Em outubro daquele ano, foram comemorados (melhor dizer lembrados) os 30 anos de morte do jornalista Vladimir Herzog, judeu de origem iugoslava que veio ao país em busca de um sonho e acabou morto nas dependências de uma unidade do Exército em São Paulo. O SNI- Serviço Nacional de Informações (hoje extinto) e dirigido pelo general Figueiredo que depois viria a ser presidente da República- alegou que Herzog tinha fortes ligações com o Partido Comunista Brasileiro e era também espião da KGB, serviço secreto da União Soviética.
Essa fantástica história inventada pelos órgãos da repressão é , sem dúvida, digna de riso. Faria grande sucesso nos palcos teatrais, mas acabou em verdadeira tragédia. Nem a facção do regime que defendia a volta do Estado de Direito- os castelistas- levou a sério essa afirmação, sendo ridicularizada até mesmo na intimidade da caserna.
É necessário que se desminta essa infâmia, acima de tudo por respeito à memória de Herzog. Fazê-lo não traz nenhuma dificuldade. Analisemos então os fatos a partir de três pontos principais. No primeiro, lembrando o jornalista e suas ligações com o PCB. Ninguém nega que ele tivesse simpatia pelo partido, mas era apenas um idealista que participava vez ou outra das reuniões e nunca fora preso por atividades subversivas. Na suposta confissão feita por ele ao Exército, teria dito que colaborava mensalmente com 100 reais para o PCB, o que ainda não faz de Vladimir um cidadão potencialmente perigoso.
Em segundo lugar é o que se sabe de sua vida profissional. Ao entrar para a TV-Cultura, teve sua vida pessoal intensamente investigada por órgãos como Deops e SNI. Alguém é ingênuo o bastante para acreditar que um subversivo ou mesmo espião da KGB pudesse ser aceito nos quadros de uma emissora estatal controlada pelo regime militar que, conforme farta documentação, tinha o apoio logístico dos EUA?
A leviana acusação do aparato repressivo finalmente cai por terra depois das informações dadas pelo Sindicato dos Jornalistas. Segundo ele, Vladimir Herzog se apresentou de forma espontânea na unidade do II Exército, o DOI (Departamento de Operações Internas) e de lá saiu morto dois dias depois, para desespero da família e da facção que defendia a abertura, comandada pelo general Golbery.
Se o jornalista fosse realmente um espião da KGB não teria em sã consciência se entregado dessa forma, preferindo, isso sim, ter fugido para fora do Brasil.
Além disso, não havia nenhuma possibilidade para que se instalasse no país um regime comunista. Documentos mostram que as células (pequenos núcleos de resistência) montadas pelos rebeldes eram bem pequenas e jamais poderiam vencer uma guerra contra o efetivo das Forças Armadas. O PCB foi aniquilado com facilidade graças aos delatores premiados, alguns deles-por ironia- colegas do próprio Herzog.
● Gérson Siqueira é jornalista em São Paulo, Brasil. Colabora com vários jornais e revistas, é membro da ABI- Associação Brasileira de Imprensa e fundador da Unijor-União Nacional de Jornalistas. Contatos: [email protected].
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