O genocídio de Gaza, a questão palestina e o começo do fim do sionismo

Edmilson Costa*

A invasão e o massacre de Gaza, uma espécie de campo de concentração a céu aberto, pelas forças sionistas de Israel, já dura mais quase cem dias e, ao contrário das velhas guerras do passado, o genocídio do povo palestino de Gaza está sendo transmitido e visto por milhares de milhões de pessoas, em tempo real, pelos meios de comunicação e mídias digitais. A justificativa para essa barbárie foi o ataque da resistência palestina, liderada pelo Hamas, dia 7 de outubro, a bases militares e agrupamentos de colonos sionistas, quando centenas deles foram mortos e sequestrados durante o ataque. Acostumados em realizar arbitrariedade contra os palestinos, há cerca de 75 anos, como segregação racial, cerca militar de suas regiões, assassinatos coletivos, prisões, tortura, morte de prisioneiros políticos e humilhações de todo tipo, o exército de ocupação sionista foi pego de surpresa em 7 de outubro e sofreu uma derrota histórica. 

A arrogância e a impunidade eram tão grandes que, mesmo com informações dos órgãos de inteligência, de que haveria a possibilidade de um ataque da resistência palestina, os dirigentes sionistas não levaram a sério as informações porque imaginavam que os palestinos jamais seriam capazes de enfrentar em campo aberto o exército sionista, afinal os sionistas os consideram cidadãos de segunda classe. Subestimaram a resistência e sofreram uma derrota que ficará marcada na história como o começo do fim da política sionista e a retomada do processo de libertação da palestina em outro patamar. Os sionistas esqueceram que aqueles garotos que enfrentavam tanques e metralhadoras com pedras e estilingues cresceram, aprenderam a manejar armas, se tornaram guerrilheiros e defensores de seu povo e colocaram em xeque o mito do maior, mais poderosos e bem equipado exército do Oriente Médio e do melhor e mais eficiente serviço de informações do planeta. Tudo isso virou pó em menos de 24 horas.

Os meios de comunicação, quase todos alinhados com a propaganda sionista, procuram vender uma imagem de que o governo de Israel é vítima do terrorismo e que os palestinos e suas organizações de resistência são um bando de bárbaros que matam civis inocentes e que querem jogar Israel ao mar. Essa vitimização permanente do povo judeu tem sido a tônica, desde o final da Segunda Guerra, para ganhar a simpatia mundial, mas pouca se fala do que realmente significa para os palestinos as atrocidades do Estado de Israel. É verdade que o nazismo matou cerca de seis milhões de judeus nos campos de concentração e câmara de gás, mas isso não justifica as brutalidades que os colonialistas de Israel cometem diariamente contra o povo palestino, especialmente neste momento. A propósito, é bom lembrar que a União Soviética, mesmo perdendo 26 milhões de seus habitantes para livrar a humanidade do nazismo, mais de quatro vezes as mortes dos judeus, não se vitimiza permanentemente nem disso faz marketing para justificar suas ações. Inclusive é bom lembrar que foi o Exército Vermelho quem libertou a maioria dos campos de concentração e dos judeus que sobreviveram à barbárie nazista. 

Que ninguém se engane: os sionistas consideram os palestinos “animais humanos” e seu projeto sionista, desde os primórdios, é ocupar toda a região e expulsar os palestinos de suas terras, o que vem sendo operado meticulosamente desde antes da fundação do Estado de Israel. Se observarmos o mapa da Palestina antes de 1948, e o que resta hoje, poderemos ver claramente o avanço do sionismo sobre os territórios da região e, consequentemente, a brutalidade, as normas e restrições cada vez mais duras contra a população palestina, como o controle da eletricidade, da internet, do trânsito de pessoas, da água, da comida, as restrições contra os camponeses, a destruição de plantações agrícolas, das oliveiras centenárias e, principalmente, a repressão permanente e cada vez mais brutal contra a população civil, que inclui prisões arbitrárias, inclusive de crianças e adolescentes, invasões de bairros e acampamentos e assassinatos em massa de civis, além da destruição de residências daqueles que os sionistas consideram simpatizantes da resistência. Tudo isso transformou Israel num Estado tipicamente colonial, racista, que opera uma espécie de apartheid muito semelhante ao que os racistas da antiga África do Sul realizavam contra a população negra daquele País.

Do romantismo ao colonialismo

Para compreendermos o conflito atual, é importante rememorarmos rapidamente um pouco da história daquela região. A história do povo judeu é muito romantizada e seus líderes, numa grande jogada de marketing, transformaram os relatos do antigo testamento bíblico num livro de história para tornar verdade uma série de episódios pouco críveis relacionados à trajetória dos judeus, bem como justificar as atuais medidas tomadas pelo Estado sionistas contra os palestinos.[1] O certo é que os palestinos vivem na região há mais de dois mil anos e, ao longo desse período, palestinos e os judeus que continuaram na região (algo em torno de 10%) conviveram pacificamente. Historicamente, ao longo de vários séculos a Palestina esteve sob o domínio dom Império Otomano. Com o final da primeira guerra e a divisão do Oriente Médio entre ingleses e franceses, a Palestina ficou sob o domínio do Reino Unido. 

