Cuba: Sonho tornado realidade

Entrevista: Dirlene Marques

Por Manoel Castanho (*)

A economista Maria Dirlene Trindade Marques, conselheira federal do COFECON pelo estado de Minas Gerais, esteve em Cuba entre janeiro e fevereiro deste ano. O que ela viu naquele país a impressionou tanto, que após a divulgação da carta-renúncia de Fidel Castro, decidiu escrever um artigo a respeito para que fosse publicado no site do COFECON (a publicação ocorreu no dia 1º de abril). Nele, contrastou vários aspectos da realidade cubana, comparando com a situação atual do Brasil. Nesta entrevista ao site do COFECON, Dirlene fala sobre o desenvolvimento de Cuba e o que podemos aprender com a situação daquele país.

COFECON: Na sua opinião, por que ninguém consegue ser indiferente a Cuba? Por que quase todos são admiradores ou críticos da realidade cubana?

Dirlene: Como disse Clovis Rossi, ninguém fica indiferente a Cuba e a Fidel Castro. Mesmo os que a criticam, têm uma grande admiração pelo que a revolução fez com aquela pequena ilha, destinada a ser um segundo Haiti que era, na época, o prostíbulo dos EUA. Havana representa bem esta historia: os casarões, hotéis, cassinos e ate a cópia do Capitólio, tudo hoje transformado em museus. Tem ainda o encanto pelo revolucionário Fidel Castro que, chegando ao poder, não se corrompeu e continua dando toda sua vida e sua história para construir e difundir os princípios socialistas, como a solidariedade e o internacionalismo. Difícil encontrar alguém como Fidel, que defende e pratica o socialismo. Ele e a Ilha representam toda uma geração generosa que lutou, viveu e morreu por um ideal. Representam o guerrilheiro Che Guevara. Representam a geração de 1968 com seus sonhos e utopias. Enfim, Fidel Castro e Cuba simbolizam todas as lutas, manifestações, os sonhos tornados realidade.

COFECON: Quais foram seus primeiros estranhamentos ao chegar a Cuba? O que te surpreendeu logo na chegada?

Dirlene: Não ser agredida por outdoor de propaganda consumista. Os poucos outdoors que encontramos são artísticos ou com frases de estímulos à solidariedade aos irmãos da América Latina ou de estímulos à luta como “Até a vitória, sempre – Che Guevara”. Outra questão que me marcou profundamente foi não encontrar nenhuma criança, nem velho, nem jovem morando nas ruas, andando descalço, mendigando. Não ver pessoas exibindo seus aleijões para conseguir alguma esmola, como nos defrontamos o tempo todo no Brasil.

COFECON: Em outro país, geralmente estranhamos algumas coisas mais caras ou mais baratas do que no nosso país. O que a senhora pode citar como exemplos de artigos mais caros? E mais baratos?

Dirlene: Mais caro do que no Brasil, não encontrei nada. Desde os hotéis aos passeios

turísticos, a entrada em shows, alimentação, normalmente é bem mais barato. Em Cuba, hoje, convivem 2 moedas: o peso conversível (C.U.C.), usado pelos turistas, que equivale a US$ 1,00, e o peso cubano (US$ 1,00 adquire 25 pesos). E, mesmo no peso conversível, nada é mais caro. E, no peso cubano, tudo é muito mais barato. Livros, por exemplo. Comprei um livro do Boaventura de Souza por 8 pesos cubanos. Livro sobre Dom Quixote, de 500 paginas por 20 pesos. Fomos a um restaurante de comida natural, pagamos 5 pesos por um prato.

COFECON: Em seu artigo "Uma visão sobre Cuba", a senhora falou de um outdoor que dizia que "Esta noite, 200 milhões de crianças dormirão nas ruas. Nenhuma é cubana". Contrastamos este cenário com o também mencionado "acesso limitado ao papel higiênico". Da mesma forma, podemos contrastar as "habitações modestas", sendo "98% delas com instalações sanitárias adequadas". Desta maneira, é correto dizer que, economicamente falando, a sociedade foi nivelada por baixo?

