Outro dia, envolvido num debate sobre a redução da maioridade penal, ouvi um pai de família, favorável à medida, tomar como exemplo a sua própria experiência, a maneira como criou seus filhos.
Não somos amados por sermos bons:
somos bons porque somos amados.
Desmond Tutu
Outro dia, envolvido num debate sobre a redução da maioridade penal, ouvi um pai de família, favorável à medida, tomar como exemplo a sua própria experiência, a maneira como criou seus filhos.
Ele falava dos limites que impôs às suas crias:
"Sou o mais novo entre meus dez irmãos e hoje reconhecido como um pai exemplar. Porém exijo muito dos meus filhos. Tenho filhos adultos e adolescentes. Desde o princípio, eduquei meus filhos de forma diferente daquela que meus irmãos educaram os meus sobrinhos.
Tenho uma filha se formando em medicina, enquanto outro filho é considerado o melhor da sua sala de aula; estimado pelos professores, amigos e colegas. Enquanto isso alguns dos meus sobrinhos, educados na "democracia", são viciados nos mais variados tipos de drogas: alguns inveterados em bebidas alcoólicas, outros até mesmo em cocaína. Por que essa diferença?
Bom, meus filhos sempre souberam que teriam que responder por qualquer erro que cometessem. Às vezes ficavam de castigo, sem poder sair de casa, noutras ocasiões eu cortava suas mesadas, ou o uso do computador. Se nada disso funcionasse, eu partia para a medida extrema: batia mesmo.
Tudo isso doía mais em mim do que neles. Mas parece que eu estava certo, pois também passei por suas idades e, já naqueles períodos, eu sabia o que era certo e errado. Se um adolescente faz uma coisa errada sabendo que esta errada é porque ele, covardemente, se esconde nas leis anacrônicas brasileiras. Por que não posso prender um garoto de 16 anos, submetendo o indivíduo à mesma pena a que está sujeito um adulto, se ele anda armado, podendo matar qualquer pessoa? Quantas pessoas já perderam a vida por causa dessa lei que protege não os adolescentes, mas os monstros e covardes que um dia serão chefes de quadrilhas?"
Eu lhe respondi:
Parabéns, você conseguiu manter seus filhos afastados do perigo que constantemente os rodeiam. Eu lhe digo o mesmo em relação ao que pude fazer quando da educação dos meus. Com uma pequena diferença: nem precisei bater neles. Mas, tudo bem, você sentiu necessidade de fazê-lo, portanto podemos concluir que seus filhos cometeram faltas que você as considerou graves. Em relação aos seus sobrinhos, creio que eles se tornaram vítimas de adultos equivocados, que (baseado em seu depoimento) não souberam dar limites aos filhos .
Agora imaginemos aqueles milhares de adolescentes acautelados que conheci no sistema socioeducativo: 60% não conheceram um pai; e eu preferia que boa parte dos 40% restantes nem tivessem conhecido o tipo de pai que tiveram. Quer dizer, crianças e adolescentes são VÍTIMAS de uma má formação, de uma péssima educação.
Eu não bati nos meus filhos, mas consegui que sejam o que são hoje: pessoas bem formadas, educadas, que nunca se envolveram em situações de extrema vexação. São elogiados pelos professores, pelos vizinhos, pelos tios, por todos. E ainda são muito alegres.
Entretanto a minha infância não ocorreu assim; menos ainda a adolescência. Fui submetido a uma educação rigorosa, severa, o que, em muitos casos, como o meu, torna-se necessário. Porém sofri castigos corporais, tudo sob preceitos bíblicos: " Não retires a disciplina da criança; pois se a fustigares com a vara nem por isso morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás a sua alma do inferno" (Provérbios 22:13,14) . O problema foi que o autor desse versículo esqueceu de acrescentar: "Mas pegue leve!". E, quanto mais a vara ardia, mais revolta me provocava. Assim, um sentimento de vingança se apossava de mim. Só não cheguei a consumá-lo, fundamentado na revolta de uma criança espancada, porque havia um fator que compensava essa atitude equivocada de meus pais: o amor que eles me dedicavam em outros momentos. Mas garanto que os castigos corporais em nada contribuíram para a minha melhor formação.
