Paul Krugman: Nos EUA em crise, a reforma da saúde se torna real

 

Parlamentares em sessão no Congresso dos EUA. (US House of Representatives)

Neste momento, a crise de governo dos Estados Unidos tomou vida própria. Alguns republicanos estão dizendo abertamente que querem concessões em troca da reabertura do governo e evitar a inadimplência, não porque têm qualquer objetivo político específico em mente, mas simplesmente porque não querem sentir-se "desrespeitados". E não há um fim de jogo à vista.

 

Por Paul Krugman*, no The New York Times

Porém, essa confrontação começou com uma questão real: os esforços republicanos para impedir que a [reforma da saúde] "Obamacare" seja efetivada. Há muito tempo está claro que o temor do Partido Republicano não era que a reforma da saúde fracassasse, mas que fosse bem-sucedida. E os desenvolvimentos, desde terça-feira (1º), quando abriu o programa para os indivíduos que comprarão seguro de saúde, sugerem firmemente que seus piores temores serão mesmo realizados: a coisa vai funcionar.

Espere um momento, dirão alguns leitores. Muitas histórias, até agora, não têm sido sobre as falhas nos computadores, pessoas confrontando as telas que lhes dizem que os servidores estão sobrecarregados e que deveriam tentar novamente mais tarde? De fato, sim. Mas todos os conhecedores do processo sempre esperaram alguns problemas de dentição, e a natureza dos problemas dessas semana tem realmente sido muito encorajadora para os apoiadores do programa.

Primeiro, deixem-me dizer uma palavra sobre a irrelevância subjacente de problemas iniciais dos programas governamentais.

Reportagens políticas sobre os Estados Unidos, especialmente, mas não apenas, na televisão, tendem a ser centradas em jogada por jogada. Quem ganhou o ciclo noticioso de hoje? E, para sermos justos, este tipo de coisa pode importar nos dias finais de uma eleição.

Mas a [reforma da saúde] Obamacare não está posta para um referendo popular, ou para qualquer nova votação. É a lei, e entrará em vigor. Seu futuro dependerá de como ela funcionará nos próximos anos, não nas próximas semanas.

Para ilustrar este ponto, considere a Parte D do Medicare [sistema de seguro de saúde gerido pelo governo], o benefício dos remédios, que entrou em vigor em 2006. Ela teve o que foi amplamente considerado um começo desastroso, com idosos confusos sobre os seus benefícios, farmácias frequentemente recusando-se a cumprir requisições válidas, problemas informáticos, e mais. No fim, entretanto, o programa entregou benefícios duradouros, para o desgosto de qualquer político que propunha a sua recolha.

Então, as falhas técnicas de outubro não importarão a longo prazo. Mas, por que são até encorajadoras? Porque parecem ser, majoritariamente, o resultado de um grande volume de tráfico, muito mais pesado do que o esperado. E isso significa que uma grande preocupação dos apoiadores da Obamacare (que não haveria gente o suficiente que estivesse ciente do programa e, assim, muitos estadunidenses elegíveis não se inscreveriam) está desvanecendo rapidamente.

Claro, é importante que as pessoas que queiram se inscrever façam isso realmente. Mas os problemas informáticos podem e serão consertados. Então, por volta de 31 de março, quando a inscrição para o ano de 2014 fecha, poderemos estar razoavelmente certos de que milhões de estadunidenses que estavam antes sem um seguro terão cobertura sob o Ato de Cuidados Acessíveis. A reforma terá se tornado uma realidade, algo de que as pessoas dependerão, ao invés de alguma noção confusa que os republicanos possam demonizar. E será muito difícil de se retirar essa cobertura.

O que ainda não sabemos, e é crucial para o sucesso a longo prazo do programa, é quem se inscreverá. Haverá suficientes jovens saudáveis inscritos para prover um conjunto favorável de risco, para manter os preços relativamente baixos?

Tenhamos em mente que os grupos conservadores têm gastado bastante (e feito alguns anúncios comerciais bastante assustadores) no esforço para dissuadir pessoas jovens de inscreverem-se no seguro. Ainda assim, as seguradoras estão apostando na possibilidade de que os jovens o farão, como mostrado pelos preços inesperadamente baixos ofertados para o próximo ano.

E as seguradoras estão provavelmente certas. Para o motivo pelo qual as mensagens contra a reforma provavelmente fracassarão, pensemos sobre quem estamos falando. Isto é, quem são os indivíduos saudáveis e sem seguros que o programa precisa alcançar? Bem, eles são, majoritariamente, os menos ricos, porque pessoas jovens e ricas tendem a conseguir trabalhos com cobertura de saúde. Além disso, também são desproporcionalmente não brancos.

Em outras palavras, para termos uma descrição da pessoa típica que o programa precisa incluir, é só termos uma descrição típica de um membro do Tea Party [do lobby conservador] ou de um telespectador da Fox News (mais velho, classe média alta, branco) e colocar um "não" na frente a cada característica.

Essas são as pessoas para a qual a máquina de mensagens da direita foi programada, mas que podem ser alcançadas por muitos dos mesmos canais, desde anúncios na mídia de língua espanhola até tweets de celebridades, que se mostraram eleitores de Obama no ano passado. Preciso admitir, acho bastante atrativa a imagem dos conservadores radicais derrotados por um exército de celebridades que tuitam; mas também é realista. A inscrição no programa provavelmente será satisfatória.

Assim, a reforma começa bem, até com a má notícia sendo, na verdade, boa notícia para o futuro do programa. Não estamos lá, ainda, mas cada vez mais, parece que uma reforma da saúde está aqui para ficar.

*Paul Krugman é um economista renomado mundialmente e colunista do The New York Times desde 2000.

 

** Título original: A reforma se torna real ("Reform turns real")

Fonte: The New York Times

Tradução de Moara Crivelente, da Redação do Vermelho

http://www.iranews.com.br/noticia/10914/paul-krugman-nos-eua-em-crise-a-reforma-da-saude-se-torna-real

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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