Dirlene: Cuba é um pais socialista, pobre. Portanto, busca ter todos os bens universalizados, especialmente os bens que garantem a dignidade do ser humano – saúde, educação, alimentação, vestuário, habitação. Outros bens de consumo duráveis também foram sendo universalizados, como aconteceu há dois anos, quando da revolução energética, onde foram trocados os aparelhos eletrodomésticos por outros mais novos e que economizam energia. Assim, em qualquer casa, na cidade ou no campo, foram trocadas e/ou criaram as condições para que todos pudessem ter uma televisão, liquidificador, geladeira, ventilador e a tradicional panela elétrica para cozinhar a comida típica: arroz com feijão. Portanto é um pais pobre que universalizou os bens essenciais e agora, introduz os bens de consumo duráveis na medida em que podem ser universalizados.

A questão que pode ser colocada é outra: por que Cuba é um pais pobre? Se olharmos no mapa mundi, vamos ver que Cuba é uma pequenina ilha, ao lado de Miami. Constatamos também que tem recursos naturais limitados e que sofre um severo bloqueio econômico desde os anos 60. Até o inicio dos anos 90, todo seu comércio era realizado com os países socialistas do leste europeu. Imagina o que isto representa em termos de custo e de limitação ao seu desenvolvimento! Localizada ao lado dos paises da América Latina, ficava limitada a comercializar apenas com os paises do leste europeu! E tudo piorou com o fim da União Soviética, quando viveram um período dramático.

Eu estive la em 1994 e os outdoors eram todos de apelo à unidade da população em torno da revolução, mostrando o grave momento que eles passavam. Aí sim, o racionamento era severo. Achei que não seria possível a revolução sobreviver. E sobreviveram à custa de uma nova pauta de exportação: o turismo. Sabiam dos riscos que corriam: aumento da desigualdade provocada por remuneração e gorjetas para os que trabalham neste setor, prostituição e drogas (presentes nas cidades turísticas), alem de pequenas infrações como vender rum e charuto clandestinos, etc. Apesar de isto ser comum e muito mais intenso em nossas cidades turísticas (veja o Rio de Janeiro), em Havana é chocante. Mesmo sendo chocante, nao tem a violência e miséria de nossas cidades turísticas.

Portanto, não é que nivelou por baixo mas, ao universalizar os direitos básicos, diante das poucas divisas e dos precários recursos naturais, este foi o padrão conseguido. Esta é a grande diferença com um pais rico como o nosso, onde 10% da população acumulam 75% da riqueza de um lado e milhões na miséria absoluta de outro.


COFECON: Às vezes, quando pensamos em Cuba, pensamos em pobreza, cotas de alimentos, escassez de bens e coisas do tipo. Como um país assim pode ter uma expectativa de vida mais alta que a dos brasileiros? (77,4 contra 71,9anos)

Dirlene: Por que os bens básicos foram universalizados, garantindo que todos pudessem ter uma qualidade de vida que garante esta alta expectativa de vida.

COFECON: A educação é outro ponto bastante destacada pelos defensores de Cuba. O que poderíamos copiar daquele país que fosse benéfico à realidade brasileira?

Dirlene: É complicado fazer comparação entre duas realidades tão diferentes. Especialmente quando falamos em educação que tem a ver com a história, com a cultura, com toda a formação de um povo. E, neste caso, temos duas sociedades onde uma prioriza o ser humano e a outra o lucro, a acumulação de capital. Isto coloca uma distância enorme entre elas. Portanto, em termos curriculares, seria irrealista pensar em reforçar a disciplina de historia do Brasil ou da América Latina, ou ainda de sociologia ou de metodologia, em uma sociedade como a nossa, que só se preocupa com o fazer e nao com como e por que fazer. Mais ilusório ainda é pensar em reforçar disciplinas como filosofia, sociologia, ética. Sabemos bem como os currículos se alteraram a partir dos anos 90, reforçando as disciplinas técnicas e retirando as disciplinas da área de humanas. Um bom exemplo é o Curso de Economia, que se transformou em Economia Matemática.