No período que vai do mandato britânico até a segunda guerra, as famílias endinheiradas judias, influenciadas pela pregação sionista de criação de um Estado judeu na Palestina e com o apoio britânico, começaram a financiar a compra de terras e estimular a imigração de judeus para a região, o que foi facilitado pelo fato de que estavam sendo perseguidos por Hitler. No entanto, com as barbaridades cometidas pelos nazistas nos campos de concentração, a necessidade de construção de um Estado judeu ganhou simpatia mundial. Enquanto se discutia os trâmites para a criação desse Estado na ONU, os sionistas mais radicais, que depois se tornaram dirigentes do Estado de Israel, como Menachen Begin e Yitzhak Shamir,  criaram organizações terroristas que semearam o terror e massacraram populações palestinas visando expulsá-las de suas terras.[2] 

Em 1947, a Assembleia Geral das Nações Unidas, decidiu criar o Estado de Israel nas terras palestinas, nas quais os judeus ficaram com 53% e os palestinos com 47% e cerca de quatro meses depois é fundado o Estado de Israel, inclusive com apoio de Brasil e União Soviética que viam naquele novo Estado um aliado contra as monarquias feudais árabes e, politicamente, porque suas lideranças estimulavam a criação de kibutz, que eram fazendas coletivas com meios de produção próprios, com igualdade social entre seus membros e com prioridade na educação de seus membros. Mas logo depois os árabes (Egito, Síria, Jordânia, Líbano e Iraque) declaram guerra ao novo Estado. Apoiado pelas potências vitoriosas na segunda guerra, Israel derrotou os árabes e aproveitou a vitória para ampliar seu espaço no território palestino para 79% das terras. 

É nessa oportunidade que ocorre aquilo que ficou conhecido na história como nakba, ou a catástrofe, na qual cerca de 750 mil palestinos foram obrigados a fugir das terras em função do terror sionista, deixando para trás suas casas, propriedades e a própria nação em que viviam historicamente. Até hoje continuam no exílio em acampamentos ou vilas precárias em vários países da região e nunca mais puderam voltar às suas terras de origem. A política expansionista do Estado sionista continuaria, especialmente com a nova guerra árabe-israelense de 1967, que envolveu Síria, Egito e Jordânia, na qual novamente os árabes foram derrotados e Israel passou a controlar Jerusalém Oriental, Cisjordânia, Sinai e Colinas de Golã, ampliando ainda mais a expansão colonial. Os árabes tentaram novamente reconquistar as terras perdidas em 1973, mas foram novamente derrotados. 

Criação e declínio da OLP

Alguns anos antes os palestinos criaram a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), uma frente político-militar que na época reunia todas as facções palestinas e que passaria a comandar a luta interna contra Israel tanto do ponto de vista político quanto da luta armada. A criação da OLP representou um salto de qualidade na luta dos palestinos contra a ocupação israelense, uma vez que agora os palestinos passariam a contar com uma organização própria para combater o sionismo e a ocupação. Nesse período, a luta dos palestinos contava com o apoio dos soviéticos e dos países do Leste, além de vários países árabes e a OLP conseguiu realizar um conjunto de ações, tanto interna quanto no exterior, que chamaram a atenção do mundo para a causa palestina e contribuíram para organizar o povo palestino contra a ocupação. Mas a luta da OLP sofreria uma série de percalços após a queda da União Soviética, que era uma âncora importante na luta dos palestinos. Esse processo começou a partir da assinatura a partir dos Acordos de Oslo onde pela primeira vez os palestinos, através da OLP, reconhecem o Estado de Israel, o que gerou forte oposição interna e, consequentemente, a formação de várias organizações que não mais reconheceriam a OLP, como o Hamas e a Jihad Islâmica.[3] Realmente, a assinatura dos Acordos de Oslo representou uma mudança política radical, pois anteriormente a OLP não reconhecia o Estado israelense e propunha um único Estado na região, onde palestinos e judeus poderiam viver pacificamente.

