A direita defende a família? De quem?
Por João Vilela
No mundo inteiro, na hora de defender pautas reacionárias e obter apoio popular para elas, a direita mobiliza uma mesma ladainha: a nossa grande tarefa é proteger as famílias. Salazar já era o homem do Deus, Pátria, e Família, Bolsonaro está em luta pela família brasileira, Trump pelos bons valores da família, o Vox quer o regresso da família tradicional, e até os seguidores do Chicão e do Ventura por cá começam a ensaiar a retórica familialista para sustentar as suas teses. Mas que amor é este da direita à família se não uma hipocrisia demagógica, quando pensamos nas suas políticas concretas?
Se a família precisa de um lar, não é garantidamente com o apoio da direita à especulação imobiliária, à liberalização das rendas de casas, e à limpeza social dos centros históricos para no lugar de casas das famílias se fazerem hotéis e alojamentos locais, que a família vai ser protegida. Não é com trabalho precário e salários de mera subsistência física que se vai permitir aos jovens organizar a vida, e menos ainda ter filhos. Não é pagando pensões de reforma insultuosas a quem trabalhou a vida toda que se vai honrar os mais velhos, e não é forçando-os a escolher entre os medicamentos e a comida que se vai cumprir qualquer compromisso com eles. Nem é tendo enorme preocupação sobre se as crianças discutem ideologia de género da sala de aula, para deixar as escolas a cair aos pedaços por falta de verbas quando o assunto vai a votos. A direita mobiliza uma preocupação imensa com os valores da família para fazer discursos condoídos em comícios, mas na hora de aprovar políticas de habitação, de trabalho, de serviços públicos e de proteção social, a sua ação é absolutamente corrosiva para as famílias que já existem ou para a possibilidade de alguém constituir uma.
Por estes dias, a Câmara Municipal do Porto chamou uma munícipe a uma reunião da Domus Social, empresa que gere a habitação social da cidade. Essa munícipe tinha ido morar para casa do pai, abandonando uma habitação social da câmara, a fim de o auxiliar, por estar velho e doente. Pediu insistentemente par ser integrada no agregado familiar dele. Pagou meses de renda, recebendo recibos em seu nome. E a mesma direita camarária que enche a boca com os valores da família, perante uma filha que se dedicou a cuidar do pai no final da vida, aproveitou a reunião citada para, numa coincidência coincidente demais, meter os seus pertences na rua e tomar posse da casa do pai falecido. A munícipe teve de ir para um hotel com os dois filhos. Com a sua família. Com essa família que a direita que a despejou e humilhou, provavelmente, vai dizer ser a sua grande preocupação no comício seguinte.
Há famílias que a direita protege? A avaliar pelas relações amistosas de Marcelo com Ricardo Salgado, e da forma como diversos familiares de dirigentes do Partido Socialista foram empregados em postos governamentais, é visível que sim. São é uma classe de famílias, ou melhor, são famílias de uma classe muito especial e diferenciada. São as famílias que querem morar nos centros históricos no lugar das que já lá estavam, e a quem diligentemente os poderes públicos se encarregam de arranjar um espaço. É compreensível que num mundo de apreensão e instabilidade, em que se sai de casa com emprego sem certeza se se volta com ele, em que o despejo é uma ameaça perene, em que uma doença pode significar uma perda séria de rendimento, em que cada percalço nas despesas do mês é uma calamidade, as pessoas se apeguem aos seus mais próximos, aqueles que são a sua rede de segurança material e (sobretudo) emocional. É, enfim, normal que nestes tempos o cidadão comum preze a sua família. Visivelmente, ele preza, a direita, que o quer pobre, precário, reformado na miséria ou a viver num hotel com os filhos, não tanto.
Só a esquerda anticapitalista pode defender a família dos ataques da direita
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