Quanto às escolas infantis (círculos infantis), ensino fundamental e médio em Cuba, as crianças e os jovens têm ensino integral – áreas humanas, exatas, técnicas, desportos, artes etc. Aqui no Brasil, a classe média corre atrás desta educação para seus filhos, indo de um lado para outro, da escola formal para a aula de línguas, para uma aula de esporte, para outra aula particular de música, desgastando as crianças, as suas mães e pais.

Acredito que este é o sonho que a classe média busca viabilizar para seus filhos. Imaginem pensar esta realidade para os milhões de filhos dos pobres em nosso pais, que mal conseguem aprender a ler e escrever. Imaginem todos eles tendo acesso ao pensamento, à cultura, aos desportos!

COFECON: Apesar das realidades diferentes, que problemas são comuns a Cuba e ao Brasil?

Dirlene: Como os princípios que norteiam as sociedades sao tão diferentes, mesmo quando alguns problemas aparecem como comuns, nao dá para compará-los.

COFECON: É possível um modelo que equilibre a proposta cubana e as propostas capitalistas? Ou os dois modelos deverão ser sempre antagônicos? Poderiam os países de IDH mais alto (Islândia, Noruega, Austrália, Canadá, Irlanda e Suécia), que pouco aparecem nos noticiários, representar este meio-termo?

Dirlene: Marcio Porchmann, um estudioso do assunto do emprego, desemprego, IDH, entre outros temas sociais, faz um ranking de inclusão social com 175 países, onde moram 6,05 bilhões da população mundial (de 6,2 bilhões de pessoas). Neste ranking mundial o Brasil está em 109º lugar, atrás de países como a Albânia (97º), Gana (102º) e Mongólia (106º). O governo gosta de divulgar que somos a 10ª economia do mundo, mas nao diz que ocupamos o 109º lugar no ranking de inclusão. Na América, temos o quarto maior PIB mas somos o 28º em inclusão, diz Porchmann.

Acredito que o Brasil, sendo um pais rico pelo seu PIB, pelos recursos naturais, pelo seu povo, pelo seu conhecimento, pode até pensar em melhorar o seu índice de desenvolvimento humano se tiver uma elite que olhe para o povo brasileiro e não para o exterior e para o seu próprio bolso.

Mas temos que pensar no tipo de desenvolvimento que queremos. Hoje é comum falar em desenvolvimento sustentável. Esta idéia, inicialmente, trabalhava buscando o equilíbrio do meio ambiente e inclusão social. É claro que hoje isto se transformou em meras palavras, pois falamos em desenvolvimento sustentável e permitimos derrubar a floresta amazônica. Aprovamos fazer mais e mais barragens, derrubando a floresta e expulsando a população ribeirinha dos arredores. Isto é sustentável?

A pergunta é: que mundo queremos para nos e para as gerações futuras?

O Fórum Social Mundial tem conseguido aglutinar os mais amplos setores de nossa sociedade que acreditam que “Um outro Mundo é Possível” e que são contra o neoliberalismo. Acreditam

que este outro mundo só é possível fora do Capitalismo. E já tem alguns pontos que devem nortear este outro mundo (Um Projeto para o Brasil, divulgado pelas assembléias populares):

Paz, justiça, ética e respeito as diferentes espiritualidades;

Libertação do mundo do domínio das multinacionais e do capital financeiro;

Acesso universal e sustentável aos bens comuns da humanidade e da natureza;

Democratização do conhecimento e da informação;

Garantia da igualdade de gênero e eliminação de todas as formas de discriminação;

Garantia dos direitos econômicos, sociais, humanos e culturais, especialmente os direitos à alimentação, saúde, educação, emprego, habitação e trabalho digno;

Construção de uma ordem mundial baseada na soberania, na autodeterminação e nos direitos dos povos;

Construção de uma economia centrada nos povos e na sustentabilidade ;

Estruturas políticas realmente democráticas e instituições com a participação da população nas decisões e controle dos negócios e recursos públicos.

Estes pontos mostram que o objetivo é o social e nao o capital, é o ser humano e nao o lucro. Neste sentido, estamos com a Comuna de Paris que já dizia, “Estamos aqui pela humanidade”.
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(*) Jornalista do COFECON

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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