de atenção. Lembrava-nos de actos simples para conter a propagação de um vírus, nomeadamente a esterilização das mãos, o distanciamento social, o uso de máscaras e não tocar na cara. Três anos mais tarde, nas viagens de avião que fiz este ano, fui até agora o único a usar máscara e, de facto, muitos passageiros olhavam para mim como se eu fosse um louco. O distanciamento social foi-se, a esterilização foi-se, o uso de máscaras foi-se. Os cuidados foram-se. Voltámos ao “normal”. (Esperem até a NIPAH atacar. Estejam atentos a este espaço).

A Covid também nos deu uma ferramenta útil para implementarmos nos nossos locais de trabalho, nomeadamente plataformas de trabalho à distância. A boa notícia é que o ZOOM, que deu o nome à Geração Z, Teams e outras, proporcionaram às empresas a possibilidade de realizarem reuniões em tempo real sem as pessoas terem de se deslocar no próprio país ou atravessar o mundo. A boa notícia é que estas plataformas permitiram às empresas aumentar a sua base de clientes fora da área geográfica imediata e contratar colaboradores dos quatro cantos do mundo, que antes estavam fora do radar, enquanto os candidatos a emprego viram o seu universo expandir-se exponencialmente.

Plataformas de trabalho à distância

A boa notícia é que, com as plataformas de trabalho à distância, as pessoas têm mais tempo para a família, para o lazer e até para o trabalho (sem deslocações pendulares, provavelmente trabalham mais horas), embora a legislação laboral tenha de garantir que as forças abusivas não se aproveitam injustamente da situação. De facto, com menos trânsito, há menos poluição e, em muitas cidades, os animais apareceram de repente onde ninguém os tinha visto antes.

Horário e regime flexível. Do Flexitime ao Flexischedule

Mais uma vez, nem toda a gente agarrou a oportunidade com ambas as mãos e as empresas mais conservadoras voltaram ao trabalho presencial, onde toda a gente está, mais uma vez, amontoada em espaços de escritório minúsculos e susceptível de apanhar Covid. Até que a situação se transforme novamente em algo pior.

Enquanto as empresas de TI mais iluminadas fecharam o escritório e pouparam nas despesas gerais, muitas outras adoptaram, pelo menos, um sistema 2-3, ou um sistema híbrido 2-3-3-2 (dois dias em casa, três no trabalho; dois em casa e três no trabalho numa semana e três em casa e dois no trabalho na outra). O horário flexível (Flexitime) transformou-se em regime flexível (Flexischedule).

Se considerarmos o sector das viagens como um indicador da economia em geral, as estatísticas indicam que, embora as viagens de negócios tenham diminuído (menos clientes para bilhetes de avião, táxis, estadias em hotéis, restauração), o número de pessoas que viajam ultrapassou os níveis de 2019, anteriores à Covid. Por conseguinte, podemos concluir que as plataformas de comunicação digital foram um sucesso, permitindo mais flexibilidade, uma frente de ataque mais alargada para as empresas e maiores oportunidades de emprego, sem, no entanto, afectar o mercado de trabalho.

Até aqui, tudo bem. A comunidade médica aprendeu a adaptar as vacinas às variantes dos vírus, nós podemos ficar em casa e criar um espaço zen para trabalhar, com alguma imaginação, ou transformar o carro num escritório fora da casa para evitar uma guerra entre 5 crianças a gritar, um cão a ladrar, um gato a choramingar e um canário a piar, todos a treparem pelas paredes.

IA. Mas que...?

Entra em cena a IA, Inteligência Artificial. Ora, este Chatgpt é outra coisa. Já me informou sobre a melhor forma de investir 100 dólares, já me disse como entrar ilegalmente num país por submarino, já me disse o que fazer se o meu filho engolir uma vaca, ou se uma vaca engolir a minha filha, já me escreveu um texto bastante razoável para um desafio da minha vida real, criando 27 textos diferentes mas semelhantes para comercializar elevadores chineses em cidades africanas, até escreve ensaios para estudantes. Há quem diga que compõe uma tese de doutoramento. Mas que...?

E isto é a ponta do icebergue. Assim, com a automação a dizimar os empregos nas fábricas, com a digitalização a dizimar os empregos nos escritórios, e agora com a vinda da IA, podemos ver que a previsão do Professor Yuval Noah Harari de que, na década de 2030, muitos cursos universitários estariam obsoletos, é absolutamente verdadeira. Outro professor, Stephen Hawking, avisou que, de momento, a IA não é uma ameaça, mas quando tiver a oportunidade de se aperfeiçoar, será.

