Há uma boa dose de cinismo nas declarações das autoridades a respeito dos atos de selvajaria que resultaram na morte de inocentes, queimados vivos dentro dos ônibus incendiados no Rio de Janeiro. Poucas semanas atrás, um crime semelhante numa cidade do interior de São Paulo resultou na morte de quatro pessoas. Mas há incontáveis casos de violência que só aparecem na frieza das estatísticas.
Todos os dias pessoas são assassinadas, estupradas, agredidas em recônditos episódios de criminalidade na periferia das grandes cidades, nos morros e rincões mais longínquos do Brasil. Uma fração ínfima - cerca de 5% para uns, 2% para outros analistas dos crimes notificados são esclarecidos, não obstante ser verdade que as polícias prendem muito. E, se a aplicação da lei alcançasse utópicos, digamos, 20%, onde seriam aprisionados os bandidos? As cadeias, abarrotadas, guardam presos em condições degradantes. E não estão mais lotadas porque neste país só fica preso definitivamente quem, com dinheiro e bons advogados, é condenado em última instância; isto quando o crime não prescreve.
Seriam necessárias dezenas de novos presídios por ano apenas para acompanhar o atual ritmo de prisões efetuadas, e nenhuma cidade se dispõe a abrigá-los. Para complicar, a eterna falta de recursos financeiros, visível nos armamentos arcaicos, como os indefectíveis revólveres calibre .38.
Mas, como se a questão fosse de uma simplicidade ofuscante, o presidente Lula confundindo crime comum com terrorismo, diz que é necessário mudar leia-se endurecer a lei, e sai de férias. O novo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB), quer as Forças Armadas nas ruas para criar a sensação de segurança, esquecendo-se de que os militares não têm poder de polícia exceto nas fronteiras -, e que, se requisitados, o comando de toda a Força, inclusive da PM, teria de ser transferido a eles.
Cabral, no entanto, merece o crédito de haver lançado a discussão acerca do turno de serviço dos policiais, que hoje trabalham 24 horas e descansam 72. Na verdade, não repousam todo esse tempo, porque fazem trabalhos extras, os chamados bicos, para complementar o orçamento.
De fato, um plantão de 24 horas é uma estupidez. Ninguém, por mais bem treinado que seja, terá bons reflexos após doze, quinze ou mais horas de trabalho contínuo, o que compromete a segurança do agente e da população.
Que seja, as Forças Armadas e a Guarda Nacional atuam no Rio por um certo tempo, a violência se esconde, mas não cessa, e depois não se fala mais no assunto até o próximo episódio. No interregno, reina a sensação de segurança almejada pelo governador fluminense.
É tomar os cidadãos por ingênuos querer que acreditem que tudo se resolverá com ações espetaculosas e o endurecimento das leis. É preciso, sim, mudar o Código Penal no tocante aos crimes não-violentos, como o furto e o estelionato (e até a prisão por falta de pagamento de pensão alimentícia), por exemplo, cujos autores podem muito bem merecer penas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade.
Uma jornada longa, a redução da criminalidade transita da educação de qualidade à criação de empregos, que, por sua vez, depende do decantado crescimento do PIB, etc, passando pela unificação das polícias e melhoria dos salários dos agentes.
Não é um tema singelo, mas há providências ululantemente óbvias que poderiam ser tomadas. É inegável que há certa negligência e mau planejamento na área da Segurança Pública.
Um exemplo insofismável é a falta de comunicação entre as polícias dos Estados. Não é possível que conectar os bancos de dados dos tribunais e das Secretarias de Segurança das unidades da federação, nos dias de hoje, seja uma tarefa tão difícil. Não se pode aceitar, também, que as autoridades não consigam acabar com a entrada de celulares - e respectivos carregadores - nos presídios.
Já o crime organizado, no qual se inclui a corrupção, há que ser combatido especialmente com inteligência policial e fiscal, e aqui cai como luva a lembrança de que a prisão de Al Capone se deu pela ação do Internal Revenue Service (IRS), a Receita Federal dos EUA.
Luiz Leitão
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