25/2/2015, Stathis Kouvelakis Στάθης Κουβελάκης (de Londres)
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Dois sofismas, ou, melhor dizendo, dois sofismas e meio, circulam ultimamente, distribuídos por aqueles e aquelas que se recusam a olhar na cara da realidade e a compreender o recuo a que o SYRIZA foi forçado, assim como as possíveis consequências. Digo "forçado", sim, porque preso numa estratégia errada; e não digo "traição" nem "renegação", que são termos moralizantes e absolutamente inúteis para quem queira compreender os processos políticos.
Primeiro sofisma: o SYRIZA "não tinha mandato para sair do euro. Se tivesse ficado nessa posição, não teria sido eleito." Dito assim, o raciocínio é absurdo. Sim, o SYRIZAnão tinha "mandato para sair do euro". Mas não tinha, com certeza, mandato para abandonar o essencial de seu programa... para permanecer no euro!
E não há dúvidas de que se se tivesse apresentado aos eleitores dizendo "eis meu programa, mas se virmos que a aplicação desse programa não é compatível com a permanência dentro do euro, então esqueçamos o programa", o SYRIZA não teria tido nem o menor sucesso eleitoral. E não por acaso: a permanência dentro do euro A QUALQUER CUSTO é exatamente o argumento de base dos partidos pró-Memorandoque governaram a Grécia durante todos esses anos. E o SYRIZA, ainda que nunca tenha esclarecido sua posição sobre o euro, sempre recusou a lógica do "euro a qualquer custo".
Recordemos, sobre esse ponto, que, ao contrário do que supõem a maioria dos comentadores, os textos programáticos do SYRIZA não excluem nem a saída do euro como consequência imposta no caso de os europeus recusarem [as propostas doSYRIZA], nem a suspensão dos pagamentos da dívida ['calote']. Mas, sim, é verdade que nos últimos tempos esses textos foram postos em surdina.
"O SYRIZA tinha duplo mandato: romper com a austeridade E permanecer no euro". Dito assim, soa mais racional que a formulação anterior, mas mesmo assim continua o sofisma. Porque se faz como se os dois objetos do mandato tivessem o mesmo peso e isso (no caso de ser preciso optar e é claro que é preciso optar, todo o problema está aí) legitimaria que se sacrificasse o euro, sendo inevitável, em favor do segundo (romper com a austeridade). E, isso, sem trair o mandado de que se está falando!
Mas... E por que não invertemos o argumento [permanecer no euro E romper com a austeridade], dizendo: "Dado que percebo que os dois termos são incompatíveis, escolho o primeiro, porque, no fundo, o eleitorado grego votou num partido da esquerda radical precisamente para que fizesse isso". Quer dizer: dar mais valor à ruptura que à 'estabilidade', no marco atual; é o que resulta mais coerente (e é o mínimo que se pode dizer) com a tarefa de um partido de esquerda radical que propõe o socialismo como seu "objetivo estratégico" (embora não tenha sido eleito para esse objetivo).
Terceiro sofisma, de Etienne Balibar e de Sandro Mezzadra que, depois do que aconteceu e depois de terem feito ironias sobre "a esquerda do SYRIZA" que "falava de renúncia" (mesmo que ninguém na esquerda do SYRIZA se tenha jamais servido desse termo, mas vamos em frente), tiram a conclusão de que assim se mostra(ria) "que não se construirá na Europa uma política de liberdade e igualdade baseada só na soberania nacional."
Para chegar lá, o fundamental seria ganhar tempo, mesmo que a custa de concessões (e aqui fazem a referência indispensável a Lênin, para 'avalizar' a radicalidade do que dizem), e permitir que aconteçam futuras vitórias políticas (referem-se ao Estado espanhol) e os movimentos sociais desenvolvam-se, de preferência os "transnacionais", tipo Blockupy. E seguem a navegar sempre nesse sofisma, com espantosa falsa-pureza de espírito, lógica, apesar de tudo, em ardorosos defensores do "projeto europeu" (apesar de, sim, só na "versão do bem"), como esses dois autores.
O problema é que os ritmos das forças políticas e dos movimentos sociais a que se referem Balibar e Mezzadra não estão em sincronia. De hoje até o próximo verão, o governo do SYRIZA terá de fazer frente a desafios mais que pesadíssimos, e não é possível supor que uma manifestação - bem-sucedida, que seja - em Frankfurt, ou uma possível vitória do partido Podemos nas eleições de novembro na Espanha, consiga modificar a situação a favor do SYRIZA.
Essa assincronia entre ritmos temporais é uma das modalidades sob as quais o caráter estratégico do nível nacional apresenta-se aos atores da luta política: o plano nacional é o terreno no qual se condensa de modo decisivo a relação de forças entre as classes.