Diferentemente daqueles que não tiveram pai, eu tive um pai zeloso e considerado austero; ao mesmo tempo bondoso. Amava os filhos e fazia exatamente o que todos devem fazer: impunha limites. Existem formas de penalizar os filhos quando de suas desobediências. Impedi-los de usufruir temporariamente de alguns benefícios ou privilégios. Reduzir o lazer e, em seu lugar, exigir a elaboração de tarefas produtivas.
Observando os adolescentes que chegam às instituições destinadas à execução de medidas sócio-educativas, nem precisamos ser especialistas em qualquer área de conhecimento para entendermos que a maior parte deles são jovens que revelam comportamento hiperativo. Parecem dotados de energia incomum. Muitos deles manifestam um admirável poder cognitivo. Um potencial de inteligência represado, como as águas de uma hidrelétrica; porém, ao forçar as comportas, a sociedade libera suas passagens apenas pelas calhas marginais.
A lei penal para esses adolescentes seria muito fácil de ser aplicada. Difícil é lhes dar a formação adequada. Difícil é aproveitar seus potenciais.
Meu pai possuía moderadas condições financeiras, porém suficientes para me oferecer tratamento adequado. Seu patrimônio moral era mais elevado. Pude ser resgatado.
Muita gente alega que o adolescente se aproveita da "brandura" da lei para delinqüir. Eu evoquei isso quando era adolescente. Mas tenho consciência de que o fazia apenas como forma de provocação. Eu temia a lei, sentia pesadelos só de pensar em ser encarcerado numa unidade de "correção de menores", como se falava na época. Fui acusado de ser indisciplinado na escola, mas o que me passava de verdade era revolta de uma escola que me tratava como a um animal, com autoritarismo desnecessário. Nisso, o meu caso se assemelha ao de milhares de jovens oprimidos pela miséria e abandono, entregues a um sistema injusto, que lhes retira qualquer esperança de uma vida decente.
Cada caso tem suas peculiaridades, mas querer que adolescente aja com o mesmo discernimento de um adulto é querer demais. Adolescente precisa de limites. Mas os partidários da redução da maioridade penal querem condená-los porque alguém não lhes deu limites e uma boa formação educacional.
Pessoas inescrupulosas se apropriam de grande parte das verbas destinadas à educação, à saúde, ao lazer, à alimentação, à segurança pública, à infra-estrutura e de tantas outras que lhes caiam na rede. São os mesmo que proferem inflamados discursos moralistas exigindo a redução da maioridade penal, porém criam seus filhos sem lhes impor limites, mas protegidos pela impunidade. Enquanto isso os miseráveis que se danem! Para estes, os rigores da lei!
A classe média hipócrita não pára para pensar em quem realmente está lhe fazendo mal. E um bando de cretino ri do apoio que recebe em nome de um moralismo estúpido. Essa gente equivocada sabe que a concentração de renda em nosso país o torna comparável aos países mais miseráveis, mesmo assim quer que as nossas leis sejam tão rigorosas com a juventude quanto as daqueles países nos quais se oferecem excelentes condições de vida à sua população. E ainda comparam os níveis de violência entre o Brasil e os chamados países de primeiro mundo.
Bombardeia-se a população instigando-a ao consumo desenfreado, com propagandas, novelas e filmes que nada de bom acrescentam à juventude; em seguida, exige-se dessa juventude um comportamento que ela nem sabe de que se trata, pois desconhecem exemplos dignos de serem seguidos.
E jovem não gosta de ser exceção. Basta ver que os modismos geralmente têm como alvo principal os jovens, por serem facilmente influenciáveis.
Obrigam a nós, os pais, a perder parte de nosso tempo tentando fazer nossos filhos entender que o lixo que estão disseminando, sob a pretensa forma de manifestação cultural ou de modernidade, não passa disso: LIXO! São os mesmos que cobram austeridade na formação dos nossos filhos e culpam os trabalhadores semi-escravos por deixarem os seus ao deus-dará; pois precisam trabalhar dia e noite, com o propósito de MAL alimentar seus rebentos. Culpam estes até por darem cria. Crias que, para muita gente, só serviria para manter e alimentar seus patrimônios com o sangue e suor derramados nos canaviais e linhas de produção. Por isso mesmo, tratam essa gente como animal. Preferiam que fossem "produzidos" por inseminação artificial. conforme as necessidades do mercado.
Se os estúpidos reduzissem as suas ganâncias, certamente não precisaríamos reduzir a maioridade penal e abarrotar os presídios ainda mais do que já estão.
Fernando Soares Campos
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