A narrativa latino-americana que partiu da metade do século vinte adiante trouxe alguns dos mais brilhantes ficcionistas da literatura, parte deles ainda inéditos no Brasil. Entre personagens como Roberto Bolaño e Nicanor Parra, surge, muito timidamente, o nome de Andrés Caicedo, autor colombiano precoce em sua literatura e morte.
Bienaventurados los imbéciles,
porque de ellos es el reino de la tierra.
Andrés Caicedo, "Destinitos Fatales"
Os destinos fatais de Andrés Caicedo *
A narrativa latino-americana que partiu da metade do século vinte adiante trouxe alguns dos mais brilhantes ficcionistas da literatura, parte deles ainda inéditos no Brasil. Entre personagens como Roberto Bolaño e Nicanor Parra, surge, muito timidamente, o nome de Andrés Caicedo, autor colombiano precoce em sua literatura e morte.
Meticuloso, produziu muito e concluiu pouco; publicou menos ainda. O seu único romance, Que viva la musica!, chamaria a atenção da intelectualidade colombiana -- e, posteriormente, da de outros países -- para outros de seus trabalhos. Começou a escrever ainda adolescente, nos final dos anos 60, até que deu inicio a uma série de colaborações na revista Ojo al cine, que circulou entre 1974 e 1976. Nesse período, escreveu críticas de cinema, manifestos e contos. Alguns desses escritos, até então inéditos, apareceriam anos mais tarde, no livro póstumo Destinitos Fatales, organizado por Sandro Romero Rey e Luis Ospina: o primeiro, um de seus leitores mais assíduos; o segundo, um velho amigo.
A transgressão é um elemento fundamental de sua obra, no comportamento e na linguagem, e amiúde se relaciona à doce rebeldia da juventude, numa mistura trágica de frescor e loucura. O autor, que navega por uma espécie de literatura beat latino-americana, nos dá a pista quando diz, ao final de seu romance:
Tú, haz aún más intensos los años de niñez recargándolos con la experiencia del adulto. Liga la corrupción a tu frescura de niño.
Talvez essas linhas tragam em si uma orientação do que era Andrés Caicedo e a sua obra: a mais pura explosão da contumácia juvenil, que se manifesta em seus personagens tão afeitos à droga e à música, tão amantes da experiência - esse caminho tão curto rumo à precocidade, atraviesa verticalmente todas las posibilidades de precocidad, como sugere o próprio autor da frase, quem sabe falando de si mesmo.
Caicedo deu cabo da própria vida ainda na flor de seus vinte e cinco anos. Envenenamento. Talvez pensasse que ninguém quisesse jovens de precoces, crianças de vinte e cinco. Nadie quiere a los niños envejecidos, chegou a escrever certa vez. Estava tudo em seu romance "Viva a música", onde a protagonista (loira, loiríssima) diz que devemos antecipar a morte, marcando com ela um encontro. Não é difícil concluir que o escritor colombiano, à sua maneira, enxergava o próprio fim como uma forma de encerrar a sua obra, talvez até mesmo de chegar ao seu ápice. O ponto final de um balaço, como disse Maiakovski, ou morrer é uma arte, Plath etc.
Foi publicado no Brasil, este ano, o livro Viva a música!, de Andrés Caicedo. Editora Rádio Londres, 220 páginas.
* André Rosa é jornalista.
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