Na Quirguízia, para além do fantasma da "revolução de veludo", sobre o perigo da qual muito se falou em Bishkek, acaba de surgir inesperadamente mais um fantasma, mas desta vez o da "contra-revolução". Quanto mais duramente o poder e a oposição esclarecem os resultados das eleições parlamentares, tanto mais reais se tornam estes dois perigos.
Uma das "condições revolucionárias" para a "revolução de veludo" é o facto de os resultados das eleições não terem sido uma vitória "incondicional" do partido de poder. É pouco provável que um observador objectivo possa afirmar que a "maioria absoluta da população" apoia incondicional e conscientemente o actual governo e o garante da Constituição, o presidente Akaev.
Não se trata apenas de distribuição dos locais no Parlamento, embora este facto também seja importante. Hoje em dia, para o Parlamento de uma câmara já foram eleitos 71 dos 75 deputados necessários, mas apenas 19 mandatos pertencem ao partido "Avante, Quirguízia!", encabeçado formalmente pela filha do presidente do país, Bermet Akaev, de 32 anos, tendo mais cinco mandatos sido obtidos por representantes do partido pro-governamental "Justiça". Por outras palavras, o poder, apesar de ser acusado pela oposição de tecnologias sujas e de falsificação dos resultados da votação, o que é confirmado por diversos factos isolados, obteve apenas 24 mandatos contra os 7 da oposição. Os restantes eleitos são na maioria empresários que se candidatavam como "independentes" e por enquanto ninguém pode dizer qual será a sua orientação.
O principal é um contexto marcante de protestos durante a votação nas circunscrições distritais, especialmente no campo. As pessoas votaram principalmente contra a pobreza, a injustiça e a corrupção relacionando tudo isso com o poder. Não é casual que os representantes do partido de poder "Avante, Quirguízia" se tenham candidatado nestas zonas praticamente como incógnitos.
Na opinião do director do Instituto Internacional de Pesquisas Estratégicas junto do presidente da Quirguízia, Valentin Bogatyriov, estes factores não podem estar relacionados com Askar Akaev como chefe de Estado. Sem dúvida, é assim, mas há também um outro factor - a "psicologia de rua" em que irá apostar a oposição, transformando a "condição revolucionária" num final "laranja".
Falando à RIA "Novosti", o secretário de Estado da Quirguízia, Osmonakun Ibraguimov, concordou com que o "contexto de protestos" esteve presente de facto nas eleições, mas, na sua opinião, "não superou os 30 por cento". Se for assim, é possível que a "revolução de veludo" continue a ser apenas um fantasma.
Mas se não for assim e o número real do "eleitorado de protesto" for muito maior? Quem pode garantir que a assembleia do povo criada em Djalal-Abad e o conselho de governo daquela região não se tornem no próprio vírus da "revolução de veludo"? E o que irá fazer o poder para neutralizá-lo?
A oposição exige a demissão de Akaev, a manutenção do poder do velho Parlamento e a realização de eleições presidenciais antecipadas. Não poderá o poder, por seu lado, tomar "contramedidas", em particular convocar um referendo em que seja expresso o apoio da população à prorrogação da presidência de Akaev? Tal não parece muito difícil, porque as exigências da oposição "Akaev fora!" não contrariam menos a Constituição e a democracia, do que a realização de um referendo pró-presidencial. Entretanto, pelos vistos, é exactamente esta variante que não exclui o secretário de Estado, Osmonakun Ibraguimov, quando diz que "tudo será resolvido pelo povo".
Mas é pouco provável que esta variante possa resolver o problema.
Às vezes cria-se a impressão de que o poder e a oposição actuam segundo um cenário mutuamente acordado. Porque, ao que tudo indica, as duas partes estão igualmente interessadas em levar a situação na república a uma crise. Ao mesmo tempo, o poder e a oposição são categoricamente contra os paralelos entre a situação "pré-revolucionária" na Quirguízia e as "revoluções de veludo" na Geórgia e Ucrânia. Ressalta-se, em particular, a ausência de uma "motivação anti-russa" na Quirguízia.
Entretanto, falando sobre o factor russo, será oportuno lembrar que o estatuto das relações entre a Rússia e a Quirguízia é muito diferente das relações da Rússia com a Geórgia e Ucrânia. Trata-se, em primeiro lugar, de compromissos fixados nos Estatutos da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC), que prevêem a ajuda mútua no caso de ameaça à soberania ou integridade territorial de um dos países-membros. Não penso que à Rússia agrade a perspectiva de cumprir os seus compromissos quer em condições de "revolução de veludo" quer, pelo contrário, de "contra-revolução de veludo". Não seria melhor que o poder e a oposição, em vez de agravar a situação, tentassem, pelo menos, sentar-se à mesa das conversações?
Piotr Gontcharov observador RIA "Novosti"
Subscrever Pravda Telegram channel, Facebook, Twitter