MUITO grande foi a convocatória do 4º Colóquio e Festival de Música e Poesia Nicolás Guillén. A Fundação que leva o nome do insigne poeta cubano quis lembrar aniversários que não podem ser esquecidos. Por isso, uniu homens e fatos que de qualquer forma são inseparáveis: José María Heredia, Alejo Carpentier e Pablo Neruda, a Revolução Haitiana e Juan Gualberto Gómez.
Realmente um tema único, poesia e liberdade, que aliás, são acompanhadas da música a partir da hora em que o evento foi concebido. Assim devia ser, pois a poesia de Nicolás Guillén é uma das mais musicadas, isto é, levadas ao pentagrama, porque a musicalidade de seus poemas é uma de suas características maravilhosas.
Nicolás Hernández Guillén, presidente da Fundação, opinou que estes eventos internacionais «foram caracterizados, não por uma convocatória espetacular quanto a participantes estrangeiros, mas sempre temos quatro ou cinco que são figuras prestigiadas e de enorme autoridade intelectual em seus países, por exemplo o professor Keith Ellis, de origem jamaicana, radicado no Canadá e a grega Marina Catzaras. Estou satisfeito dos resultados e, sobretudo, da participação dos estudiosos, dos intelectuais cubanos».
Como resumo da consagração «da nossa América», é o trabalho abrangente apresentado por Catzaras, intitulado: Guillén, Carpentier, Neruda: sacadores de tinieblas de la palabra infalible.
Seu interesse pela literatura latino-americana?Muito cedo tive interesse pelo Caribe hispânico e tive a sorte de estudar na Sorbonne de Paris na época em que alejo Carpentier era adido cultural da embaixada cubana na França. Eu fazia um trabalho acerca de O século das luzes. Para mim, além de uma honra, foi um momento excecional conhecer Carpentier e ter a possibilidade de lhe perguntar acerca de sua obra. Porém, de alguma forma, essa naturalidade antilhana inexplicável ia mais além disso. Talvez ter esse privilégio naqueles anos de poder conhecer também Guillén e Neruda, fiz parte dessa geração privilegiada em que ainda os personagens grandes e inesquecíveis ministravam palestras. Digo-o com orgulho: na Grécia sou uma verdadeira latino-americanista e caribenha. Chefio em Atenas o instituto Al Andar (referência a um verso de Antonio Machado), um centro de cultura e língua da América Latina e o Caribe hispânicos.
Qual a sua tese nestes colóquio para unir os três grandes?«Bem, o tema era o centenário de Neruda e de Carpentier e os bicentenários de Heredia e da Revolução haitiana. Para mim este congresso é imenso e não quis me debruçar em assuntos específicos que já foram examinados, mas sim aderir a essa visão, de tomar o Haiti como elo central dessa realidade de hoje de um povo sumido num estado de esquecimento e descaso totais, e a idéia de que talvez os poetas sejam os únicos salvadores dessa terrível realidade, naturalmente com outras necessidades. Porém, onde está a poesia para fazer de novo o apelo aos esquecidos deste mundo?
A proximidade destes três poetas?Simplesmente o profundo americanismo de cada um. Não falei acerca de Heredia, porém Carpentier, Neruda e Guillén (dois anos mais velho) são uma tríade óbvia do pan-americanismo; têm pontos comuns.
Muitos consideram o O Século... o romance perfeito de Carpentier. Com certeza, mas também a O reino deste mundo acho que é uma obra fundamental, porque e o início de uma nova tomada de consciência histórica, profundamente caribenha e, naturalmente, o ponto de partida do realismo mágico.
Carpentier pessoal?Lembro da onipotência dessa pessoa que acordava e tinha um mapa da América Latina atrás dele e me dizia: não se esqueça que a América Latina, embora pareça homogênea não é, por isso minha vida toda passei pesquisando acerca da heterogeneidade dessa América Latina e do Caribe.
Para precisar como foi tratada a figura de Pablo Neruda no Colóquio perguntamos ao presidente da Fundação Guillén. Neruda é uma grande figura latino-americana e universal, que tem um nexo íntimo com Guillén, sem importar a distância e a reserva que surgiu inevitavelmente entre os dois no ocaso de suas vidas e na qual estiveram envolvidos vários fatores, alguns alheios a eles. Pablo desempenhou um papel importante, junto de Alberti, na presença de Nicolás Guillén na Espanha. Foi um acontecimento que mudou a vida de todos aqueles que passaram por aquele Congresso de Intelectuais em defesa da Cultura. Não voltaram a ser como eram e isso é válido para Guillén, Pablo e Alberti, três das maiores vozes da poesia ibero-americana, expoentes das vanguardas e do engajamento social. Comemorar o centenário de Pablo é aliás comemorar Guillén, o que viveram, acreditaram, sonharam.
Por que comemorar especificamente o 150º aniversário de Juan Gualberto Gómez?Quando Guillén veio a viver em Havana, em 1926, encontrou-se com o tenente-coronel do Exército Libertador, Lino Dou, quem pertencia à intelectualidade mulata, não muito nutrida, um grande amigo de Juan Gualberto. Lino aproxima Guillén a esse círculo. Durante esses anos, Guillén escreveu vários artigos sobre o problema racial em Cuba e sua compreensão da cultura cubana, por exemplo no «El camino de Harlem», ou a entrevista feita a Rosendo Ruiz acerca do son. Guillén externava uma compreensão da cultura e do problema racial que agora fico convencido de que se deve a esse relacionamento com Juan Gualberto, a grande figura da defesa da independência e da soberania face à Emenda Platt quem, ainda, fez contribuições decisivas para o convívio entre negros e brancos. Nos Estados Unidos nunca entenderam bem isso de que estamos falando porque eles têm uma outra visão; a visão de um país onde jamais houve uma integração; cá sim, a miscigenação ocorreu na guerra, tínhamos generais negros e o primeiro ato do Pai da Pátria foi a emancipação dos escravos. Nos Estados Unidos passaram 200 anos para chegar a uma igualdade mínima entre brancos e negros. Juan Gualberto percebia a oportunidade e a necessidade de criar uma nação onde negros e brancos estivessem misturados, porque Cuba não tem chance alguma de sair na frente como nação sem essa fusão, sem essa integração de negros e de brancos. Quando Guillén fala em seu prólogo a Sóngoro Cosongo da cor cubana vai na trilha do pensamento de Juan Gualberto de que algum dia poderemos deixar de falar da cor.
Por isso serão abordados tanto temas neste 4º Colóquio?É, porque comemoramos várias coisas, muitas, mas todas ligadas a Guillén e nos dá a oportunidade de propiciar um grupo de reflexões sobre aspectos que ainda têm grande vigência para a cultura e para a nação cubana.
Precisamente, em 10 de julho é o aniversário de Guillén. Uma reflexão sobre sua vasta obra?As contribuições de suas poesia e de sua prosa ainda têm vigência. Vou me referir a duas delas. Guillén é um poeta muito conhecido por seu engajamento social, às vezes até conhecido demais e talvez isso deixou relegadas um pouco outras arestas de sua poesia. Seu engajamento serviu para expressar a toda hora os problemas essenciais e as aspirações dos desapossados. Guillén sempre esteve junto das causas mais justas, por exemplo contra o racismo nos Estados Unidos e contra a desigualdade social em Cuba. Sua poesia antiimperialista é um dos momentos mais elevados da literatura cubana e hispano-americana. A partir de West Indies Ltd., Guillén é um antiimperialista convicto. Tudo aquilo de que nos alertou em sua obra tem vigência absoluta e mais para lá. Depois, o problema racial, onde temos experimentado grandes avanços a partir do triunfo revolucionário, mas é um problema ainda não resolvido e o ponto de vista de Guillén ainda continua tendo certa vigência. Quando está falando da cor cubana temos que procurar o espírito dentro da pele. Dai nos vem a cor e essa é que é a grande verdade de como somos os cubanos. E devemos continuar trabalhando no sentido de que isso seja compreendido e aceito e que todos estejam convencidos, que a cor é a de nosso espírito, não a da pele.
Por outro lado, Guillén é o autor de vários dos poemas mais belos escritos em língua espanhola, uma zona pouco conhecida, mas que continua tendo atualidade completa. Acho que essa poesia continuará empolgando outras gerações.
MIREYA CASTAÑEDA Granma Internacional CUBA
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