 

Os Acordos de Oslo foram firmados entre o governo israelense, chefiado por Yitzhak Rabin, e pela OLP, dirigida por Yasser Arafat, em 1993. Por esse acordo os palestinos reconheciam o Estado de Israel e, em troca, os israelenses reconheceriam a OLP como legítima representante do povo palestino. Em consequência dos acordos Rabin e Arafat ganharam o Prêmio Nobel da Paz. Os acordos previam a retirada dos israelenses da Faixa de Gaza e o desmantelamento dos assentamentos na Cisjordânia, além de que os territórios passarias a ser administrados parcialmente pela Autoridade Nacional Palestina, entidade constituída após a assinatura dos acordos. No entanto, a entidade sionista continuaria controlando setores chaves do território palestino, como a água, a eletricidade, comércio internacional, impostos, etc., além do fato de que os palestinos não poderiam ter seu próprio exército nem uma moeda nacional. Em termos concretos, continuaram também os postos de controle israelense, as prisões arbitrárias e a dependência econômica, o que praticamente deixou a Autoridade Palestina refém do sionismo e da ajuda internacional, o que politicamente enfraqueceu a OLP junto a vários setores da população palestina.

 

Na verdade, os acordos não atendiam as demandas históricas do povo palestino, como o retorno dos refugiados expulsos no período da nakba, nem a definição do status de Jerusalém e muito menos a libertação dos prisioneiros palestinos. Por isso, a autoridade da OLP começou a ser contestada, principalmente pela juventude. Um ano depois dos acordos, após ganhar o prêmio Nobel da Paz, Rabin foi assassinado por um radical sionista. Nas eleições seguintes a extrema-direita, o Likud, fusão de antigos grupos terroristas de Israel, ganhou as eleições e Benjamin Netanyahu enterrou definitivamente os Acordos de Oslo. No ano 2000, com Netanyahu fora do governo, ocorreu novamente uma tentativa de acordo, na chamada Cúpula de Camp David, mas não se chegou a nenhum resultado porque Arafat, já muito contestado internamente, não cedeu às novas pressões de Israel. Ainda em 2008 buscou-se nova tentativa de acordo, mas também não se obteve qualquer resultado. Posteriormente, em 2009, Netanyahu ganhou novamente as eleições e encerrou qualquer tipo de negociação com a OLP.

As novas organizações de resistência

É nesse contexto que deve ser entendido o crescimento de grupos fora da OLP, como o Hamas, Jihad Islâmica, entre outros, grupos político-militares-religiosos que nunca reconheceram Israel. Nessa mesma conjuntura surgiram ainda dissidências internas na própria organização do Fatah, principal organização da OLP, os Comitês de Resistência Popular e a organização comandada por Marwan Barghouti, a Al Mustaqui (O Futuro).  Mas outros fatores também contribuíram para a mudança de perfil da resistência palestina: a) não se pode esquecer que a União Soviética apoiava firmemente os palestinos e, com sua desagregação, os palestinos perderam uma de suas principais âncoras militares e diplomáticas. Além disso, o fracasso dos Acordos de Oslo, Camp David e outros contribuíram para desmoralizar a Autoridade Nacional Palestina (ANP), que passou a ser vista, principalmente pela juventude, como muito moderada e vacilante, enquanto os sionistas continuavam tomando terras, aumentando as arbitrariedade, perseguições e prisões, além do fato de que existiam muitas denúncias de corrupção contra a liderança do Fatah, principal grupo da OLP, além da percepção de que esta representava muito mais os interesses da burguesia palestina que do conjunto dos palestinos.

 

Mas o desprestígio da |OLP ficaria mais claro quando o Hamas ganhou as eleições legislativas em Gaza, em 2006, o que significou um duro golpe às posições moderadas em relação a Israel, uma vez que o Hamas nunca reconheceu o Estado sionistas e sempre esteve entre as suas táticas a luta armada contra o exército de ocupação. As contradições foram se acirrando, porque tanto os Estados Unidos quanto Israel, exigiam que a Autoridade Palestina combatesse o Hamas, mas internamente isso se tornara inviável em função da sua popularidade junto à população de Gaza. Esse processo culminou com a tentativa da OLP de dissolver o governo do Hamas em Gaza, mas essa medida foi ignorada pelo Hamas que, além de denunciar esse fato como uma tentativa de golpe militar, em contrapartida, expulsou os integrantes do Fatah de Gaza, ocupou suas sedes, confiscou suas armas e formou um governo independente da ANP em Gaza. Israel então bloqueou a Faixa de Gaza, passando a controlar a entrada e saída das pessoas, o que transformou a região no maior campo de concentração a céu aberto no mundo.

