"No fundo, a fotografia é subversiva, não quando aterroriza,
perturba ou mesmo estigmatiza, mas quando é pensativa".
(Roland Barthes)
Em 40 anos de profissão, a obra do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado personificou por completo a definição de Roland Barthes. Seja em Serra Pelada, na Indonésia ou em Ruanda, sua estética impactante sempre foi encravada de reflexão. Acusado por parte da crítica por alastrar o que chamam de "cosmetização da miséria", as lentes de Salgado apenas captam o que há de mais amargo nos paladares da humanidade, por mais manipulador e piegas que isto soe. Dirigido por Wim Wenders - que já filmou com destreza vida e obra dos músicos "super-avôs" cubanos, emBuena Vista Social Club (1999) e da coreógrafa alemã Pina Bausch, em Pina (2011) - e Juliano Ribeiro Salgado, primogênito do fotógrafo, O Sal da Terra foi indicado ao Oscar 2015, porém perdeu a estatueta para o documentário americano Citizenfour(2014), de Laura Poitras, sobre o escândalo de espionagem da NSA (National Security Agency), revelado por Edward Snowden.
Por Larissa Mendes
Apesar de não se tratar de um registro cronológico e linear, o documentário pontua brevemente sua infância em Minas Gerais, a graduação em Economia, seu casamento com Lélia Wanick, o mestrado na USP, sua longa estada na Europa e os primeiros contatos com a câmera, fotografando esportes, casamentos e até nus. Aponta suas primeiras expedições ao lado do filho Juliano e seus livros/exposições mais expressivos, com destaque para Outras Américas, Sahel - O Homem em Agonia, Trabalhadores, Êxodos e Gênesis. No entanto, o interesse maior dos cineastas diz respeito ao ser humano por detrás da objetiva, o filho-marido-pai septuagenário ante o fotógrafo social. Filmado na maior parte do tempo em P&B, com narrativa em offde Wenders e depoimentos de "Tião" e seus familiares - destaque para o pai e a esposa, peça fundamental em seu trabalho - o filme apresenta algumas cenas coloridas e uma infinidade de fotografias belíssimas - e ao mesmo tempo de uma crueza quase ficcional - obtidas pelas lentes de Salgado. Tais imagens fundem-se de tal forma que parecem ganhar até mesmo movimento quando projetadas pelo cinema de Wenders.
As minas de Serra Pelada (1986) - Sebastião Salgado. Foto pela qual Wim Wenders conheceu o trabalho do fotógrafo
Em um segundo momento, O Sal da Terra retrata a fundação do Instituto Terra, ONG criada em 1998 e destinada ao desenvolvimento sustentável do Vale do Rio Doce. Gerada em parceria com a esposa Lélia, que idealizava "plantar uma floresta", ou seja, reflorestar a Mata Atlântica nas proximidades da fazenda da família em Aimorés (MG). A Fazenda Bulcão, que deu sustento e educação aos 7 filhos do patriarca e encontrava-se à beira da destruição - hoje transformada em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) - é um exemplo de "pasto transformado em floresta", como diz a abertura do site da instituição. É a devolução do empréstimo que a família fez à própria natureza. A recuperação da estância curou também a alma de Sebastião Salgado, tão castigada com as agruras captadas, sobretudo em sua longa jornada pela África. Exausto da desventura e brutalidade humana, ele passou a dedicar-se a um projeto ambiental, fotografando ecossistemas pouco explorados, reconhecendo-se em cada animal, em cada planta, em cada povo primitivo. A documentação disso culminou no livro Gênesis, sua obra-prima, uma declaração de amor ao planeta.
Em suma, O Sal da Terra é um documentário intenso e sensível sobre o processo criativo, o mundo e a condição humana. Trata-se do encontro de dois artistas formidáveis, autores de algumas das imagens mais surpreendentes do nosso passado recente - real ou imaginário - e sua perturbação artística, porém esperançosa, diante da vida.
Larissa Mendes tem procurado diminuir o contato com o sal da Terra.
http://diversosafins.com.br/aperitivo-da-palavra-i-11/
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