Urso de Ouro iraniano é sobre a pena de morte
O filme iraniano There is no Evil (Não há nenhum Mal), filme crítico da pena de morte no Irã ganhou o principal prêmio da Berlinale, o Urso de Ouro. Mas seu diretor, o iraniano Mohammad Rasoulof não pôde vir a Belim, nem para a estréia do filme e nem para receber o prêmio.
Mohammad foi condenado a um ano de prisão por seu filme anteior Um Homem Íntegro, sobre a corrupção na polícia iraniana, premiado em Cannes na mostra Um Certo Olhar, considerado pelo governo iraniano como "propaganda contra o Irã".
O cineasta iraniano já vinha sendo tolhido de sua liberdade em setembro de 2017, quando foi privado do direito de circular livremente dentro do seu próprio país e de viajar para o Exterior, sendo confiscado seu passaporte.
Sua condenação há um ano, em julho do ano passado, incluiu igualmente a proibição de sair do Irã por dois anos. Já em 2011, Mohammad não pôde ir a Cannes receber seu prêmio na mostra Um Certo Olhar por outro filme, Até Logo. Esse filme também lhe tinha custado um ano de prisão "por atividades contra a segurança nacional".
Essa condenação quase coincidiu com a condenação de outro grande cineasta iraniano, Jafar Panahi, premiado em Cannes, Veneza e Berlim, por filmes críticos da sociedade iraniana, como a condição das mulheres. Existe uma longa lista de cineastas iranianos cujos filmes foram proibidos no Irã ou que decidiram fazer cinema fora do Irã.
Segue uma síntese do filme
Heshmat, um marido e pai exemplar, acorda muito cedo todos os dias. Onde ele vai? Pouya não pode imaginar matar outro homem, mas lhe dizem que deve fazê-lo. Javad não sabe que propor a sua amada não será a única surpresa no aniversário dela. Bahram é médico, mas é incapaz de praticar medicina. Ele decidiu explicar à sobrinha visitante o motivo de sua vida como pária.
As quatro histórias que compõem Não há Nenhum Mal oferecem variações sobre os temas cruciais da força moral e da pena de morte, perguntando até que ponto a liberdade individual pode ser expressa sob um regime despótico e suas ameaças aparentemente inescapáveis.
Mohammad Rasoulof apenas cria um elo narrativo frouxo entre essas histórias e, no entanto, todas elas estão trágica e inexoravelmente conectadas. No contexto da opressão estrutural, a escolha parece se limitar a resistir ou sobreviver. Mas a cada história interrompida abruptamente, somos instados a considerar como homens e mulheres podem afirmar sua liberdade, mesmo em tais situações.
Um risco para o Brasil
A lição que se pode tirar da experiência do cineasta Mohammad é a de que certas semelhanças do Irã com o Brasil devem ser consideradas com atenção. O Irã é um Estado religioso e são os molás ou o clero iraniano que controlam o país. O próprio poder político deve obediência ao aiatolá. Ou seja, o chamado poder divino dirige o poder político.
Não se pode dizer que os evangélicos terão, nos próximos anos, o controle temporal e político do Brasil, à maneira dos chefes religiosos muçulmanos iranianos. Porém, poderão assumir um controle tácito e indireto do país. E dominada a maioria da população crédula, será quase impossível se retornar a um Estado laico.
No caso do cinema, se as atuais dificuldades do cinema brasileiro se complicarem com um controle das produções e uma entrega do cinema aos evangélicos, os filmes governistas e religiosos resultantes irão reforçar o controle autoritário e cultura do pensamento.
Mohammad não esconde viver o Irã um clima de ditadura, O Brasil vive hoje um clima de pré golpe para uma ditadura, cuja base ideológica será evangélica e reacionária. Que a experiência vivida hoje pelo cineasta Mohammad Rasoulof não venha a ocorrer com os cineastas brasileiros num futuro próximo.
Rui Martins, do Festival Internacional de Cinema de Berlim.
(iremos comentar os outros filmes, hoje premiados em Berlim)
Foto: By Robert Debowski - https://www.flickr.com/photos/ktz/59433562/, CC BY 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2050073
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