Amazônia: exploração colonial no séc. 21

Construir o Programa Nacional para uma Amazônia Socialista e Livre

A região amazônica nunca foi objeto de atenção e reflexão programática adequada por parte da esquerda socialista brasileira e mesmo pela comunidade científica. Isto, apesar da região ser a última grande fronteira mundial estratégica ainda não totalmente incorporada pelo capitalismo. Por outro lado, ou por causa disso, a Amazônia sempre foi tema importante para a inteligência militar e interesses imperialistas estratégicos no Brasil. Isto talvez tenha gerado o fato da região ser tema preferencial da extrema direita brasileira. Além do contraponto a esta política ser feito inadequadamente: pela socialdemocracia.

A Amazônia, com 25 milhões de habitantes (IBGE, 2007) e nove estados, é uma região de duplo interesse estratégico para o imperialismo. Primeiro, pela magnitude financeira dos recursos (minerais, hídricos, biogenéticos) e, depois, pela importância da região para o equilíbrio climático global, diante do desastre provocado pela crise ambiental. Hoje, o crash ambiental uniu-se ao grande crash econômico, em dupla relação de causa e efeito.

O colapso ambiental global (onde a Amazônia é uma atriz principal) é um fator adicional à grande Crise Econômica atual, tornando-a pior que a Crise de 29, devido também ao risco à própria existência no Planeta. A combinação de vários desses fatores, pode ter dado origem a um novo período histórico mundial (ROBAINA; Um giro histórico na situação mundial / 2009). Esta conjuntura reforça a necessidade de reflexão sobre aspectos estruturais da relação dos grupos humanos que interferem na Amazônia e sua contextualização histórica.

O território das Américas e da Amazônia começou a ser habitado por humanos há mais de 10 mil anos - provavelmente no Pleistoceno. Porém, a História escrita pela metodologia científica do colonizador europeu, convencionalmente, trata e considera apenas os últimos 5 mil anos - seu "mundo" é centrado na sua própria compreensão da escrita e da linguagem, a partir do seu território e cultura (COOK; Uma Breve História do Homem/ 2003).

É importante ressaltar ainda alguns elementos: o hominídio fabrica ferramentas de trabalho há 2 milhões de anos; o comportamento humano moderno surgiu há cerca de 50 mil anos; há 20 mil anos o homem produz arte sofisticada; a agricultura começou a ser desenvolvida há 10 mil anos e; existe quase consenso arqueológico que a raça humana teve origem na África.

Portanto, uma História européia de 5 mil anos não nos basta. Deixa lacunas humanas que são aproveitadas em processos de dominação de classes e tem sido origem inconsciente de preconceitos contra colonizados (africanos, latino-americanos, nordestinos, amazônidas, indígenas). Isto ocorre na Amazônia de maneira especialmente perigosa, política e economicamente, pois a região guarda o maior estoque biogenético-hídrico-florestal associado a culturas complexas no mundo.

Consideradas as evidentes dificuldades cientificas de análise das origens do Homem e sua relação com o território, estes são apenas aspectos gerais e importantes para iniciar a compreensão da dinâmica humana (socioeconômica e político-cultural) em curso na Amazônia hoje, a última fronteira mundial possível e a mais atrasada no processo de incorporação de regiões no mundo, como o Oriente da Europa ou a China.

Apesar de fundar-se na epistemologia européia, o pensamento marxista contrapõe esta História Idealista ocidental à História dialética da Civilização (MARX; Contribuição à Critica da Economia Política/ 1859), que iniciou a construção e deu nome à nova epistemologia - referência essencial em construção há cerca de 150 anos.

O recorte histórico europeu (imperialista) é utilizado pelos currículos escolares e adotado pelo modo de produção dominante para "dirigir" o Planeta. Justificou os crimes na África, Ásia e nas Américas. Hoje, ajuda a explicar a I e II Guerras Mundiais, as tropas no Oriente Médio e, também, o fato de 70% das pesquisas científicas sobre Amazônia serem realizadas por europeus e norte-americanos e apenas 9% por pesquisadores da Amazônia (ABC - Academia Brasileira de Ciências/ 2009).

A compreensão de mundo adotada na Globalização do século 21 está ligada à lógica do Descobrimento do século 15, com velhos e novos métodos - no Iraque são os velhos, na Amazônia os novos. É o raciocínio de apropriação dos recursos da biodiversidade amazônica a custo da aniquilação cultural e ambiental. A (enorme) riqueza está associada à cultura e ao ambiente. A forma capitalista de exploração desconsidera as complexas cadeias culturais humanas existentes e as relações de produção com o território, existentes ao menos há 10 mil anos. É justamente o período de surgimento da agricultura e de provável começo da experiência do homem com os recursos da floresta amazônica.

Em 2007, a mineradora Vale comemorou 40 anos ininterruptos de exploração da Mina de Carajás, maior Província Mineral do Planeta Terra. Naquele momento, divulgou a marca alcançada de 1 bilhão de toneladas de minérios de ferro extraídos do coração da Floresta Nacional de Carajás, sul do estado do Pará. É o maior, mais importante e mais desenvolvido enclave econômico imperialista na região, com faturamento anual de R$ 72 bilhões. Nos últimos 10 anos, seu capital multiplicou por 15 e a taxa de lucro estimada da companhia é de 68% (Repórter Brasil/ 2009).

Na ocasião dos 40 anos, o presidente mundial da corporação, Roger Agnelli, negou um pedido de esmolas feito pela governadora do Pará: o patrocínio da Vale à Clube do Remo e Paissandu, tradicionais clubes de futebol da Amazônia, ambos entre a 13a e 16 a maiores torcidas do Brasil (DATAFOLHA/ 2008; IBOPE/ 2004), atualmente na 4a Divisão do Brasileiro. Teve que negar, pois a Vale havia decidido promover seu próprio time à 1a Divisão do nacional - chamado de Ipatinga, mesmo nome de sua cidadezinha de origem, no interior mineiro. Trata-se de uma parca ilustração da arrogância colonial histórica em curso na Amazônia.

Esta visão colonizadora, que reduz e anula o colonizado e sua experiência, reproduz-se nos atuais erros antropológicos de compreensão da realidade da Amazônia pela comunidade cientifica, pela tecnocracia do Poder Público e pela inteligência do Centro-Sul brasileiro, que assume o papel de colonizador interno (outros exemplos vivos são Transamazônica (PA) e os Estados de Rondônia, Acre e Roraima). A sorte estratégica da Amazônia depende do humor do imperialismo e de suas necessidades. Mas é certo que a sorte da Amazônia seria outra se o Brasil tivesse outro humor com ela.

A desigualdade regional é brutal. Uma única universidade pública paulista (USP - a principal do país, é certo) possui cerca de 7 mil doutores, enquanto as 10 universidades federais da Amazônia juntas possuem em torno de 3 mil doutores (SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/ 2008), para estudar a maior biodiversidade do Planeta. O numero de doutores de universidades européias e norte-americanas que atuam na Amazônia é possivelmente bem maior que esta soma, considerado os dados acima da ABC e SBPC.

As linhas gerais de pesquisa cientifica dos estrangeiros, preferencialmente, enquadram-se em dois campos: relacionam a biodiversidade amazônica (minérios, plantas, peixes, insetos, animais e seus microorganismos) com as milionárias pesquisas genéticas, químicas e outras dos mega-laboratórios transnacionais e; por outro lado, estudam profundamente as relações antropológicas e a dinâmica socioeconômica endógena, relacionando cultura, organização social, método e saber tradicional com os recursos naturais detentores de maiores potenciais de produção de riqueza e agregação de valor de troca.

O Brasil não faz nada sequer parecido com isso. Não existe potencial desta dimensão em lugar nenhum fora da Amazônia. Aliás, neste mundo não há outro território que seja capaz de oferecer condições para o desenvolvimento de cadeias de poderosas indústrias químicas, farmacêuticas e pesquisas genéticas biolaboratoriais avançadas, associadas ao controle social das populações tradicionais, proprietária dos recursos e detentora de conhecimento milenar das técnicas de utilização. No mundo, não existe outra possibilidade de associar poder tecnológico com poder popular tradicional e controle da riqueza. O que vem sendo feito no Iraque é parecido com o que vem sendo feito na Amazônia, com outros métodos, silenciosos.

Para ilustrar as conseqüências objetivas disso, basta lembrar do chamado "perfume das estrelas" (Chanel n° 5), cujo marketing é a modelo Gisele Bündchen. O componente principal do perfume francês é a essência do Pau-Rosa (árvore amazônica de grande porte), extraída somente com orientação do índio ou do caboclo conhecedor da técnica tradicional de manejo, que permite colher o melhor óleo sem matar a árvore. Vem ocorrendo mortes de árvores em larga escala devido extração inadequada, provocada pela pressão (R$) da mega corporação francesa Chanel pelo "óleo das estrelas" sobre os caboclos pobres.

Ler mais:

http://www.socialismo.org.br/portal/ecologia/95-artigo/985-amazonia-exploracao-colonial-no-sec-21

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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