Valorização Cultural como Auto-Afirmação da Nossa Identidade

Valorização Cultural como Auto-Afirmação da Nossa Identidade

"Um povo ignorante é instrumento cego de sua própria destruição. Temos sido dominados mais pela ignorância que pela força"
(Simón Bolívar)

Edu Montesanti


A cultura está diretamente ligada ao sentimento do indivíduo, é a expressão mais viva da sua personalidade, da sua história, dos seus costumes, das suas raízes, das suas paixões. Soma de todas as realizações humanas transmitidas de geração a geração, a cultura é a auto-afirmação da nossa identidade, essência do ser humano que o sacia interiormente quando expressada livremente.

Muito além de elementos materiais tais como moradia, alimentação, vestimenta, arquitetura, tipos de celebração, idioma, maneira de se expressar, prática esportiva, dança e artes em geral, a cultura envolve aspectos espirituais da vida do ser humano, entre os quais: ideias e ideais, princípios e valores, as mais diversas crenças não apenas em termos religiosos, mas também em relação a, por exemplo, o que é sublime ou antiquado, e até bonito ou feio.

Pois ao contrário do que o sistema competitivo e individualista em que vivemos tenta-nos inculcar, não existem culturas superiores, mas sim diferentes. Certa vez, o jornalista Milton Neves fez esta feliz observação: "Quem esquece as raízes possui, no mínimo, caráter duvidoso". Já o filósofo, político e cientista político italiano Antonio Gramsci (1891-1937), escreveu: "Uma geração que ignora, desvaloriza e apequena a geração que a precedeu, que não consegue reconhecer sua grandeza e seu significado histórico e necessário, mostra-se mesquinha, que não tem confiança em si mesma ainda que assuma pose de gladiadora, e que exiba mania de grandeza".
Apenas porque não gostamos, não entendemos ou não concordamos com outras maneiras de viver e enxergar o mundo, não podemos nos outorgar o direito de dizer como essas sociedades ou indivíduos devem se comportar, tentando impor-lhes nossa maneira de ser enquanto tal comportamento, por mais diverso que seja do nosso, não ferir a vida e a integridade moral do próximo. Foi a intolerância às diferenças que propiciou a ascensão de regimes fascistas e nazistas, em um passado nada remoto.

"A língua é instrumento de controle social poderosíssimo, de opressão
e repressão, de exclusão social e conservação dos privilégios"
(Marcos Bagno, linguista)

Quando há valorização e respeito à própria cultura, algumas consequências naturais disso são aumento da auto-estima, valorização e respeito à cultura e a toda a história de outros povos, enxergando-os e admirando-os como diferentes, sim, porém jamais como inferiores, superiores e nem, muito menos, como inimigos. Outra consequência é ser valorizado por eles em retorno.

Essa sábia atitude, antes de tudo para consigo mesmo, também acaba levando naturalmente ao diálogo, à soberania e à convivência multicultural, universal e pacífica, calando sem maiores esforços vozes xenófobas e devastadoras.

"A cultura é força"
(Ludovico Silva, escritor e filósofo venezuelano)

No caminho inverso, a perda da identidade leva o indivíduo a ser facilmente dominado psicologicamente, tornando o terreno propício para a implantação do contemporâneo "poder brando" teorizado pela primeira vez em 2004 pelo professor de Harvard Joseph Nye, que consiste na imposição por parte de um corpo político ou de um Estado através de meios sutis, tais como o exercício da influência cultural e a midiática, ideologia tão dominadora quanto o tradicional "poder duro", por meios militares e econômicos.

Perguntada em entrevista a este jornalista,em agosto de 2017 se todos falam o idioma nativo chamorro na ilha de Guam, território a oeste do Oceano Pacífico colonizado pelos Estados Unidos desde 1950, a ativista pela descolonização Lisa Natividad respondeu: "Não, infelizmente nossa língua não é falada por todos de maneira que, agora, estou fazendo aulas para aprender minha própria língua... Outro subproduto da colonização!".

A imposição de uma cultura sobre outra nos tempos atuais tem substituído cavalos e artilharias militares, que ao longo da história colonizaram nações inteiras. Conforme observa José Alfredo de Araújo, mestre em Educação e professor de História da Rede Pública do Estado da Bahia, "a educação é um mecanismo poderoso para imprimir os valores do grupo dominante".

Já Joseph Goebbels, ministro de Propaganda de Adolf Hitler, disse certa vez: “Quando ouço falar em cultura, logo pego meu revólver”. Menor valorização cultural e opções ao seu acesso também acabam abrindo vácuo que, certamente, será preenchido por estado de depressão, uso de drogas e cometimento de crimes em geral entre a sociedade. E como já foi observado, acaba inevitavelmente favorecendo o discurso de ódio e preconceito. É o atalho mais certo rumo à imposição de regimes tirânicos.

A preservação cultural é o que afirma a identidade de uma nação, fazendo-a grande e respeitada. É só uma questão de liberdade, valor inegociável do indivíduo e de um povo.

"Nada em nosso sentir simboliza tão exatamente a pátria, como a língua nativa. Olhar através da língua que falamos e cuidá-la, vale
tanto quanto cuidar das lembranças de nossos antepassados, das tradições do nosso povo e das glórias dos nossos herois"
(Rufino José Cuervo, filósofo e humanista colombiano)

"Para nós, as galegas e galegos, ó igual que para o resto dos pobos do mundo, a lingua é o xeito que temos de interpretar e expresármo-la realidade e a cultura. O idioma é a base das nosas experiencias, dos costumes, das festas, da arte, da música... en palabras dun dos nosos pensadores, 'unha lingua é máis que unha obra de arte; é matriz inesgotable de obras de arte'. O galego é a 'lingua propia de Galicia' gracias ós millóns de persoas que ó durante moitas xeracións soubemos mante-la nosa lingua como sinal de afirmación colectiva, tanto nos momentos de maior esplendor, como nas situacións máis complicadas e difíciles" (idioma português-galego, em galego.org).

"A vida da humanidade (...) não se desenvolve sob o regime de uma uniforme monotonia, mas através de modos extraordinariamente diversificados de sociedades e civilizações", Levi STrauss.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey