Futebol: O Ópio do Povo!

Eu não vou ver um único jogo de futebol durante esta Copa. O futebol que eu conhecia e amava transformou-se, desde um desporto nobre, passando por um meio de comunicação útil, acabando por ser um sinistro mecanismo de controlo que esconde uma caixa de Pandora cheia de negócios financeiros escuros e favores pessoais. Enquanto se alimentam o povo pingo a pingo com uma dose controlada de adrenalina, ninguém pensa em coisas sérias. Mantêm-nos dopados e estúpidos, e controlam-nos.

Eu gostava tanto de futebol. Gostava de jogar, gostava de falar acerca jogos passados e futuros. Nada se sente melhor do que arremessar a bola com força no ângulo superior da baliza de uma distância de 35 metros, nada mais aconchegada do que a camaradagem da festa depois de uma importante vitória.

Contudo, enquanto essa mistura de testosterona e adrenalina saiu do campo e entrou no ercã da TV, o jogo se transformou desde um desporto, tornando-se um sinistro mecanismo de controlo, o Ópio do Povo, mantendo as massas estupidificadas com uma dosagem cuidadosamente controlada, que começa pelo idiotice quase estudado dos próprios jogadores, a inanidade dos treinadores e termina com as companhias de TV que fazem biliões do PPV (Pagar para Ver), os agentes que compram e vendem jogadores como se estivessem a traficar drogas e os Presidentes dos clubes, muitos dos quais parecem e agem como mafiosos, anonimidades cinzentos que se enriquecem depressa. Depressa demais.

Por isso eu não vou ver um minuto desta Copa na África do Sul e a única coisa que vou proferir é que espero que a FIFA 2010 seja ganha por uma equipa africana. Eu vou passar o meu verão a preocupar-me e a estudar coisas mais sérias, tais como a União Europeia deixou que uma agência de rating dos Estados Unidos da América possa controlar as vidas dos europeus, ditando se recebem suas pensões ou não, e como a Europa conseguiu passar a responsabilidade pela sua política externa à OTAN.

Eu vou estar a estudar finanças públicas para encontrar argumentos tangíveis quando os Governos encolhem os ombros a esquecerem as suas responsabilidades perante os cidadãos, dizendo “Sim, mas como se paga isso?”, expressão de um cinismo mais puro, porque quando se trata de um banco ou banqueiro que precisa de ajuda por ter agido com irresponsabilidade e gula, de repente estão disponíveis triliões.

E eu vou perder o quê este verão? Clichés ridículos iterados pelos jogadores (entre assoarem o nariz nas mãos e na melhor das hipóteses, limparam-nas nas calças; no pior, no cabelo, a escarrarem e cuspirem de forma barulhenta). “Sabe, vou trabalhar muito para fazer o meu contributo no sentido de que o mister me possa escolher e fazer meu melhor pelo colectivo porque ganhar os três pontos é importante mas no final do dia o futebol é uma caixinha de surpresas (n’é?) e a bola roda para os dois lados e sabes, o futebol é mesmo assim!” Como? Aquela criatura repugnante queria dizer algo com aquilo?

Pois, eu vou perder as frases sem sentido dos treinadores, os ex- ou falhados jogadores que chegaram a estatutos de semi-deidades com expressões como “Eu não gosto do futebol italiano”, “Não se pode fazer omeletes sem ovos” ou “O final da Liga dos Campeões é o jogo mais importante do Mundo”. Ou então “Eu sou uma pessoa do futebol”.

Eu vou perder os envelopes pardos ganhos pelos Presidentes dos clubes, não vou ver os agentes a olharem para os jogadores como contemplam o gado numa feira antes de fazer seus dez a vinte por cento. Vou perder o espetáculo de ver vinte e dois jovens a correrem atrás de uma bola, a darem ponta-pés uns aos outross, numa tentativa de destruir as carreiras dos colegas, a cuspirem, a dizerem palavrões e a serem grosseiros com o árbitro.

Não vou ter saudades nenhumas de ser financeira e intelectualmente violado pelo fornecedor de TV por cabo que disponibiliza de imediato o canal PPV desporto após um telefonema mas que leva seis meses a desligar o serviço (durante esse período estaria a pagar, claro), fornecedor que me vende um pacote de canais, pelos quais pago bom dinheiro e depois bloqueia aqueles que mostram os jogos gratuitamente durante o Mundial. Como todo o mundo sabe, hoje em dia quem quiser pode ver o Mundial grátis via Internet. Vão bloquear esse serviço também?

Não vou sentir saudades de ver incompetentes e protegidos árbitros a não verem um penálti ou uma falta, não vou ter saudades da “falta profissional”, uma ofensa deliberada contra um jogador, nada menos do que batota.

Não vou sentir saudades dos histriónicos dos belladonnas cheios de jóias a contorcerem-se no chão num mar de esputo (cuspe e ranho), a perderem um brinco de diamantes, revelando um braço esquerdo azul por ter tanta tatuagem e um braço direito decorado com as palavras “Mamá”, “Papᔠou “Maria Chuteira”.

“Maria Chuteira” sem dúvida pertence às MeN (Mulheres e Namoradas, WAGs, em inglês) que ganham a vida a pendurarem-se no braço de algum jogador, rotulando-se “a namorada do (Jorge)” que perseguem a equipa por todo o lado a abrirem as pernas e (se Deus quiser) a fecharam a boca, excepto quando se juntam muitas, chegando a uma massa crítica e acabando numa briga espectacular de gatinhas. Disso, sim, vou ter saudades!

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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