As relações russo-iranianas

Considera-se a Rússia como "a grande aliada" do regime iraniano, o país que fornece armas e tecnologias nucleares a Teerã.

A imprensa ocidental nunca faz nenhuma distinção entre o reator de Busher, contruído pela Rússia, e o programa nuclear iraniano que talvez tenha intenções militares, e assim sugere que são os russos quem fornecem tecnologia para armas nucleares. E considera-se como certo que a Rússia vende armamentos para o Irã. Nada disso, porém, corresponde à realidade. As relações russo-iranianas, embora muito boas e próximas, estão longe de serem uma aliança. E a Rússia nunca forneceu tecnologia ou equipamentos que pudessem servir para o Irã construir armas nucleares.

O Irã é sem dúvida um fator de inestabilidade ao Oriente Médio: os Estados Unidos desperdiçaram a chance de melhorar suas relações na década de 90, quando o Irã tinha um presidente moderado (Khatami), agora tem um presidente mais duro (Ahmadinejad) que não perde a oportunidade de ameaçar Israel e apóia movimentos terroristas no Líbano e na Palestina. E apesar dos grandes esforços de muitos países, ainda não está completamente garantido que o Irã não pretende fabricar armas nucleares.

Apesar de tudo, o Irã está longe de ser uma grande potência militar, e é um país que gasta muito menos com armamentos que outros da região (pouco mais de 1% do PIB, contra 9,4% do PIB em Israel e 10% na Arábia Saudita). Até hoje, a maioria dos armamentos iranianos são de origem estadunidense, adquiridos antes da Revolução Islâmica de 1979, quando o Irã ainda era um dos melhores aliados de Washington. O Irã possui alguns aviões de origem russa, mas que não foram comprados da Rússia, e sim recebidos do Iraque em 1991, quando da primeira Guerra do Golfo: para evitar que fosse totalmente destruída, o então líder iraquiano Saddam Hussein mandou parte de sua força aérea a seu vizinho (e antigo inimigo), que não devolveu muitos desses aviões.

A imprensa dos EUA, Israel e alguns países da Europa, porém, alega que o Irã adquiriu da Rússia sofisticados caças Su-27 e MiG-31, e está modernizando seus bombardeiros Su-24 herdados do Iraque. Este até foi o suposto motivo para um breve embargo estadunidense contra as empresas Sukhoi (fabricante do caça Su-27 e do bombardeiro Su-24) e Rosoboronexport (firma estatal responsável pela exportação de armas), embargo que foi levantado em poucos meses. A única arma que a Rússia forneceu ao Irã recentemente é o sistema de defesa anti-aérea Tor-M, que não serve para atacar ninguém, não ameaça nenhum país, e tem alcance limitado a apenas 40 km.

Quanto ao programa nuclear, a Rússia participa apenas da contrução de um reator nuclear para geração de eletricidade, em Bushehr. O uso deste reator é supervisado tanto pela Rússia quanto pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), para impedir que seja usado na produção de materiais radioativos para armas. O combustível nuclear vendido pela Rússia não é suficientemente puro para que possa ser utilizado na fabricação de armas atômicas, e portanto é perfeitamente legítimo de acordo a todas as leis internacionais sobre uso da energia atômica para usos pacíficos e não-proliferação de armas nucleares. Uma vez usado, todo o combustível nuclear retorna à Rússia, para que o Irã não possa reciclá-lo e utilizá-lo com outros fins.

Como afirmou o ministro da defesa russo, Sergei Ivanov, a suspeita sobre o programa nuclear iraniano não está em Bushehr, mas nos centros de Arak e Natanz: o primeiro é um reator de água pesada em construção, e o segundo uma usina de enriquecimento de combustível nuclear que, segundo a AIEA, tem 160 centrífugas em operação e outras 100 em construção.

Um dos elementos mais importantes na produção de armas nucleares é o enriquecimento do combustível: estas armas necessitam urânio e plutônio muito concentrados e puros, que não existem na natureza e só podem ser obtidos através de equipamentos caros e sofisticados, em geral centrífugas de alta rotação. Os poucos países que dominam esta tecnologia procuram de todos modos impedir que outros tenham acesso a ela. Como o Irã conseguiu adquiri-la? Não através da Rússia, mas sim de um dos aliados dos EUA: o Paquistão. Que por sua vez, as adquiriu da Urenco, um consórcio formado por Reino Unido, Holanda e Alemanha.

Em 1972, um jovem engenheiro paquistanês, Abdul Qadeer Khan, foi à Holanda trabalhar numa subsidiária da Urenco. Lá ele teve acesso a informações confidenciais sobre as centrífugas, e as passou a agentes de seu país, que graças a isso pôde construir seu próprio centro de enriquecimento na década de 80. A cargo do programa nuclear paquistanês, Khan por sua vez passou estas tecnologias à Líbia, Irã e Coréia do Norte, como ele mesmo admitiu em 2004. Segundo Khan, ele fez isso por conta própria, e não seguindo ordens do governo de seu país, mas curiosamente foi perdoado pelo líder paquistanês Pervez Musharraf, e condenado apenas a prisão domiciliar.

Enfim, quem forneceu tecnologias proibidas pelos tratados de não-proliferação de armas nucleares não foram os russos, mas ninguém menos que aliados dos EUA: o Paquistão e, indiretamente, os europeus. E também uma corporação estadunidense: a Halliburton, que mantém relações muito próximas com o governo de George W. Bush e cujo presidente era o atual vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, também vendeu tecnologia para as centrífugas iranianas. Para mais detalhes, ver o seguinte sítio (em espanhol): http://www.voltairenet.org/article143725.html

A imprensa ocidental, quando não distingue entre o programa de enriquecimento de combustível do Irã, por um lado, e o reator de Bushehr, de outro, está deliberadamente agindo de má fé, tentando mostrar os russos como violadores do tratado de não-proliferação e fornecedores de armamento de destruição massiva. Quando, na verdade, não são de maneira alguma os russos que ajudam os iranianos a desenvolver tecnologias para armas atômicas, mas aqueles que se dizem mais preocupados com o programa nuclear da república islâmica.

As relações entre a Rússia e o Irã, ao contrário do que muitos crêem, não são de maneira alguma uma aliança. São mais complicadas do que isto. Por um lado, russos e iranianos compartilham um mesmo objetivo: manter os EUA e seus aliados longe do Cáucaso, da Ásia Central e do mar Cáspio, regiões estratégicas que ambos compartilham. Por isso, um Irã muito fraco é um problema à Rússia, pois pode ser facilmente submetido pelos EUA.

Por outro lado, um Irã demasiado forte também pode ser uma ameaça: o Irã no momento não tem armas com alcance para atingir a Europa Ocidental ou os EUA, mas sim a Rússia. Esta não tem o menor interesse que um vizinho na sua parte mais problemática e instável, a fronteira sul, tenha armas nucleares.

Assim, em relação ao Irã, os russos procuram ter uma relação pragmática: são boas, porque compartem um mesmo objetivo estratégio, o de impedir o controle do Cáucaso, da Ásia Central e do mar Cáspio por parte dos EUA. Mas não são suficientemente boas para constituir uma aliança: a Rússia não comparte os ideias de uma república teocrática islâmica, como é o governo iraniano, nem as declarações polêmicas do presidente Ahmadinejad, que muitas vezes parece propor a destruição de Israel e não acreditar na veracidade do Holocausto nazista contra os judeus. Democracias laicas, como a Índia, a Bielorússia e (recentemente) a Venezuela são países muito mais confiáveis para a Rússia.

Carlo MOIANA

Pravda.ru

Buenos Aires

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey