Embaixador do Irã no Brasil explica que o Ocidente deturpa a visão sobre a participação política da população no país. Para ele, o diálogo atual com EUA limita-se ao tema nuclearCamilla Hoshino, Leandro Taques e Pedro Carranode Curitiba (PR)Brasil de Fato"Falta de democracia", "autoritarismo", "ameaça nuclear", "atraso", "instabilidade".
São palavras que ouvimos todos os dias na televisão quando o assunto é o Irã. Essa visão é contestada pelo embaixador do país no Brasil, Mohammad Ali Ghanezadeh, que visitou Curitiba para verificar as condições do jogo do Irã contra a Nigéria na Copa do Mundo.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Ghanezadeh fala da relação com os EUA, dos levantes nos países árabes e islâmicos e fornece dados sobre a democracia no seu país. Ousado, o embaixador chega a afirmar: "Somos a única democracia na região do Oriente Médio".Brasil de Fato - Qual é a situação do Irã e o balanço do governo do presidente Hassan Rohani?Mohammad Ali Ghanezadeh - A eleição de Hassan Rohani, que tem um pensamento diferente do anterior, de certo modo, é uma demonstração do dinamismo democrático que existe em nosso país.
É uma demonstração também de que a democracia já encontrou o seu rumo em nosso país. E o povo de modo geral apresenta suas opiniões por meio das urnas. Isso em contrapartida com outros países na região que sequer têm eleições. Nesse sentido, minha avaliação é a de que, após 35 anos da nossa Revolução Islâmica, nós escolhemos o caminho correto para a estabilidade democrática de nosso país através da realização de eleições.
Após as eleições, houve abertura de diálogo entre Irã e EUA. Esse espaço influencia a relação do Irã com os países vizinhos, em especial com a Arábia Saudita?A eleição do presidente Rohani, que possui política e atitude moderadas, de certa forma, mudou a visão do mundo ocidental e da comunidade internacional, mostrando o dinamismo interno do Irã. Sua eleição criou o ambiente adequado para o diálogo entre o Irã e o "Grupo 5 + 1" dos países do Ocidente na questão nuclear iraniana. Isso mostra um diálogo não apenas com os EUA, mas com o grupo.
O encontro com esse grupo motivou que, pela primeira vez, Irã e EUA estabelecessem diálogo sob a questão nuclear iraniana. Podemos conversar bilateralmente até chegar a uma decisão. Por isso, enfatizo que esse diálogo foi somente sobre questão nuclear e não sobre as relações bilaterais com os EUA, sabendo que essas negociações terão impacto sobre outros aspectos das relações com esses países do grupo. Verificamos também que há uma revisão das atitudes de outros países nas suas relações com o Irã. Esperamos que também essa mudança abarque países como a Arábia Saudita.
Os EUA combatem o chamado "arco da instabilidade", que envolveu o Afeganistão e o Iraque e mais recentemente a Líbia e a Síria. Há uma ameaça contra o Irã?Esses acontecimentos na região do Golfo Pérsico e com países árabes têm características específicas. Na nossa visão, podemos definir quatro características para esses movimentos que estão ocorrendo. A primeira é o cansaço por parte do povo perante governos ditatoriais e com longo prazo no poder.
A segunda característica desses levantes populares é a demonstração contra a corrupção nesses países. Outra característica das manifestações é apresentar a sua rejeição sobre as políticas e atitudes de Israel e EUA em desrespeito aos direitos do povo muçulmano e do povo palestino nos últimos 65 anos. E a última característica é que elas têm um histórico islâmico, ou seja, surgiram em comunidades muçulmanas. Tudo isso nos leva à comparação de que o nosso país tem uma forma diferente. Somos a única democracia na região do Oriente Médio.
Em 30 anos, realizamos 33 eleições diferentes - presidenciais, legislativas, de conselhos municipais. Realizamos essas eleições em um ambiente pacífico, tivemos presidentes com pensamentos diferentes. Por isso, o Irã está estável à sua volta e dentro do país não temos preocupação. Há formas para que o povo se manifeste. Mas a pergunta é: será que a intervenção do EUA em nossa região trouxe estabilidade? Nada disso. Essa intervenção motivou o aumento das atividades terroristas na nossa região, como vemos na Síria, onde hoje há mais de 100 grupos terroristas, resultado da intervenção dos EUA e de países do Ocidente.Como se encontram as relações diplomáticas do Irã com o Brasil, com os BRICs e com os demais parceiros estratégicos?Nossas relações diplomáticas com o Brasil são centenárias. Durante todo esse período não houve nenhuma turbulência política. Em 2013, nossas relações comerciais somavam 1,6 bilhão de dólares. Sabemos que esse valor ainda está muito aquém das potencialidades existentes nos dois países. Naturalmente, após os acordos que têm sido feitos com o Ocidente sobre a questão nuclear, nossas relações com parceiros ocidentais ganharão mais dinamismo. Nossos acordos comerciais com a China ultrapassam 40 bilhões de dólares.
Com alguns países na região, como a Turquia, esse valor chega a 21 bilhões de dólares. Com a Índia, 16 bilhões de dólares.A pergunta que fazemos é: como o Brasil, com um PIB de 2,5 trilhões de dólares, mantém uma relação desse volume com Irã? A resposta é que os empresários brasileiros fizeram menos contatos conosco em relação a outros países.As diferenças culturais no que dizem respeito ao tratamento das mulheres no Irã são vistas com restrições pelos ocidentais.
Como o senhor enxerga as condições sociais e políticas da mulher atualmente no seu país?Nossa visão para a questão do papel das mulheres e dos homens, de modo geral, parte dos valores islâmicos. Dentro das convicções do Islamismo, valorizamos as mulheres. Exatamente por isso acreditamos que elas têm um papel central não só na família, mas na construção de uma sociedade correta.
Depois da Revolução Islâmica, preparamos o terreno para a participação da mulher em vários campos diferentes da sociedade. Atualmente, nas universidades iranianas, as mulheres chegam a 63% da população estudantil. Três dos vice-presidentes da República nesse governo são mulheres.Em porcentagem, temos mais mulheres em nosso Parlamento do que o Brasil tem.
Temos motoristas de táxi, professoras universitárias, pesquisadoras, médicas etc. Nesse sentido, para além de serem valorizadas como mulheres, elas estão presentes em diversos campos sociais. Acreditamos, portanto, que a visão do Ocidente deturpa muito a imagem da mulher na sociedade iraniana.Qual o cronograma da sua viagem em Curitiba e a expectativa para a Copa do Mundo?Para nós é uma grande alegria ser um dos 32 países escolhidos para estar presente na Copa.
Teremos um jogo da nossa seleção com a Nigéria em Curitiba. Como vocês sabem, o futebol no Irã é muito popular e tem uma história centenária. Os iranianos também conhecem o Brasil através do futebol. Atualmente, temos um time no Irã que se chama "Indústria de Petróleo" e a camisa deles é igual a da seleção brasileira. Temos mais de 20 jogadores brasileiros contratados em diversos times iranianos.O Irã, desde 1947, é membro da FIFA e, atualmente, é o primeiro dentro dos países da região asiática. Já participamos quatro vezes da Copa do Mundo.
É por isso que a população iraniana está muito entusiasmada para assistir aos jogos. Como a expectativa é que venham muitos iranianos, precisamos coordenar algumas ações com as autoridades locais. Precisamos de um posto consular que preste serviço de atendimento à seleção e à nossa comunidade. Nosso interesse é que durante o período da Copa também possamos realizar uma semana cultural do Irã em Curitiba.Queremos fazer uma exposição com peças artesanais iranianas e, paralelamente, fazer uma mostra de cinema iraniano, trazendo sete filmes, com destaque para o filme Separação, ganhador do Oscar. Para isso, tivemos um encontro com o governador (Beto Richa) e com o prefeito (Gustavo Fruet), além de termos visitado também a Arena da Baixada, onde acontecerão os jogos. Além das questões esportivas e culturais, nossa visita tem o objetivo de estreitar as relações comerciais bilaterais com o estado, por isso, nos reunimos também com a Federação das Indústrias do Paraná (Fiep).
Nesses encontros, houve alguma discussão sobre a possibilidade de protestos em dias de jogos do Irã?Ouvimos notícias de uma provável manifestação por parte dos homossexuais. Mas, através de conversas com as autoridades do governo e também pelas visitas à Arena da Baixada, acabamos conhecendo melhor a segurança dos jogos e estamos tranquilos de que haverá uma realização pacífica e alegre durante os jogos da Copa em Curitiba. Sabemos que o povo brasileiro é um povo pacífico e que o futebol se tornou um jogo muito popular em qualquer parte do mundo. A intenção é que nesse período todos estejam alegres. Certamente assim será.
http://www.iranews.com.br/noticia/12027/embaixador-do-ira-no-brasil-defende-democracia-iraniana
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