Aquecimento climático faz Suíça ficar de olho nos Alpes

Aquecimento climático faz Suíça ficar de olho nos Alpes

 

A Suíça se prepara para os inevitáveis deslizamentos de terras das montanhas dos Alpes, provocados pelo descongelamento gradativo das superfícies antes cobertas de neve e gelo durante séculos.

Por Rui Martins, de Berna, na Suíça:

[caption id="attachment_870943" align="aligncenter" width="1024"]Com o aquecimento, as geleiras derretem e provocam deslizamentos de toneladas de rochas com lama[/caption]

Sistemas de alarmes vão sendo criados, a fim de prevenirem os habitantes das povoações na rota das avalanches de lama e pedras, assim como os maquinistas e motoristas circulando nas estradas de ferro e rodovias construídas nas imediações.

Quando a pele das montanhas se descasca

Uma das evidências do aquecimento climático, desconhecida no Brasil onde não há altas montanhas, é a diminuição gradativa das geleiras. Isso está ocorrendo na cordilheira dos Andes, nos Alpes e no Himalaia. Aquela cobertura branca de neve e gelo, que tanto encanta os turistas brasileiros em viagem pelo Chile e Argentina ou por alguns países europeus, está com seus dias contados e, dentro de uns quinze anos, só aparecerá uma temporária camada fina de neve nos meses de inverno.

Grande parte das encostas das montanhas mesmo não cobertas de neve permanecia gelada durante o ano, isso há séculos. Esse solo congelado de terra, pedras e pedregulhos com o nome científico de permafrost assegura a estabilidade da superfície inclinada ou íngreme da montanha. É como se as encostas das montanhas tivessem uma pele grossa de proteção.

Entretanto, essa pele não é mais estável e, fazendo uma comparação com nosso corpo, poderíamos dizer que ela está descascando. Com o gradativo aquecimento da temperatura, o permafrost ou o solo congelado das encostas das montanhas está descongelando e, sob a ação do calor do sol, mais quente e mais intenso, e das chuvas mais insistentes vai perdendo a secular aderência às rochas e pode descascar como uma pele ou descolar.

De repente, sob a ação da água escorrida da geleira que se derrete ou da chuva de uma tempestade ou mesmo da dilatação do terreno provocada pelo calor só sol, uma placa de permafrost se descola e cede. Seu enorme peso faz ceder placas inferiores e em fração de segundos é toda a encosta da montanha que despenca numa avalanche de terra, rochedos, pedras, pedregulhos aos quais se juntam as árvores e tudo que estiver pelo caminho.

A violência é maior do que uma avalanche de neve. A espessura da placa pode ser de dez a quinze metros, equivalente a centenas de toneladas descendo a montanha com um barulho surdo. Muito pior e muito mais rápido que o deslizamento registrado em janeiro de 2011 na região de Nova Friburgo, pois além da lama há também pedras volumosas e cascalho.

Um trem descarrilhou e 3 mil pessoas em perigo

O primeiro grande deslizamento, ocorrido no verão suíço de 2006, em julho, foi provocado pela chuva torrencial de um temporal de verão nos altos da montanha a 2400 metros, depois de um dia extremamente quente. Placas de permafrost se descolaram e a torrente Durnand se tornou um escoadouro de pedras, granito, terra junto com suas águas, que se despecavam pela montanha.

Essa avalanche gigantesca arrancava árvores pelo caminho e atravessou a estrada do Grande São Bernardo, arrancando perto do lugarejo de Bovernier os trilhos do Saint-Bernard Express, provocando o descarrilhamento do trem que vinha de Martigny.

As toneladas de pedras e lama desembocaram no rio Dranse, obstruindo seu curso e criando um enorme lago, ameaçando de inundação a cidade de Martigny, de onde 3 mil moradores foram retirados para um lugar seguro.

Outra avalanche de pedras e lama ocorreu em noavembro de 2011, cobrindo de detritos a estrada de Goppenstein a Blatten no cantão do Valais.

Diante do risco permanente de novos deslizamentos, um sistema de radar ligados a alarmes nas montanhas se aciona automaticamente interditando o tráfego nas estradas e ferrovias e alertando a população vizinha.

[caption id="attachment_870945" align="alignnone" width="428"] Lama com pedras descem a montanha e bloqueiam o curso dos rios[/caption]

Menos água para o consumo e a agricultura em 2050

Jacqueline Schmid, conselheira junto ao Departamento dos Negócios Estrangeiros da Suíça prevê para dentro de 30 anos, uma redução da água proveniente das geleiras com diminuição da água necessária para a agricultura em todo planeta. Ao mesmo tempo, haverá mais água nos oceanos com o derretimento das calotas polares, tornando impossível a vida em muitas ilhas e nas regiões costeiras, tudo isso exigindo uma adaptação da humanidade.

Entretanto, esse quadro poderá ser atenuado se forem seguidas as recomendações para diminuição do combustível de origem fóssil e se os países e as pessoas adotarem comportamentos que evitem o aquecimento climático. Porém, essas recomendações não são imposições autoritárias.

Até o fim deste século, se o aquecimento - que já é um fato confirmado - permanecer no mesmo nível e não se agravar, haverá ainda geleiras no alto dos Alpes e das altas cordilheiras em outras partes do mundo, porém em quantidade bem menor, devendo a população e o governo adotar medidas de aproveitamento e utilização da água das chuvas para o consumo e a agricultura.

Texto e fotos de Rui Martins, em Berna, na Suíça

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey