Por Alessandro Lyra Braga
Está tudo menor nos dias de hoje! Analisando materialmente, os eletrodomésticos, as moradias, os carros, as roupas e, principalmente, as distâncias ficaram menores. Até aí, parece que não temos grandes e sérios traumas a superar. No entanto, os sentimentos e as emoções também ficaram menores e fizeram de nós, cidadãos cibernéticos do século vinte e um, verdadeiros seres sem características individuais. Somos um produto em série, com código de barra e tudo! E este código de barra é a mesmice.
Se caminharmos por uma rua de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Miami ou de Londres, vemos todo mundo igual, seguindo uma mesma correnteza. Os nomes das lojas são quase todos em inglês, as músicas são iguais, inclusive o jeito de falar dos locutores das rádios FM são idênticos. Até na religião tudo está parecido. O mundo gospel está aí para demonstrar isto.
Agora, escrevendo este artigo, percebo que cometi uma grande falha em minha análise. Nem tudo está menor. As possibilidades de trabalho e de comunicação estão muito maiores. Hoje temos a disposição para quase todo mundo de profissões que não existiam há cinquenta ou quarenta anos. Ninguém era webdesigner, por exemplo. Ninguém administrava equipes de vendas em diversas partes do mundo pelo Skype. O mundo era, percebivelmente, maior do que é hoje, e as possibilidades, bem menores.
Tenho um amigo, Marçal Dorneles, que é historiador e um grande amante da fotografia (inclusive, a foto que ilustra este artigo foi feita por ele). Nos falamos regularmente via internet, pois ele mora no interior de Goiás, numa cidade que eu nunca tinha ouvido falar. É comum trocarmos informações de primeira hora e ainda discutirmos artigos que escrevemos em tempo real, como se ele estivesse ao meu lado. Coisa de Star Wars! E olha que nenhum de nós é Jedi! As distâncias físicas quase não se fazem perceber mais.
Eu estava me lembrando de como o mundo era literalmente grande. Na década de 40 do século passado, levava-se de avião quase três dias para se chegar do Rio de Janeiro a New York. Hoje leva-se oito horas. No entanto, podemos ficar três horas presos no trânsito, como eu já fiquei algumas vezes. E olha que neste tempo conseguiríamos ir e voltar do Rio de Janeiro a São Paulo seis vezes! Ou então dava para irmos do Rio de Janeiro a Buenos Aires e ainda desembarcarmos. Analisando assim, vemos que o tempo passou a ter outra conotação. Antigamente dizia-se que "tempo é dinheiro", mas não é o nosso tempo, pois ele nem é mais nosso. É o tempo de quem manda nas massas. Nosso tempo individual, para o dito atual sistema, passou a não ter nenhum valor.
Outra coisa que diminuiu foram os textos, no sentido mais amplo. Hoje ninguém mais escreve um livro como E o vento levou..., ou os tijolaços escritos pelos sensacionais autores russos, até porque poucos realmente teriam tempo para ler tais obras, que necessitam de uma completa atenção para seu pleno deleite. Até na publicidade isto mudou. Antigamente havia a figura do redator de publicidade, pois os anúncios tinham texto de fato. Já faz alguns anos que estes textos, seguindo uma tendência mundial e massificada, foram substituídos por meras frases ou até mesmo uma simples palavra. Bem me lembro que o comercial de lançamento para o mercado brasileiro de uma variante do carro da GM, Ômega, era elegante, mas só tinha duas palavras. Era um comercial feito para um público muito seleto (veja o comercial aqui), onde o narrador dizia o seguinte texto "Ômega, absoluto!". E para quê mais?
Assim, vivemos num mundo de muitas mensagens, mas de diálogos ou dizeres pobres. Até as ideologias, que no passado eram muitas, diminuíram. Hoje só temos a ideologia do dinheiro, do capital financeiro. Se as bolsas de valores e os grandes investidores estão ganhando, o mundo está bem. Se eles perdem, o povo quase que tem que indenizá-los e pedir desculpas por existir. Foi exatamente o que aconteceu e vem acontecendo desde 2008 no mundo inteiro. Se os grandes bancos têm problemas, os governos os ajudam. Se o povo tem problemas, os governos dizem para terem paciência e apertarem os cintos, pois eles, os governos, precisam socorrer os bancos. O valor da vida e da estabilidade dos cidadãos, para os governos e o dito "mercado", diminuiu, ou melhor, sumiu! Viramos estatísticas e nada mais! Aqui, novamente eu erro ao afirmar que tudo no mundo diminuiu. O número de milionários e de bilionários no mundo aumentou. E o de pobres, também. Viu só? É estatística!
Hoje, cenas como colocar cadeiras nas calçadas e conversar com vizinhos são raras em grandes centros urbanos. Até tem gente nos subúrbios ou em algumas ruas que faz, mas fica com medo de assaltos e outras violências ditas civilizadas. Até as festinhas de aniversário, geralmente de crianças, que antes fazíamos em casa estão mais raras. Para se economizar tempo, e ser mais fácil para todos, contrata-se uma casa de festas e realiza-se uma festa que, desde o início tem hora de começar e de encerrar. Não sei como ainda não implantaram o relógio de ponto para o convidado marcar sua presença ao chegar à festinha.
Admito que estou sendo saudosista. Mas, sei que muitos também são, apenas não possuem um canal de comunicação como eu possuo para demonstrar isto. Continuarei sendo um arauto dos bons tempos. Dificilmente, voltaremos a ter certos hábitos que eram tão comuns. Entendo que como historiador, tenho o dever de mostrar a todos que provavelmente estejamos seguindo um caminho de isolamento cada vez maior e de total perda de identidade. Hoje, está cada vez menor a lembrança dos bons tempos do passado. Se temos o mundo nas mãos, o mundo nos tem em sua rede global e nela estamos completamente emaranhados.
O que eu não quero é não ter mais tempo para nada. Quero poder fazer o que sempre fiz e me dava alegrias, prazer e me trazia aprendizado. Inclusive, esta semana perdi uma querida amiga. Infelizmente, nós não tínhamos tempo para estarmos juntos e conversarmos como gostávamos. Nossa convivência diminuiu, independente de nossas vontades. Para sobrevivermos, deixamos que roubassem nosso tempo. Para sobreviver, ela se esqueceu dela mesma, e, hoje, não está mais aqui entre nós. Nem o direito de sobrevivermos, pensando que estamos vivendo, temos mais. Alguém me ajuda a retornarmos aos tempos de outrora?
*Alessandro Lyra Braga é carioca, por engano. De formação é historiador e publicitário, radialista por acidente e jornalista por necessidade de informação. Vive vários dilemas religiosos, filosóficos e sociológicos. Ama o questionamento.
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