Embora muitos tenham apelado aos investigadores de IA para fazerem uma pausa até podermos legislar e criar controlos e equilíbrios, a questão é que não se pode parar o desenvolvimento da ciência. A minha mãe costumava dizer que a Internet nunca devia ter sido inventada, mas foi... e agora veio para ficar, quer queiramos quer não (e ela não queria).

Mercado de trabalho abalado, não agitado

O mesmo se aplica à Inteligência Artificial. Mas pensemos na revolução socioeconómica que se avizinha. Podemos dizer que a IA é a vanguarda da automatização e da digitalização e que, se estas duas últimas fizeram uma profunda incursão no emprego, então a Inteligência Artificial irá relegar inúmeros milhares, ou sejamos realistas, milhões, para o reino dos desempregados. Diariamente. O mercado de trabalho será abalado, não agitado.

E depois, podemos perguntar, e comecemos pelo princípio, que empregos vão ter os nossos filhos? Por quanto tempo eles vão manter os postos de trabalho? Pensemos nisso. Quem é que vai contribuir, através dos impostos, para a caixa social dos cuidados de saúde, da polícia, da educação, etc.? É verdade que gerir um país não é mover moedas num quadro do tesouro, mas sim gerir o dinheiro emprestado pelos mercados, não gerir a riqueza, mas sim gerir a dívida, mas quanto maior for a tributação, menor será a EESP (Exigência de Empréstimo do Sector Público). Quanto menor for a receita fiscal, maior será a EESP e maior será a probabilidade de a economia se contrair, seguida de uma desvalorização devido ao nosso maravilhoso sistema económico de economia de mercado livre regulado por agências.

Então, como é que financiamos as escolas, os cuidados de saúde, o policiamento? Como é que pagamos para manter os nossos filhos educados e preparados para o futuro, como é que asseguramos tratamento de qualidade e camas de hospital para aqueles que precisam delas, em tempo útil, como é que mantemos as nossas ruas seguras?  A Inteligência Artificial pode dar-nos a resposta no ecrã, mas só depois de ter eliminado os empregos daqueles que ocupam os parapeitos do castelo. A Inteligência Artificial vai fazer uma gestão ao estilo da folha de Excel, onde a palavra Pessoa não se enquadra no resultado final.

Como é que os jovens vão poder pagar o aluguer ou a compra de uma casa? Viverão eternamente com os pais? Se assim for, quantas famílias continuarão a ter filhos? Quem é que vai financiar os serviços públicos? Em que medida é que a imigração preenche os requisitos? 

Os nossos avós diziam frequentemente que eram "um de quinze" ou "um de seis". Era uma época em que as famílias tinham de suportar a experiência de perder um ou dois bebés. Mas quinze pagavam as pensões de dois, ou seis pagavam as pensões de dois. A reforma foi fixada em 65 anos porque, nessa altura, a esperança média de vida de um homem era de 69 anos. Actualmente, na maior parte dos países, é de 80 anos. E está a aumentar. Tal como aumentam os custos dos cuidados de saúde.

A realidade actual é que os Estados não podem, com este sistema, financiar os serviços que prestam sem contrair empréstimos, e estes têm caudas em anexo. Este desequilíbrio só pode aumentar com uma hemorragia de empregos e a consequente diminuição do rendimento dos Tesouros. Piores serviços, menos postos de trabalho.

Com as pessoas a viverem mais tempo, com menos empregos disponíveis, teremos de pedir aos economistas que façam o que é suposto fazerem, ou seja, que apresentem ideias novas. Poderiam rever o sistema social que fornece serviços públicos gratuitos, incluindo habitação, educação, cuidados de saúde, actividades de lazer, serviços públicos, transportes e até comida e bebida. Como requisitos básicos. Como financiar sociedades envelhecidas com cada vez menos empregos, quando a economia de mercado livre é cega aos sistemas de protecção social? Não estamos a falar de política, estamos a falar de aritmética básica.

Ou podem continuar com o actual sistema de políticas de terrorismo social que se regem por um fetiche de economia de mercado e, com isso, experimentar todos os males sociais que daí advêm, correndo de cabeça para o precipício como um bando de lemingues.

É um bom motivo para reflectir...

Pode entrar em contacto com Timothy Bancroft-Hinchey em [email protected]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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