Portugal: Carta Aberta ao Presidente sobre Reclusos
Completa-se, este ano, o prazo de doze anos previsto como tempo máximo para superar os problemas detetados e constantes do relatório do programa de reforma do sistema prisional, elaborado pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional presidida pelo Prof. Freitas do Amaral.
O.V.A.R. Obra Vicentina de Auxílio aos Reclusos
Excelentíssimo Senhor Presidente da República
Excelência
Completa-se, este ano, o prazo de doze anos previsto como tempo máximo para superar os problemas detetados e constantes do relatório do programa de reforma do sistema prisional, elaborado pela Comissão de Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional presidida pelo Prof. Freitas do Amaral.
Infelizmente, os indicadores sobre as prisões portuguesas continuam muito abaixo da média europeia, que era a meta indicada nesse relatório. O número de óbitos continua a duplicar a média europeia, o tempo médio de cumprimento de pena efectiva aumentou para o triplo de média europeia, a sobrelotação, apesar de esticadas as instalações, continua em alta. À alegada quebra da criminalidade corresponde uma subida do número de presos.
A alimentação não melhorou (piorou!) e a restrição á entrada de alimentos do exterior coincidiu com queixas contra a fome, tratadas com castigos arbitrários contra quem reclama. Os serviços de saúde continuam deficientes e a higiene piorou com a falta de produtos de primeira necessidade. Alterou-se o enquadramento criminal do consumo de drogas. Os doentes com tratamentos mais caros continuam a ver ignoradas as prescrições médicas adequadas. Diminuiu o número de pessoas em prisão preventiva mas os critérios para a sua utilização continuam a ser incompreensíveis e injustos. A reinserção social ganhou destaque no nome da direcção geral mas o orçamento para essa finalidade, que nunca esteve a funcionar devidamente, diminuiu. As penas de privação de liberdade para menores de 21 anos continuam a verificar-se ao arrepio do proposto no relatório de há 12 anos.
A utilização do trabalho dos presos como trabalho escravo é uma afronta e uma desumanidade. A impossibilidade do direito à própria defesa viola o direito internacional de que Portugal é Estado-Parte. A violência e a arbitrariedade como forma de gestão quotidiana das prisões nunca foi posta em causa (pelo contrário: foi institucionalizada em referência às práticas americanas da prisão de Monsanto). As universidades e os estudiosos continuam sem condições para saber o que se passa dentro das prisões, de que a ausência da publicação, desde 2010, do relatório de actividades da DGRSP e dos relatórios dos estabelecimentos prisionais é um exemplo. As inspeções continuam a não mostrar resultados palpáveis. O alheamento dos partidos políticos e do próprio Ministério da Justiça sobre o que se passa nas prisões apanha os responsáveis de surpresa sobre as perversidades como as que os jornalistas relataram recentemente, apesar das declarações do Governo em funções e da próxima visita do Comité contra a Tortura do Conselho da Europa.
Faz quase vinte anos que os antecessores de Vossa Excelência decidiram acabar com a política de amnistias sucessivas, que compensavam a tendência para o encarceramento em massa. Esgotado o prazo que o Estado deu a si próprio para humanizar o sistema de cumprimento de penas, não havendo ocorrido mudanças suficientes para que a descrição do que se passa hoje seja diferente daquilo que foi considerado intolerável então, tendo em conta as recomendações do Papa Francisco elogiado por Vossa Excelência Senhor Presidente da Republica, dada a tensão duramente acumulada nas prisões portuguesas, em pessoas, profissionais, detidos e condenados, subordinados a ordens do Estado, julgamos ser oportuno utilizar a influência da Presidência da República para encetar um processo de amnistia acompanhado de uma avaliação do que correu mal para que a democracia não tenha sabido tratar os seus presos com a dignidade que a ditadura não podia reconhecer.
Mais do que um novo ciclo político, Portugal precisa dum novo ciclo histórico. Como Vossa Excelência Senhor Presidente da República tem salientado, a moral dos portugueses será decisiva para enfrentar os tempos ainda mais difíceis que nos esperam. Ao olhar para as prisões, ao atender a como se tratam os prisioneiros, vê-se a solidariedade dum povo, a sua civilidade, terá dito Dostoievski. Uma amnistia não muda o fundamental, mas pode dar um sinal de partida que, desta vez, não seja em falso.
Carta de teor semelhante foi enviada aos Senhores Deputados da Assembleia da República.
Com as nossas cordiais saudações
Em 2 de Abril de 2016
Manuel Hipólito Almeida dos Santos - Presidente da O.V.A.R. - Obra Vicentina da Auxílio aos Reclusos
António Pedro Dores - em representação da ACED - Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento
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