EUA esquizofrênicos e em colapso, contra a Rússia

EUA esquizofrênicos e em colapso, contra a Rússia  

20/10/2020, Patrick Armstrong, Strategic Culture Foundation

 

Estou em dívida com Bryan MacDonald por essa interessante neologia: russofrenia - síndrome do espectro da esquizofrenia, que leva o doente a crer que a Rússia esteja, ao mesmo tempo, à beira do colapso e a um passo de dominar o mundo. "Russofrenia" é a esquizofrenia que acomete os EUA, para assuntos russos.

Um primeiro exemplo vem de 1992, quando o então ministro da Defesa da Lituânia declarou que a Rússia seria país "com futuro duvidoso". No mesmo parágrafo, disse também que "em cerca de dois anos, a Rússia será grave perigo para a Europa" (Foreign Broadcast Information Service (FBIS), 22/5/92, p 69). Futuro duvidoso, mas perigo gravíssimo.

Dado o futuro demográfico duvidoso da própria Lituânia, foi até engraçado, porque a Lituânia viria a parecer, mais, uma ilha de asilos para idosos cercados de florestas por todos os lados. Mas o ministro lituano disse o que disse em tempos de carga total a favor do culto OTAN/UE. E em 2014, o então presidente Obama, dos EUA, imortalizou a mesma arapuca conceitual, numa entrevista :


"Mas realmente penso que temos de manter a perspectiva. A Rússia está paralisada. Imigrantes não acorrem a Moscou em busca de oportunidade. A expectativa de vida do homem russo está em cerca de 60 anos. A população está encolhendo. Assim, temos de responder com firmeza aos desafios regionais que a Rússia impõe."


Tudo errado, do começo ao fim: mas conseguiu demonstrar o quanto estava sendo mal informado.

Rússia, Rússia sempre fracasso e só fracasso: fracassaria em 1992, estaria acabada em 2001, fracassada em 2006, fracassada  em 2008, fracassando  em 2010, fracassada em 2015. Na Rússia, tudo fracassaria, a começar pela economia, além de o país estar isolado, só ter armas antiquadas, total instabilidade, nada além de um posto de gasolina fantasiado de país, condenado a fracassar na Síria e em 2020 está perdendo influência  na própria região.

País com PIB comparável ao da Austrália, a Rússia não poderia ser superpotência, não poderia combater guerra prolongada na Síria nem enfrentar lutas na Ucrânia, e mesmo assim desenvolver seu próprio jato stealth de combate e outros equipamentos que rivalizam com equipamento dos EUA.

Em 2016, em previsão quanto ao futuro do mundo em 2025, Stratfor garantia que dificilmente a Federação Russa sobreviveria na forma que então tinha.

Putin, tampouco teria futuro entusiasmante. Não passaria de ditadorzinho com dinheiro na Suíça, em 2000; de um Tenente Kije  em 2001; de um neoBrezhnev em 2003; da maior crise de sua história em dezembro de 2011; e estaria sob grave ameaça e perdendo potência de alavancagem em janeiro de 2015; fraco e apavorado em julho de 2015; superdiluindo seu alcance em maio de 2016; perdendo o próprio brilho em junho de 2017; perdendo a 'pegada' em outubro de 2018; perdendo confiabilidade  em junho 2019; perdendo o controle em setembro 2019; seu castelo de cartas começava a ruir. E em agosto de 2019 Putin seria símbolo da humilhação pela qual a Rússia estaria passando. Em janeiro de 2020, a vida política de Putin estaria a um passo do fim; mais e mais crises e, afinal, em abril, estaria a um dia de ser derrubado pelo coronavírus; em maio outra grande crise; estaria perdendo apoio popular em junho; tentando escapar de armadilhas em agosto; acuado e isolado, mais uma crise 'a mais grave de todas' em outubro. Não duraria muito.

A economia russa tampouco escaparia: menor que a economia da Espanha ou da Califórnia em 2014; em cacos e já em lento e continuado declínio em 2015; surpreendentemente encolhida em 2017; do tamanho das economias de Bélgica e Holanda somadas e menor que a economia do Texas em 2018; com problemas pela frente em 2019. Em 2020, baixo preço da energia "é o calcanhar de Aquiles da Rússia". E nunca acaba: realmente fraca em 2006; com três principais problemas em 2013; a Rússia continuaria fraca. E Putin estaria ainda mais fraco em 2015. Em 2018, ninguém temeria a Rússia, já marginalizada por ser fraca, com população que envelhece e encolhe rapidamente.

Continua fraca em 2019. Até que em 2020 Paul Gregory informa que a Rússia é fraca... mas tem bomba atômica.

Ocasionalmente - muito ocasionalmente -alguém mais esperto surpreende-se: "Como uma Rússia tão fraca conseguiu voltar a ser grande potência?" [orig. How Did A Weak Rússia Ever Become A Great Power Again?] Ou pergunta-se por que, com menos dinheiro que o Canadá e população menor que a da Nigéria, a Rússia hoje "domina o mundo"? A explicação é fácil: gastaram muito dinheiro em armas, ou, então, a situação é passageira.

Na emergente era pós-Guerra Fria, a Rússia, não importava o quanto estivesse pobre em muitas áreas chaves, podia ser país #2 no mundo, ainda por muitos anos. Só quando a China emergisse, nos próximos 20 anos, ou um presidente de outro tipo surgisse nos EUA, essa situação poderia mudar. Até lá, Vladimir Putin poderia continuar a jogar seus jogos exatamente como deseje.

Claro que todos esses que tanto duvidam assumem que a taxa de câmbio do rublo seria medida fidedigna para avaliar a economia da Rússia; o que é ideia muito idiota.

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Mas ao mesmo tempo, a Rússia é ameaça existencial, enorme, muito perigosa e operando com enorme efetividade em todas as dimensões.

Já muito diferente de ter só as tais forças militares que talvez parecessem fracas em 2015, em 2018 a Rússia já desenvolvia a mais poderosa arma nuclear do mundo e em guerras futuras os EUA não teriam como esconder-se.

Em janeiro de 2019, somos informados de que Rússia e China estão construindo bombas Super-EMP para 'Guerra de Blecaute' [ing. Blackout Warfare]. A Rússia impôs 'zonas de efetiva exclusão, aéreas e em solo, e conta com capacidades de Guerra Eletrônica, pode-se dizer emocionantes; tem os submarinos "Buraco Negro", praticamente indetectáveis; está uma geração à frente do Ocidente em tanques, tem um invencível míssil anti-porta-aviões e defesa aérea devastadora. Está trabalhando numa nova arma, um novo míssil que ameaça a pátria dos norte-americanos.

O general Breedlove, ex-comandante supremo da OTAN que muito cutucou o urso, aparece com exemplo realmente impressionante: agora, tem medo de que uma guerra "deixe a Europa desprotegida, sem acesso a reforços e à mercê da Federação Russa". O "exército britânico seria varrido numa tarde, a OTAN seria rapidamente derrotada nos Bálcãs - a OTAN pode dar-se por derrotada. A ameaça russa é algo jamais visto desde os anos 1990s. O que mais gera preocupação é que a reação da OTAN continua a ser inferior à necessária.

Putin seria então o homem mais poderoso do mundo e, associando-se à China, poderia rapidamente tornar-se mais poderoso que os EUA em 2018. E em 2019 teria a seu favor o formidável poder militar russo e as poderosas políticas econômicas. E ninguém esqueça a principal ameaça que vem com a Rússia: a capacidade para hackear o mundo e infectar o planeta com vírus e programas mortais. Para 'aferir' o dano que teriam causado em eleições no ocidente... bastaria analisar... as eleições de 2016 nos EUA; a votação do Brexit; eleições no Canadá; na França; na União Europeia; na Alemanha; na Catalunha; na Holanda; na Suécia; na Itália; na UE em particular e na Europa em geral; no México. A lista de Newsweek é longa. E também iniciada muito tempo antes de haver Putin: "Cem anos de interferência russa em eleições" [ing. 100 years of Russian electoral interference].

Como ator capaz de influenciar clandestinamente, distribuindo desinformação e notícias forjadas, a Rússia seria a primeira e mais grave ameaça que pesa sobre eleições nos EUA.

Putin já foi 'denunciado' como ameaça contra a Ordem Internacional Legal e Legítima em fevereiro/2007,  maio/2014, janeiro/2017, fevereiro/2018, maio/2018, junho/2019 e muitos meses antes disso, ou a partir daí.

Ao longo de 20 anos, Vladimir Putin jamais se teria preocupado com esconder o desprezo que sente pela democracia à moda ocidental e a lei ocidental em geral. O envenenamento de Alexey Navalny, como parte de ataque que teria sido apoiado pela Rússia, a líderes da oposição na Bielorrússia, indicaria até que ponto Putin e seus asseclas estariam dispostos a ir para silenciar os inimigos e perpetuar-se no poder.


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Assim, por um lado a Rússia seria país decadente, com economia miserável, forças militares superestimadas e comandadas por líder que sempre está ameaçado por terríveis catástrofes domésticas. Quanto a isso, não há por que se preocupar: a Rússia seria país fraco hoje, com futuro incerto. Mas ao mesmo tempo, Rússia é país de forças militares extraordinariamente poderosíssimas, economia que faz não se sabe o quê, mas consegue manter-se eternamente jovem, o mesmo milagre que permite que o ditador perene que lá vive também sempre vença todos os inimigos, sempre. O poder da propaganda russa é imenso e invencível; e é o fator determinante que explica a necessidade de o mundo agir... É a russofrenia!

"Russofrenia" é a esquizofrenia que acomete os EUA, para assuntos da Rússia.

Então, sem mais nem menos, de repente, a pandemia de COVID-19 ofereceria aos russos malvados mais uma oportunidade para enganar o desamparado Ocidente e para, outra vez, enganarem a preciosa Ordem Internacional Baseada na Lei. Só não se entende como. Digam-me se é possível decifrar tamanha incoerência:


"O Ocidente tem muito com que se preocupar, quando a epidemia tiver passado. Não porque a Rússia seja grave ameaça de longo prazo aos nossos interesses; de fato não é, embora Putin preferisse que acreditássemos que aquele seu império murcho fosse perigosíssimo. Mas porque a Rússia não é o único estado autoritário que busca extrair lições da atual crise, para usá-las em conflito futuro.

O Golpe da Vacina Russa que especialistas temem que seja perigosa, está sendo promovido com ataques à vacina de Oxford que a Rússia tentou roubar."


Russos, russos, russos por todos os lados!

Norte-americanos russofrênicos não se deixam afetar pela realidade. Sucesso russo? Desistam da maledicência. Tentem explicar pelo talento, pela competência.

Militares russos são formados e treinados para defender o país, não para imperar sobre o mundo: é objetivo muito mais viável e menos caro. A economia russa - graças as sanções ocidentais - fez da Rússia a hoje provavelmente única autarquia em todo o mundo.

Interferência em eleições é falsidade, é mentira inventada para causar dano a Trump e tirar de foco Mrs. Clinton, já acobertada pelos fantoches de Washington. Provas? E quem liga para reles provas?! Como explica o autor dessa coluna na revista New Yorker:


"Claro que houve operações guiadas de fora do governo, mas exagerar a importância e a potência delas acaba por comprometer a ideia de protesto genuíno, de baixo para cima - de um modo que, ironicamente, é irmão gêmeo da visão conspiracional de mundo, de Putin."


Ou como o Washington Post anotou, em parágrafo inesquecível:


"Especialmente esperto é plantar histórias de operações de longo alcance para influenciar [resultados eleitorais] que, ou nem existem ou, se existem, estão tendo pequeno impacto."


Scott Adams compreende perfeitamente o processo: Ausência de provas é prova.

Quadrinho 1: "Temos uma matéria bomba sobre Joe e Hunter Biden, mas, por favor, deem-me um minuto para acabar de putinizá-la."
Quadrinho 2: Processando... OK. Entendi.
Quadrinho 3: Sabemos que Putin está por trás desse esquema, porque não há pistas. Não deixar pistas é a caaaaara de Putin.


Loucura? Pois ainda há mais a caminho. Tudo seria até engraçado se não passasse de ressentimento de paizeco atrasado [ing. Ruritania ranting], no Ducado de Strackenz. Mas não é. É a voz do país que mantém o exército mais destrutivo do mundo, recordista provado de matanças ad libitum e que já naufraga na própria insanidade. O que não é boa notícia para ninguém.*******

Foto: By Andrea Hanks - The White House from Washington, DC - https://www.flickr.com/photos/whitehouse/48622981642/, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=81629253

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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