No Brasil, polícia sem controle externo é ameaça aos direitos humanos
Por ANTONIO CARLOS LACERDA
BRASILIA/BRASIL - No Brasil, a escalada do banditismo policial - que violenta de forma cínica e acintosa toda a sociedade brasileira nos seus mais elementares princípios básicos de direito à cidadania, onde o cidadão não sabe se um determinado policial é seu defensor ou seu algoz - foi principal tema de encontro nacional de promotores e procuradores de Justiça de todo o País.
O I Encontro Nacional de Aprimoramento da Atuação do Ministério Público no Controle Externo da Atividade Policial, realizado pela Comissão de Sistema Carcerário e Controle Externo da Atividade Policial, concluiu que o pleno e absoluto controle externo da atividade policial é instrumento essencial para a plena garantia dos direitos humanos no Brasil.
Na Carta de Brasília, documento assinado durante o encontro, promotores e procuradores se mostraram absolutamente contrários a qualquer forma de supressão ou redução das atribuições do Ministério Público sobre o exercício do controle externo da atividade policial.
Na Carta, os promotores e procuradores deixaram um alerta de que a redução das prerrogativas de controle externo da atividade policial implica no enfraquecimento do Pleno Estado Democrático de Direito e no prejuízo da defesa de direitos sociais e individuais indisponíveis.
Segundo o documento, no exercício do controle externo, é necessário contato constante entre Ministério Público, cidadão e sociedade civil. É fundamental o acesso a todas as informações sobre a atividade policial, buscando identificar irregularidades, desvios e abusos no poder de Polícia, visando, inclusive, maior eficiência das polícias.
Os promotores e procuradores, responsáveis pelo controle externo da atividade policial, devem trabalhar em parceria com as ouvidorias e corregedorias de Polícia, além de ficarem atentos a irregularidades cometidas por policias.
Para o conselheiro Mario Bonsaglia, presidente da Comissão de Sistema Carcerário e Controle Externo da Atividade Policial, tanto o Encontro Nacional, quanto a Carta de Brasília, apontam um avanço da sociedade brasileira no sentido de sanar o problemas e otimizar as atividades policiais.
Além da carta, os participantes do encontro discutiram, em grupos de trabalho, rotinas, procedimentos e técnicas de investigação nas seguintes áreas: combate à corrupção policial; controle das polícias militares e das polícias das forças armadas; controle externo concentrado; combate aos grupos de extermínio, autos de resistência e execuções sumárias; e combate à tortura.
Aprovadas em Plenária, as propostas dos grupos serão remetidas à Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para análise, discussão e adoção de providências, tais como a proposição de nota técnica e a elaboração de propostas de recomendação ou de resolução a serem apreciadas pelo Plenário do CNMP.
Para o presidente do Conselho Nacional do Ministério Público, Roberto Gurgel, a subsistência de práticas como a tortura e os grupos de extermínio tornam fundamental que o Ministério Público se desencumba a contento da função "árdua e sensível" de exercer o controle externo da atividade policial. "Sem perder o rigor nessa função, não devemos renunciar a manter um diálogo permanente com a polícia, a procurar pontos de consenso que possibilitem o cumprimento dessa função", argumentou.
O coordenador do encontro, conselheiro Mario Bonsaglia, presidente da Comissão de Sistema Carcerário e Controle Externo da Atividade Policial do CNMP, destacou que o controle das polícias pelo MP faz parte do sistema de freios e contrapesos que garantem o Estado de Direito. "O próprio Ministério Público está submetido, também, a controle externo pelo Conselho Nacional", observou.
Já o presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, Fernando Grella Vieira, destacou a preocupação com os grupos de extermínio e salientou a importância do poder investigatório do Ministério Público para o exercício do controle da atividade policial, com o objetivo de proteger os direitos humanos.
Em 2003, no Rio de Janeiro, de um total de 1195 casos de mortes por policiais, 65% foram execuções, conforme dados apresentados pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública e um dos autores dos livros Elite da Tropa e Elite da Tropa 2. Ele definiu a atuação do MP no controle da polícia com a esperança de uma reversão nesse quadro trágico com o qual os cidadãos e as instituições se acostumaram a conviver.
Para isso, na sua visão, é preciso que o MP transcenda a dimensão individual dos desvios de conduta por parte de policiais e passe a focar nos mecanismos institucionais que permitem que eles se tornem um padrão.
"No meu mundo dos sonhos, imagino um Termo de Ajustamento de Conduta visando a redução da brutalidade policial, o incremento da produtividade nas investigações e o respeito aos direitos humanos", propôs.
Nesses acordos, as polícias apresentariam planos de trabalho para recrutamento, capacitação e organização. Seria preciso mudar uma "arquitetura institucional ineficiente, que dispende esforços extraordinários para produzir resultados pífios", como a média nacional de 8% no esclarecimento de homicídios.
CARTA DE BRASILIA
Os Membros do Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, do Ministério Público Militar e do Ministério Público Federal, reunidos no I Encontro Nacional de Aperfeiçoamento da Atuação do Ministério Público no Controle Externo da Atividade Policial, nos dias 26 e 27 de maio de 2011, em Brasília/DF, com o objetivo de debater a atuação do Ministério Público Brasileiro no Controle Externo da Atividade Policial, como instrumento de proteção dos Direitos Humanos, e orientar suas ações após reflexões, discussões e deliberações acerca dessa atribuição constitucional, manifestam publicamente o seguinte:
1 - O exercício pelo Ministério Público do controle externo da atividade policial é essencial para a plena garantia dos direitos humanos e, dentre outras formas, concretiza-se:
a- pelo constante contato com o cidadão e com a sociedade civil organizada;
b- pelo acesso a todas as informações sobre a atividade policial, buscando identificar irregularidades, desvios e abuso no poder de polícia, visando, inclusive, a melhoria da sua eficiência;
c- por exigir o absoluto e completo respeito às garantias do indivíduo, atuando no sentido de identificar, apurar e buscar a condenação dos agentes da segurança pública nos casos de prática de corrupção, tortura e homicídios;
d- por se mostrar aberto ao trabalho conjunto com ouvidorias e corregedorias de polícia;
e- pela prevenção e repressão à prática de crimes e outras irregularidades por policiais;
f- pela manutenção da regularidade e da adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público.
2 - Repudiamos qualquer forma de supressão ou redução das prerrogativas do Ministério Público relacionadas ao exercício do controle externo da atividade policial, tais como previstas na Constituição Federal e legislação decorrente.
3- Alertamos a sociedade e seus representantes que a supressão ou redução das prerrogativas do Ministério Público relativas ao exercício do controle externo da atividade policial implica enfraquecimento do Estado Democrático de Direito e prejuízo da defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis.
ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU
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