SIDNEI LIBERAL
Traduzido em cerca de vinte idiomas, o escritor bolonhês Carlo Frabetti, de 61 anos, que vive na Espanha desde os oito anos, tem mais de cinqüenta livros publicados, e diversos roteiros para TVE. Já premiado com o Jaén de Narrativa Infantil e Juvenil por seu livro O Grande Jogo, acaba de receber o prêmio O Barco a Vapor por seu livro Calvina. É membro da Academia de Ciência de Nova Iorque e da Aliança de Intelectuais Antiimperialista e preside a Associação Contra a Tortura.
Em recente entrevista a Rebelión ( http://www.rebelion.org/), disse que escreve para as crianças, hoje, visando homens e mulheres do amanhã. Ele vê nas crianças que lhe entrevistam uma salutar curiosidade sobre o ofício de escrever. Encantam-lhes, no duplo sentido do termo, as fantasias da sua leitura. Frabetti acredita que a literatura estimula a imaginação e exercita o pensamento abstrato que nos fortalece frente à avassaladora corrente que nos submete à estupidez do discurso dominante.
Em sua criação, vê complementaridade entre imaginação e lógica e, em certo sentido, também entre fantasia e ética. Ressalta: construímos outros mundos porque não estamos contentes com este. E repete o que dizia Gabriel Celaya da poesia: os livros são armas carregadas de futuro. O escritor, que faz parte da lista de honra da Comissão Católica para a Infância, atribui seu êxito ao esforço para descartar qualquer forma de doutrinação moralista ou ideológica. Prefere propor solidariedade, diálogo e respeito. Valores sobre os quais cristãos e marxistas estamos basicamente de acordo, acrescenta.
Carlo Frabetti é o autor de mais livros publicados pelo poderoso grupo Prisa. Por isso, ficou surpreso ao ser descartado pela empresa, tanto no nível midiático como editorial. A razão óbvia, segundo o autor, mesmo que ninguém lhe houvesse formalmente comunicado, foi seu apoio a Cuba e à revolução bolivariana da Venezuela, sobretudo sua denúncia das vergonhosas campanhas contra esses países orquestradas pelo grupo e escritores bajuladores sob seu soldo. A represália subtraiu sua principal fonte de vida e meio de comunicação com seu público. Ou como ele próprio diz: tornou-me quase invisível.
A situação de Frabetti nos remete ao ocorrido com o jornalista Marco Aurélio de Mello nesta sexta-feira (23): há quatro anos editor de economia do Jornal Nacional, foi demitido por seu trabalho não ser mais compatível com os objetivos da empresa, informa Carta Maior. Em outubro, ele e outros jornalistas se recusaram a subscrever o abaixo-assinado que defendia haver isenção e apartidarismo na cobertura da rede Globo das eleições presidenciais. Leia aqui matéria de Carta Maior sob o título População critica cobertura; Globo faz abaixo-assinado pra se defender.
Essas atitudes da rede Globo têm como fulcro, custe o que lhe custar, sua posição ideológica. Emblemático o episódio Franklin Martins versus Diogo Mainardi: uma cristalina opção, respectivamente, entre um jornalista sério, competente e ético de um lado. Do outro, o seu antípoda, carente dessas qualidades. Entre ética e submissão, sai Franklin fica Diogo. Na mesma trilha de Marco Aurélio, o repórter Rodrigo Vianna, doze anos de casa, foi sumariamente despedido após críticas internas à parcialidade da cobertura da Globo das mesmas eleições presidenciais. Leia aqui a matéria Repórter da Globo denuncia parcialidade na cobertura das eleições 2006 da Carta Maior.
Tudo a ver com a estratégia global, em amplo sentido, de divulgar ao distraído público apenas o que é compatível com o discurso dominante de que nos fala Carlo Frabetti. Outra especialidade da Globo é a dissimulação: fatos pontuais ou parte deles, fora do contexto, são as provas de falsas premissas. Examinemos a coluna do bloguista, revelação tucana, Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, desta segunda-feira (26): Leia aqui na integra. A coluna, sob o título Lula e oportunidades perdidas, encerra habituais e gastos conceitos oposicionistas de que o Brasil vai bem apesar de Lula e que se o Brasil vai bem é pelo contexto internacional favorável, além de outros conhecidos blablablás. Ou, à moda Miriam Leitão: poderia estar melhor.
Apesar da intenção malevolente o tucano afirma, logo de início, que a pesquisa Datafolha publicada ontem contém um elemento de caráter histórico: Lula é o presidente da República mais bem avaliado depois de três meses no Palácio do Planalto desde o retorno do país à democracia. Pesquisa favorável ao presidente Lula. Irrefutável? Sim. Indissimulável? Não. De pronto o Bom Dia Brasil encontrou uma fórmula de depreciar o resultado da pesquisa da Folha. O telespectador da Globo ficou com a impressão de que a pesquisa apresentava um decréscimo de três pontos. Contra Lula, claro.
Por essa mesma técnica, sempre no seu interesse ideológico, com validade para Veja & Cia., deixa-se de saber, por exemplo, que o comandante do Exército colombiano, Mário Montoya, ajudou milícias paramilitares a eliminar guerrilheiros marxistas, segundo um documento da CIA citado ontem (dia 25) no insuspeito "Los Angeles Times". Leia aqui a matéria na íntegra. Montoya e diversos deputados ligados ao narcotráfico integram um grupo próximo ao presidente Álvaro Uribe, principal aliado dos EUAno continente e líder do que a senadora colombiana Piedad Córdoba chama de narco-para-política.
Outro exemplo da mesma técnica: a rede RCTV, aliada da Globo na Colômbia, dedicou-se à propaganda sistemática contra o governo Chávez e apoiou sem restrições a tentativa de golpe de 2002 e a greve dos petroleiros da PDVSA. Abandonou qualquer pretensão de ser informativa e imparcial para fazer abertamente propaganda da oposição. Leia aqui matéria de Carta capital sob o título Chávez sem amarras. Pela Globo somente se fica sabendo que o governo Chávez é inimigo da liberdade de imprensa por não querer renovar concessão à RCTV, a mais popular emissora daquele país. O governo venezuelano, como qualquer outro, é soberano para renovar essas concessões e a decisão de não fazê-lo tornou-se inevitável e é legítima.
Busquemos amparo nos mundos da imaginação e da lógica, da fantasia e da ética para responder a essa estupidez do discurso dominante. São apetrechos de Carlo Frabetti para construção de outros mundos. Úteis quando não estamos contentes com este.
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