Avanços tecnológicos e os perigos da energia nuclear

Heitor Scalambrini Costa*

Merece destaque e a nossa máxima atenção a ocorrência sucessiva e cada vez mais freqüente de desastres ambientais provocados pelas atividades humanas. Levando-nos a uma desconfiança necessária que temos de ter perante as afirmações que nos fazem como sendo credíveis e infalíveis processos e tecnologias existentes.

O exemplo mais contundente é o desastre provocado pela explosão e afundamento da plataforma Deepwater Horizon de exploração petrolífera da British Petroleum (BP) acontecida no dia 20 de abril último, e que dia após dia tem atingindo proporções catastróficas. Os números são bastante controversos, todavia o derrame de petróleo pode ter alcançado entre 1 milhão de barris a valores superiores a 170 milhões de barris. É, de fato, uma tragédia ambiental de proporções gigantescas, e que também começou por ser uma tragédia humana, com a morte de 11 trabalhadores quando da explosão da plataforma. Sem dúvida esta tragédia se transformou num dos piores desastres ambientais da humanidade.

O exemplo recente desta tragédia do Golfo do México, permitiu um conhecimento valioso para a discussão de um outro tema onde a argumentação se repete: a energia nuclear. Dizem-nos alguns que os avanços tecnológicos já retiraram os perigos desta fonte de produção de energia, chegando mesmo a afirmarem que o risco é zero ou praticamente inexistente. Mas, como percebemos, é conversa para se desconfiar, pois tentam defender algo indefensável. Mesmo sem termos de recorrer aos argumentos do alto custo da energia nuclear, da incapacidade de tratamento dos resíduos produzidos (o chamado “lixo nuclear”) e das emissões de gases de efeito estufa durante o ciclo de produção (desde a mineração do urânio, o transporte, o enriquecimento, a posterior desmontagem da central e o processamento e confinamento dos rejeitos radioativos); a discussão passa hoje pelos exemplos que vamos tendo. Este desastroso acidente com derramamento de petróleo mostrou-nos de que o desenvolvimento científico e tecnológico nas diversas áreas não é infalível e, por outro, mostrou a enorme fragilidade humana perante a força da natureza. A pergunta então, que não quer calar, diz respeito aos limites que devem ser respeitados no desenvolvimento de tecnologias que implicam riscos muito graves.


Atualmente verifica-se que são feitas afirmativas peremptórias de que as usinas nucleares apresentam alto grau de excelência tecnológica, como principal fator de garantia da segurança e o aumento da confiabilidade. Há uma tentativa de tranqüilizar as pessoas, afirmando que a evolução tecnológica dos últimos 30 anos levou as usinas nucleares a se modernizarem e serem praticamente imunes em relação a acidentes. São citadas nos discursos “de perigo zero” as novas usinas que já estão em operação, às chamadas de 4ª geração que utiliza o conceito de “falha para a segurança”. Nestas usinas, afirmam que quando ocorrem falhas de operação, estas são corrigidas, levando a uma condição mais segura do que a anterior, ou seja, a correção das falhas se dá automaticamente, sem requerer necessariamente a intervenção dos operadores. Como se isto bastasse e fosse suficiente para impedir acidentes. É só verificar e comparar, que mesmo com os enormes avanços tecnológicos da indústria aeronáutica, acidentes ocorrem, como foi o caso do Airbus 330-200 da Air France/AF 477, pérola da indústria aeronáutica no que diz respeito à automatização e segurança.

Sem dúvida a segurança das usinas nucleares teve avanços importantes, mas, seu relativo controle é suscetível a fatores humanos. Não podemos apagar dos arquivos da memória, acidentes nucleares ocorridos nos últimos anos.

O acidente nuclear de Chernobyl, no dia 26 de abril de 1986, é simbólico. Um dos reatores da usina sofreu uma explosão de vapor, causando um incêndio. Diversas explosões se sucederam e acabou ocorrendo o derretimento do núcleo do reator. Foi produzida uma nuvem de radioatividade que atingiu a União Soviética, Europa Oriental, Escandinávia e parte do Reino Unido. A contaminação foi 400 vezes maior que a da bomba de Hiroshima. Milhares de pessoas morreram ou ficaram gravemente doentes após o vazamento e mais de duzentas mil pessoas foram evacuadas de suas casas. Como a contaminação ainda causará o câncer em muitas pessoas é difícil estimar o número de mortos, em consequência do acidente. Acredita-se que 4 mil pessoas morrerão de doenças relacionadas. Ao todo 47 trabalhadores morreram no acidente e 9 crianças tiveram câncer de tireóide.

Com relação ao pior acidente nuclear da história, alguns chegam a afirmar que Chernobyl foi mais um acidente da antiga União Soviética do que propriamente um acidente nuclear. É um sofisma daqueles que defendem o uso da energia nuclear para produzir energia elétrica. Alegam que o modelo de usina de Chernobyl tinha padrões de segurança inferiores aos das usinas ocidentais, e que os planos de emergência existentes hoje são cada vez mais eficientes e eliminam perigos da dimensão de Chernobyl.

O que devemos levar em conta é o que dizem os especialistas, que não negam que haja perigo nas usinas núcleoelétricas; e não os defensores da tecnologia nuclear que dizem que com as melhorias introduzidas no projeto das usinas e os avanços tecnológicos obtidos, aliados com o aperfeiçoamento do treinamento dos operadores, praticamente garantem que a hipótese de acidentes pode ser excluída do ponto de vista prático. Menosprezam a hipótese de acidentes utilizando números provenientes de análises probabilísticas de segurança, e assim comparam como de mesma magnitude, as probabilidades de ocorrer uma grande liberação de material radioativo numa usina nuclear, com a probabilidade de um cometa atingir a Terra.


Não podemos acreditar naqueles que nos dizem que a tecnologia nuclear amadureceu e é infalível, porque percebemos que esse argumento é simplesmente utilizado por mero recurso retórico, tentando assim esconder os reais perigos. É inaceitável sequer considerar os dados estatísticos que indicam que é mínimo o risco, pois mínima também era a possibilidade da existência da explosão na plataforma da BP, ou a erupção do vulcão islandês, ou os sismos que conhecemos. Mas, a verdade é que esses problemas aconteceram com um preço muito alto a pagar por eles.

A arbitrariedade com que estão ocorrendo acontecimentos “naturais”, com uma frequência crescente, mostra bem como não podemos permitir quaisquer risco ligado com as usinas nucleares, simplesmente pela grande catástrofe, econômica, ambiental e social que tais possíveis acidentes ocorrendo, pode legar a toda humanidade. Daí é preciso repetir que o Brasil não precisa de usinas nucleares.

* Professor Associado da Universidade Federal de Pernambuco

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey