Quanto mais se estuda, quanto mais fica evidente que Portugal carece completamente duma classe governativa com qualidade e competência para governar. A palavra Responsabilidade é alheia não só aos politicóides fuleiraços que grassam por aí amiúde, é desconhecida entre os dirigentes portugueses em geral.
Quem se lembra dos casos trágicos das mortes de crianças na AquaParque? Quem se lembra do caso do rapaz que morreu electrocutado quando tocou no botão dum semáforo?
Alguém se apressou a confortar as famílias? Alguém se apressou a resolver estes casos tristes o mais depressa possível, concluindo-os devida e justamente, decente e eticamente? Não, fecharam-se em copas, em reunião após reunião, os casos abriram e foram proscritos, abriram outra vez, ninguém pagou indemnizações porque ninguém era responsável. Que se lixem as vítimas, é preciso salvar a pele!
Parece uma anedota este Portugal. Falta só uma pessoa comprar um electrodoméstico que não funciona, levá-lo à loja onde o comprou e levar uma carga de porrada ou ser ridicularizado por o ter utilizado.
Mas mesmo esta analogia é errada, pois nem a loja tem responsabilidade. Comprem um electrodoméstico que deixa de funcionar durante a garantia e telefonem à loja. Não é da nossa responsabilidade será a resposta e depois de discutir um pouco, pode ser que o funcionário dê o nome da empresa que concerta as máquinas que aquela loja vende. Se tiver azar, ninguém aceitará a responsabilidade e terá de ficar sem a máquina enquanto for tratado como uma bola de pingue-pongue ou então terá de comprar outra, o que é exatamente aquilo que eles queriam que fizesse.
Não é só nos electrodomésticos, nos semáforos e nos parques de divertimento em que a palavra Responsabilidade é desentendida em Portugal. Temos agora um excelente exemplo no Ministério de Educação, que teima em não poder colocar 50.000 professores nas escolas no início do ano lectivo.
Foi o software! é a desculpa, como o rapaz de três anos que põe o dinossauro de plástico a comer as plantas no marquise, partindo-as todas e depois dá como desculpa Não fui eu! Foi o dinossauro!
Foi o software A firma Compta, que ganhou o concurso para a prestação de serviços ao Ministério de Educação rejeita por inteiro a responsabilidade pelo sucedido com a afirmação (em comunicado) «carecem de fundamento sério os comentários públicos que imputam responsabilidade à Compta no que respeita a eventuais desconformidades do software». Não foi o software então.
Software é uma resposta a uma filosofia, que tem de ser adequadamente descrita para que o programa possa ser elaborado conforme as necessidades.
Neste caso, nem a Compta diz, mas o concurso em questão teve lugar não no início de 2004, mas em 2003 e um dos fundamentais para a entrega dos documentos pelos concorrentes foi o prazo limite até ao final de Dezembro de 2003, para que o software pudesse ser implementado em Janeiro de 2004, a tempo para o início do ano lectivo em Setembro.
Se fosse o software, o quê é que os técnicos estavam a fazer em Janeiro? E Fevereiro? E Março? E Abril? E Maio? E Junho? E Julho? E Agosto?
Se alguém me dissesse que pessoas no Ministério de Educação se recusaram a utilizar o software porque não entendem nada dos computadores, acreditaria. Se alguém me dissesse que todo o processo foi motivado por interesse político, que a COMPTA fosse gerida ou controlada por pessoas ligadas ao PSD/PP, que tinha havido pagamentos de centenas de milhares de Euros pela adjudicação deste concurso a esta firma e que o processo foi gerido por incompetentes que têm as cores partidárias certas, acreditaria. Se alguém me dissesse que as pessoas competentes no Ministério (e há muitas) foram ignoradas, acreditaria a se alguém me dissesse que quem dirigia o processo nada entende de educação, também.
Se alguém me dissesse que ninguém aceita a responsabilidade, eu diria que nem é preciso dizer-mo, porque resido em Portugal há 25 anos. Que se lixe a população, é preciso encher os cofres!
Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru
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