Doação de Sangue: acabou a exclusão arbitrária para 'homens que têm sexo com homens'

Doação de Sangue: acabou a exclusão arbitrária para 'homens que têm sexo com homens'

Foi hoje divulgada pela Direção-Geral de Saúde (DGS) a proposta de norma relativa à doação de sangue e aos critérios de exclusão que deverão aplicar-se. Desapareceu finalmente qualquer referência à categoria "homens que têm sexo com homens", que era até agora suficiente para a exclusão automática na doação de sangue de acordo com as instruções dadas pelo Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST). 

Em sucessivas reuniões e contactos da ILGA Portugal com a DGS, deixámos claros os pontos principais que, no nosso entender, deveriam nortear a nova norma:
 

  • a categoria "homens que têm sexo com homens" não especifica comportamentos de risco (que podem acontecer nesta subpopulação tal como noutras), que devem ser o enfoque dos questionários de triagem;
  • a categoria "homens que têm sexo com homens", ao contrário de outras subpopulações definidas enquanto categorias epidemiológicas, contribui para a estigmatização de um grupo social que é alvo de discriminação, sendo que a discriminação com base na orientação sexual é, até, explicitamente proibida pela Constituição da República Portuguesa;
  • a possibilidade de passar de uma exclusão permanente para uma exclusão de todos os homens que tenham tido sexo com homens no último ano equivalia a uma exclusão permanente para qualquer pessoa com atividade sexual minimamente regular, mantendo exatamente a mesma lógica errada que norteou anteriormente a política relativa à doação de sangue.


A nova proposta garante, pelo contrário, a ausência de qualquer menção da categoria "homens que têm sexo com homens", desaparecendo a exclusão deste grupo enquanto tal (permanente ou temporária). Desaparece assim a generalização abusiva de comportamentos de uma população com uma enorme diversidade de práticas, permitindo um enfoque nos comportamentos de risco e não só mantendo como, na realidade, reforçando a preocupação com a qualidade do sangue recolhido. 

Acompanharemos com atenção o questionário a ser elaborado pelo IPST para que este possa cumprir esta norma e terminar enfim com um longo período de estigmatização de homens gay ou bissexuais na doação de sangue. 

A propósito de um artigo no Público de hoje, partilhamos um pequeno resumo da cronologia relacionada com a questão da discriminação na doação de sangue em Portugal:
 

  • em 2010, a então Ministra da Saúde Ana Jorge, na sequência de uma Resolução da Assembleia da República, anunciou que a política do Ministério da Saúde na questão da dádiva de sangue era clara, no sentido de não eliminar ninguém com base na orientação sexual (o que acontecia com a pergunta que até aí ainda era colocada e gerava a exclusão: "Sendo homem, teve sexo com outro homem?"); o historial e a legislação podem ser encontradosAQUI;as queixas que chegaram à ILGA Portugal depois desse momento foram pontuais e aparentemente relacionadas com a dificuldade de uniformização de procedimentos;
  • em 2011, a nova Direção do Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), nomeada pelo Governo de Pedro Passos Coelho, passa a recomendar a exclusão de todos os homens que têm sexo com homens, o que admite primeiro em reunião com a ILGA Portugal e depois em audição no Parlamento; as queixas que chegaram à ILGA Portugal desde 2011 foram recorrentes, indiciando a mudança de política entretanto confirmada;
  • o Governo de então (2011/2015) anunciou a criação de um grupo de trabalho para a revisão da norma relativa à doação de sangue (mantendo a exclusão durante todo o período de existência desse grupo de trabalho); durante muitos anos, tentámos sem sucesso participar nalguma discussão do grupo de trabalho, apesar da disponibilidade manifestada sistematicamente;
  • em agosto de 2015, no final do mandato do Governo anterior, foi subitamente anunciada a decisão de passar de uma exclusão permanente para uma exclusão de todos os homens que tenham tido sexo com homens no último ano (que equivale a uma exclusão permanente para qualquer pessoa com atividade sexual minimamente regular); a reação da ILGA Portugal pode ser consultadaAQUI;
  • em março de 2016, e já com o novo Governo em funções, tivemos uma audiência com o Sr. Ministro da Saúde e o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Saúde em quereiterámos a nossa posição face a esta questãoe a necessidade de garantir práticas não discriminatórias e estigmatizantes, tendo havido recetividade quanto à necessidade de procurar a melhor formulação dos critérios de exclusão;
  • em abril de 2016, na sequência dessa audiência, tivemos uma primeira reunião com a Direção-Geral de Saúde para análise da norma que tinha sido preparada sob a égide do Governo anterior e na qual reiterámos o seu conteúdo discriminatório, propondo formulações alternativas que garantam critérios de seleção mais incisivos - e não estigmatizantes - e portanto uma forma de redução do risco residual do sangue recolhido;
  • numa nova reunião já em agosto de 2016 pudemos partilhar a nossa posição e reflexão sobre esta questão, defendendo alternativas não estigmatizantes e uma formulação que pudesse servir também de exemplo nesta questão para muitos outros países da Europa.


A falta de auscultação da ILGA Portugal durante a legislatura anterior bloqueou efetivamente a eliminação da discriminação promovida pelo IPST em 2011; a auscultação da ILGA Portugal em 2016 permite ter uma expectativa de resolução desta questão. Mantemos, naturalmente, o empenho em conseguir atingir de forma célere uma solução que elimine a noção de grupo de risco e que garanta, pelo contrário, a qualidade do sangue com base em critérios associados a comportamentos (específicos) de risco.

Associação ILGA Portugal
19 de Setembro de 2016

 

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