O poder da Arte e de Eros em Aquele mês de abril,
de Goimar Dantas
Por Alexandra Vieira de Almeida
O romance Aquele mês de abril (Penalux, 2018), de Goimar Dantas oscila entre a referencialidade, com intensas pesquisas nos campos da pintura e da medicina, como exemplos; e uma ficcionalidade admirável a partir das artes e do erotismo. O livro é dividido em cinco partes. E os títulos dos capítulos se referem a pinturas do grande artista do século XIX José Ferraz de Almeida Júnior: "Leitura, Descanso do modelo, O importuno, Amolação interrompida e Saudade". Cada seção aponta, na sua estruturação simbólica e narrativa, ao quadro específico do pintor aludido. É feito um trabalho de grande maestria por Goimar Dantas que representa a literatura a partir da pintura. Logo no início do livro somos levados a uma linguagem metafórica que condiz ao estado de espírito de Ana, a protagonista da história. O livro explode em minérios artísticos na sua escavação literária, conduzindo o leitor a uma viagem para o universo erótico das personagens Ana e Helena. Ana, professora de Arte e Helena, sua aluna e jornalista se conhecem num curso na Pinacoteca do Estado de São Paulo e foi tamanha a força tremenda causada pelo choque de ambas, que o erotismo se vale do fogo das palavras para se fazer incendiário da arte que promove o encontro de vidas: "A sensação labiríntica, o desconcerto e a saudade regiam sua vida desde que deparara com Helena pela primeira vez".
Ambas são casadas. Ana, com o médico Pedro e Helena, com o pintor Théo. Ambos os maridos são bem sucedidos e famosos. O que levaria às duas mulheres a se encontrarem nesta imensidão de mares simbólicos e eróticos? O campo da Arte é o domínio onde o sorriso de Eros lança suas flechas neste amor inusitado e homoerótico. No livro de Goimar, o plano feminino é enaltecido, há um recorte essencial na figura das mulheres que ganham grande relevo na sua obra. A pintura "Leitura", por exemplo, representando artisticamente esta relevância, mostra a figura de uma mulher lendo em pleno século XIX, algo incomum de ser colocado numa tela, mas que pela mão inovadora e ousada do pintor ganha ares de exuberância e beleza. O amor as unia e mesmo assim Helena continua amando seu marido com a mesma intensidade com que ama Ana, sua professora de Arte. Mas isto não é recíproco, o mesmo não se dá com Ana, que até pensa em se separar do médico Pedro: "Casada há mais de dez anos, Ana nunca pensava que pudesse se apaixonar de novo com tamanha intensidade."
O grande teórico do erotismo, Georges Bataille, assim disse: "O sentido último do erotismo é a fusão, a supressão do limite". Na sua tese havia um abismo entre um ser e o outro, trazendo a descontinuidade. A pulsão freudiana é revalorizada a partir da pulsão de vida (eros) e a pulsão de morte (tánatos). Mas esta descontinuidade é quebrada pelo erotismo, a partir da nudez e sua abertura. A nudez aponta para a continuidade. São belíssimas as cenas eróticas entre Ana e Helena, que não admitem nenhuma vulgaridade, mas um grande teor de adensamento simbólico a partir do jogo erótico entre estes dois seres. E a arte caminha lado a lado com o erotismo, assim como os sonhos que ganham grande representatividade no seu livro. Ao utilizar um pintor do século XIX no seu livro, encontramos um intenso rendimento narrativo na sua obra ao unir os universos antigo e contemporâneo, fazendo dialogar os tempos, trazendo os meandros folhetinescos deste século passado para as memórias narrativas do presente. Assim, o que é passado e o atual se conjugam num abraço crucial entre as épocas.
