Preparar o futuro: a luta dos brasileiros

Preparar o futuro: a luta dos brasileiros

Por Felipe Quintas e Pedro Augusto Pinho.

Opinião / 16 de setembro de 2020

 

O Brasil vive momentos de insegurança e incertezas. Apenas por causa do Governo Bolsonaro? Somente pelas ameaças de morte pela Covid-19? Não, de modo algum. Porque estamos, sem dúvida, no limiar de nova sociedade, como ocorreu há pouco mais de um século, com o desmonte do colonialismo europeu.

Esta nova sociedade não será a mesma para todos os países. Começa aí a desinformação que recebemos do poder vigente, do neoliberalismo, dos últimos suspiros de um império nacional estadunidense. As independências nas sociedades são distintas, umas das outras, por mais que os ideólogos à direita e à esquerda desejem homogeneizar o mundo. Sempre haverá de prevalecer as diferenças, a formação cultural das sociedades, o que está mais profundamente arraigado na alma do povo, a sua nacionalidade.

M. M. Pistrak (1888-1940), pedagogo, um fundador da educação russa, a qual levou aquele país a colocar um satélite e o homem no espaço pela primeira vez e, novamente, nos surpreende com a primazia na vacina contra Covid, afirmava: a base do trabalho educativo deve ser o contato com a realidade e a auto-organização dos alunos. A realidade atual é constituída de dois polos: a brecha que vai sendo aumentada pela transformação da sociedade e as ruínas do passado no presente.

Examinemos, inicialmente, nosso presente - no qual construímos a brecha que possibilitará a nova vida - onde ainda coexistem as ruínas do trabalho do arado no campo e das comunicações não digitais, as contemporaneidades do não coetâneo.

O Brasil retrocede, é o que mais ouvimos com as decisões do atual governo. Mas poderíamos perguntar: trilhávamos terreno sólido, em bases efetivas, ou caminhávamos por pântanos, ao sopro dos ventos?

Poderia afirmar que a estrutura do poder se distanciava da alma do povo, que não seria um bombom desejado o suficiente para fixar marcos do futuro. E até porque, dialeticamente, este avanço trazia a contradição da rejeição de um passado construtor.

Seremos mais claros. Os governos petistas se colocaram contra o trabalhismo getulista e o nacionalismo de Geisel, aproveitando uma conjuntura internacional favorável dentro de uma economia dependente. Nenhuma crítica era feita ao financismo presente, nenhuma continuidade às conquistas tecnológicas passadas.

Vamos elencar, sem ordem de prioridade ou qualquer outra, sete pontos para alargar a brecha e construirmos a nossa utopia nacional brasileira. O projeto de luta pelo Brasil. Enumeremos primeiro a organização nacional, aquela que Pistrak denominou auto-organização, no sentido que deve ser construída pelos valores e entendimentos nacionais e não de modelos teóricos ou aplicados no exterior, depois a questão dos recursos nacionais, por terceiro a questão industrial tecnológica, seguindo a questão financeira, a questão das comunicações, a questão social, e por fim a questão cultural, que, obviamente, não é menos relevante que as demais.

O Estado é fundamental, pois representa politicamente a Nação. E é o garantidor dos direitos e da proteção dos cidadãos. Apenas teorias coloniais depreciam os Estados Nacionais, mas, de modo algum, aqueles estados imperiais, colonizadores deixam de ter estados fortes, capazes de suportar as aventuras e conquistas de seus interesses expansionistas.

Também estado e sociedade não são conjuntos antagônicos e conflitantes, muito ao contrário, pois ambos se constituem da população nacional, apenas organizada com objetivos específicos. Na organização da sociedade, além do estado, temos os partidos políticos, os sindicatos, as cooperativas, as empresas privadas e outras agremiações em torno de interesses específicos, como exemplo os clubes esportivos e orquestras e grupos musicais.

Aqui trataremos apenas do Estado Nacional. Sua organização será um projeto construtor da sociedade, que definirá seus objetivos fundamentais e onde se vincularão os órgãos de planejamento, execução e controle.

Em princípio teríamos o Estado Brasileiro com um conjunto voltado para soberania nacional e outro conjunto para construção e sustentação da cidadania. No conjunto da soberania estarão, obviamente, a defesa nacional, o controle e administração dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnológico das produções nacionais e as finanças. Na cidadania estarão aquelas ações voltadas para a garantia da vida humana: saúde, habitação, urbanização, saneamento, transporte; aquelas voltadas para formação do cidadão: a consciência e os saberes; e a defesa dos direitos.

Nestes dois grandes arcos estará presa toda estrutura do Estado: seus órgãos de deliberação democrática, de execução e de auditoria.

É preciso deixar bem claro que nacionalizar não significa, como no dicionário neoliberal, estatizar. Nacionalizar significa estar em mãos brasileiras, seja em órgãos públicos, em sociedades cooperativas ou de capitais privados.

Recomendaríamos que as atividades se estruturassem com o maior controle dos recursos necessários à sua operacionalidade, dentro de uma concepção organizacional sistêmica, a fim de evitar o ônus das duplificações ou multiplicações de setores.

Alguns pontos são, pois, fundamentais:

1) Reestruturação do setor financeiro para atender à economia real, e não à economia de especulação. O Banco Central (Bacen) deve ser subordinado à Presidência e sob o regime de duplo mandato, isto é, a política monetária deverá buscar o controle da inflação e o pleno emprego. Nenhum diretor do Bacen poderá ter dupla cidadania nem ser escolhido se tiver participado alguma vez de instituições financeiras privadas, e após participar da diretoria do banco, a pessoa não poderia assumir cargos no setor financeiro privado. É necessário, também, estatizar a Bovespa, orientar suas atividades ao financiamento das empresas produtivas e retirar todas as empresas estatais e estratégicas das bolsas de valores estrangeiras. Por fim, é urgente pôr termo ao tripé macroeconômico, à PEC do Teto de Gastos e à Lei de Responsabilidade Fiscal, substituindo-a pela Lei de Responsabilidade Social.

2) Nacionalização progressiva dos recursos naturais, das infraestruturas e das indústrias de base e estratégicas, com participação tanto do Estado quanto do capital privado nacional, organizado no Brasil e composto por acionistas nascidos no Brasil e sem dupla cidadania. Isso implica, entre outras coisas, reverter todas as privatizações ocorridas no Brasil desde o Governo Collor. A nacionalização desses setores favorece a mobilização deles em um plano de sofisticação das cadeias produtivas e de interiorização das atividades industriais e da ocupação demográfica, devendo-se dar bastante atenção à agricultura e a sua incorporação em agroindústria, para aumentar a produção de alimentos destinados ao mercado interno, baratear seu custo e, assim, elevar o padrão de vida da população e aliviar a pressão inflacionária.

3) Desenvolvimento do complexo industrial-militar e estreitamento da relação entre indústrias civil e militar nacionais, de maneira que as compras das Forças Armadas assegurem demanda para empresas brasileiras de automóveis, aviação e informática, por exemplo, além de colocar essas empresas a serviço da defesa nacional. Também há de se buscar a transformação do Brasil em potência nuclear para fins pacíficos e militares, mas não imperialistas. O Brasil deve se armar tão-somente para obter poder de dissuasão e sua voz ser ouvida nas relações comerciais e diplomáticas internacionais. Somente assim o País terá liderança suficiente para contrabalançar outras hegemonias e propiciar uma geopolítica da paz.

4) Formação de um sistema nacional de mídia e de telecomunicações a serviço do projeto nacional. Isso passa pela recriação do sistema Telebras e pela criação de um sistema público de mídia de amplo alcance capaz de elevar o nível cognitivo da população, além do cancelamento da concessão a grupos de mídia que não atendam aos interesses nacionais.

5) Edificação de um Estado social, que não se confunde com Estado assistencialista. Há de se recriar e revigorar as leis trabalhistas, para melhor conciliar os interesses do capital e do trabalho. O planejamento das políticas sociais deve servir para dinamizar a indústria nacional. Por exemplo, obras de saneamento e habitação arrastam consigo a indústria de construção civil, de siderurgia, de cimento, de vidros etc., e a utilização do SUS para avançar pesquisas e tecnologias na indústria farmacêutica e de equipamentos hospitalares. Além disso, para caucionar a democratização das relações econômicas, favorecer a autonomia popular no entendimento dos negócios e impedir a desnacionalização econômica, é interessante que haja maior participação dos trabalhadores na administração e no controle acionário das empresas, além de estímulo dos bancos públicos à formação de grandes grupos industriais e agroindustriais cooperativos, a exemplo da Coopersucar, no Brasil, e da Huawei, na China.

Este é assunto que não se esgota em um artigo. Estamos buscando desenvolver reflexões para as quais contamos com os caros leitores.

 

Felipe Quintas, Doutorando na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho, Administrador aposentado.

 

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