O que Balibar e Mezzadra subestimam gravemente, além do mais, é o efeito de desmobilização que não deixará de ter, no plano grego interno e no plano europeu, a percepção (que acabará por se impor, apesar dos ataques que lhe fazem os defensores de visão curta do governo grego) de uma Grécia e de um governo do SYRIZA obrigados a curvar-se ante os diktats austeritários da União Europeia. Já não se vê, mesmo na Grécia, o clima de mobilização e confiança que havia nas primeiras semanas depois das eleições. Agora imperam o desassossego e certa confusão. É verdade que as mobilizações podem voltar, mas, por um lado, estarão, agora, dirigidas contra opções de governo; e, por outro lado, não se verão mobilizações rápidas, 'a toque de apito'.
Condicionar uma escolha política à emergência de movimentos é pior que temerário. É um modo de dizer que nada acontecerá se não houver o movimento, ou se o movimento for apenas fraco. Na realidade, trata-se de agir exatamente no sentido inverso. Assumimos uma escolha de ruptura, e isso estimula a mobilização, a qual tem, ou adquire, a própria autonomia. Foi, além do mais, exatamente o que aconteceu na Grécia na fase de "confronto" entre o governo e a União Europeia, entre 5 e 20 de fevereiro, quando dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas, por movimento largamente espontâneo e externo aos quadros partidários.
O argumento do "tempo ganho" persiste quando persiste a ilusão. Durante esses quatro meses de suposto 'respiro', o SYRIZA estará, na realidade, obrigado a mover-se dentro do quadro vigente, a consolidá-lo, portanto, pondo em ação uma grande parte do que aTroïka (reapelidada agora de "Instituições") exige, "atrasando" a aplicação de medidas-signos de seu programa, precisamente aquelas que teriam permitido "fazer a diferença" e cimentar a aliança social que levou o SYRIZA ao poder.
Esse "tempo ganho" expõe-se ao grave risco de logo se revelar como "tempo perdido", que desestabilizará a base do SYRIZA e permitirá que os adversários (especialmente a extrema direita) reagrupem suas forças e apresentem-se como únicos defensores de uma "verdadeira ruptura com o sistema".
Destaquemos também que, apesar da repulsa que qualquer referência à nação provoca nesses fanáticos do europeísmo como Balibar e Mezzadra, os sucessos políticos a que eles se referem, dos partidos SYRIZA e Podemos, só são vitórias no nível nacional, que só modificam a relação de forças no que tenha a ver com forças políticas de esquerda que cheguem a governos de estados nacionais. Esses êxitos, sim, também estão construídos, em grande parte, sobre a base da soberania nacional, em sentido democrático, popular - não nacionalista - e aberto.
Nos discursos de Tsipras e de Iglesias abundam, sempre perfeitamente assumidos, o discurso "nacional-popular" e referências ao "patriotismo", assim como abundam as bandeiras nacionais (grega ou republicana, no caso do Estado espanhol no conjunto), em mãos das massas e dos movimentos "autônomos" (para usar o termo de Mezzadra e Balibar) que enchem as ruas e praças desses países.
Mais que em qualquer outro elemento, aí se vê que a referência nacional é (principalmente nos países dominados da periferia da Europa) terreno de luta - que, em países como o Estado espanhol e a Grécia, as forças progressistas conseguiram hegemonizar para convertê-la num dos motores mais potentes do sucesso que alcançaram até aqui.
Sobre essa base da referência nacional pode-se construir um verdadeiro internacionalismo. Não sobre conversas sem qualquer substância e desconectadas da realidade concreta da luta política, segundo as quais o discurso 'deve ser' "europeu" ou "transnacional", totalmente e sem qualquer mediação.
Uma última coisa, para concluir: há um elemento de verdade dos dois primeiros sofismas, quanto ao "mandato" para sair do euro. Este elemento sempre esteve 'ocultado' na contradição que havia dentro da posição majoritária no SYRIZA, a qual, agora, se manifestou muito claramente. A ideia de romper com a austeridade E com o peso da dívida, no marco europeu atual fracassou muito claramente.
Em situações desse tipo, é preciso falar com sinceridade e honestidade e começar por admitir o fracasso. E admitir portanto que é preciso voltar a discutir para encontrar a estratégia mais adequada para conseguir ser fiel aos compromissos assumidos e para tirar o país da encruzilhada em que está, ao mesmo em que enviamos uma mensagem de luta aos muitos e muitas que apostaram na "esperança grega", e que hoje se recusam, com razão, a admitir qualquer derrota.*******
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