No livro magistral de Octavio Paz, A dupla chama do erotismo, assim temos: "Os sentidos, sem perder seus poderes, convertem-se em servidores da imaginação e nos fazem ouvir o inaudito e ver o imperceptível. Não é isso, afinal, o que acontece no sonho e no encontro erótico". O jogo da visibilidade e da invisibilidade promovido por Goimar Dantas a partir de suas personagens destaca o teor ambíguo que permeia o literário. O romance, feito de sensações, prazeres e imaginários, leva o leitor para o campo transgressor e excessivo do universo erótico, que ultrapassa o meramente sensorial para tocar o intangível e o ausente de corpo. Os corpos se tocam e ultrapassam a fisicalidade para se fazerem a chama sutil do simbólico e do artístico. E Roland Barthes já nos traduzia esta incógnita e mistério do amor que não se traduz apenas concretamente, tamanho seu poder de abstração: "De amor não falamos. De que serviria dar nome ao que encerra somente o equívoco?" Como algo palpável ao toque e ao mesmo tempo imperceptível e enigmático, o amor que unia Ana e Helena não merece maiores explicações. As sem razões do amor caminham num espaço longínquo da impenetrabilidade da Arte. Essa molda os seres em sua beleza fulgurante.
O livro também é um mosaico de planos distintos, pois, ao mesmo tempo que é prosa, é também poesia, a partir de seu viés lírico. É também ensaístico, por sua referência ao campo real da Arte. Théo, por exemplo, lê um artigo de Ana e este texto teórico é reproduzido no romance, fazendo seu estilo flertar com vários tipos de linguagem, a literária, a jornalística, a médica, a pictórica, a crítica e assim por diante. É como se o erotismo contaminasse ricamente sua obra, unindo amorosamente os discursos numa chama densa e aconchegante, ao mesmo tempo. A força do erótico corta seu livro numa simetria perfeita, unindo os saberes, com precisão e necessidade cirúrgica, sem deixar nada de fora ou de forma excessiva. O alcance do livro é dinâmico, nos mostrando o poder do transdisciplinar de que tanto nos alertou Edgar Morin. Os saberes não podem ser mais estanques. Pela força erótica das palavras, Goimar Dantas, une os conhecimentos a partir de sua ótica ficcional que serve como um amálgama na construção da sabedoria.
Portanto, se o seu romance por um lado faz referência aos saberes do real, sua ficcionalidade traduz um casamento perfeito entre o que é factual, uma verdade de fato, e o que é do campo da arte do imaginário. O poder de Eros e da Arte ultrapassa o meramente documental para se fazer a trajetória de um universo ambíguo e paradoxal. Seu romance se estrutura a partir de uma continuidade entre os campos do saber, traduzindo o encontro de duas pessoas, ou seja, o humano, no meio dos conhecimentos. Seu livro revela o poder da feminilidade no setor amoroso que não está propensa à uma interpretação fácil e fechada. A obra em abertura nos comove e nos traz a majestade das linguagens profundas e inusitadas. Ana, Helena, Théo e Pedro representam o que há mais de força e fraqueza na humanidade. Revelam nossos desejos, vícios, delírios, vitórias, acertos e desconcertos. O lado humano é traduzido em Arte e Eros tece um tapete de beleza e infinitude do amor além das aparências mundanas, pois não é só de carne que se alimenta o erotismo, mas de palavras simbólicas, ou seja, o espírito das letras nos envolve em seu manto de visibilidade e de invisibilidade.
"Aquele mês de abril", romance. Autora: Goimar Dantas. Editora Penalux, 164 págs., R$ 45,00, 2019.
Disponível em:
https://www.editorapenalux.com.br/loja/aquele-mes-de-abril
E-mail: [email protected]
A resenhista
Alexandra Vieira de Almeida é Doutora em Literatura Comparada pela UERJ. Também é poeta, contista, cronista, crítica literária e ensaísta. Publicou os primeiros livros de poemas em 2011, pela editora Multifoco: "40 poemas" e "Painel". "Oferta" é seu terceiro livro de poemas, pela editora Scortecci. Ganhou alguns prêmios literários. Publica suas poesias em revistas, jornais e alternativos por todo o Brasil. Em 2016 publicou o livro "Dormindo no Verbo", pela Editora Penalux.
Contato: [email protected]
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