 

Mesmo não reconhecido pela maioria dos países, o governo do Hamas continuou sua estratégia de se contrapor à ocupação israelense mediante a combinação de métodos políticos e militares para expulsar o exército israelense da região. Agora com o 7 de outubro todos ficamos sabendo que a estratégia do Hamas de resistir à ocupação e à brutalidade sionistas tinham enraizamento muito maior do que se imaginava. Basta constatarmos, com a guerra, o enorme trabalho de organização militar que o Hamas realizou com a construção de milhares de quilômetros de túneis por toda a região de Gaza, onde montou sua infraestrutura e onde seus militantes, treinados dentro e fora de Gaza, realizam o enfrentamento com Israel. Os relatos informam que é uma rede construída com as mais modernas técnicas de edificação com capacidade para estocar todo tipo de armamento, inclusive mísseis, alimentação, combustível, alojamentos para os militantes, calefação, logística de comunicação e pontos de saída camuflados para que os guerrilheiros possam atacar o inimigo em qualquer das regiões de Gaza. Evidente que tudo isso foi construído com o financiamento de nações que têm simpatias com esse grupo político-militar, mas não se pode deixar de reconhecer que foi um trabalho muito bem elaborado ou como se diz popularmente, feito nas barbas de Israel e sua famosa inteligencia. 

 

Mas Frente de Resistência Palestina, que atualmente enfrenta o Exército invasor não é composta apenas pelo Hamas, como tenta fazer crer a propaganda sionista, mas por um conjunto de organizações dos mais diversos perfis ideológicos, desde aquelas de caráter marxista-leninista até os grupos fundamentalistas religiosos como o Hamas e Jihad Islâmica.  Para entendermos os meandros do conflito atual, é importante conhecermos as principais organização que organizaram o 7 de outubro e que estão em luta contra o exército sionistas, de forma a que não caiamos no conto da propaganda sionista de que a guerra é para derrotar os “terroristas do Hamas”. A Frente de Resistência Palestina, que organizou o 7 de outubro, é formada pelas seguintes organizações: Hamas, a maior de todas em Gaza, Jihad Islâmica, a segunda maior na mesma região, Frente Popular para a Libertação da Palestina, a maior de todas as organizações marxistas,  Frente Democrática Para a Libertação da Palestina e Frente Popular para a Libertação da Palestina – Comando Geral. Mas existem ainda organizações que apoiam ativamente a luta palestina desde fora do País e constituem o chamado o Eixo da Resistência, constituído pelo Hezbollah, que atua desde o Líbano, guerrilhas na Síria, Iraque e os houthis, no Yemen, que abriram outras frentes de luta visando a que os sionistas não possam concentrar todo seu fogo contra Gaza.

 

Vejamos as principais características políticas e ideológicas das organizações envolvidas diretamente na luta armada contra a ocupação sionistas:

 

Hamas – Organização político-militar de caráter fundamentalista religioso, apoiada por alguns países árabes como o Qatar e Irã. O Hamas controla a Faixa de Gaza desde 2006 quando expulsou o Fatah da região. Seu poderio pode ser explicado tanto por questões políticas quanto militares e calcula-se que tenha entre 20 mil e 40 mil militantes armados. O Hamas recebe financiamento e treinamento militar de países árabes e até início da guerra centralizava o governo em Gaza, bem como toda parte administrativa e financeira da região. Nesse momento é a maior das organizações em luta contra os sionistas. Não faz parte da OLP e seu braço armados são as Brigadas Al Qassam.

 

Frente Popular Para a Libertação da Palestina (FPLP), organização de caráter marxista-leninista, fundada em 1967 por Georges Habash e outros líderes palestinos, combina atividades políticas com ações militares e tem como braço armado as Brigadas Abu Ali Mustafa. Realizou várias ações no exterior e internamente contra alvos sionistas e ocidentais nas décadas de 70 e 80, mas diminuiu sua influência com a queda da União Soviética, muito embora continue sendo a maior das organizações marxistas palestinas. Faz parte da OLP e defende o socialismo e a formação de um único Estado na Palestina, democrático e laico, onde judeus e palestinos possam viver pacificamente.

 

Jihad Islâmica – Fundada em 1981 na Faixa de Gaza, inicialmente como um braço militar da Irmandade Muçulmana. A Jihad é grupo também fundamentalista religioso, sendo inspirada pelos princípios do Islã Político e tornou-se conhecida pelos atentados a alvos sionistas no interior de Israel. Igualmente ao Hamas, não está vinculada a OLP e se contrapõe aos acordos de paz com Israel e acredita que a luta armada é o único caminho para a libertação da Palestina. É a segunda maior organização em Gaza e recebe apoio logístico e financeiro de vários países árabes e reivindica a criação de um Estado Palestino independente em toda a região da Palestina histórica. Seu braço armado é constituído pelas Brigadas Al-Quds.

 

Frente Democrática para a Libertação da Palestina  (FDLP) – Dissidência da FPLP fundada em 1969 por Hayef Hawatmeth, a FDLP também se declara marxista-leninista, defende o socialismo, mas já flertou com o maoismo no passado, buscando se diferenciar da FPLP. Realizou várias ações contra alvos israelense, tanto interna quanto no exterior, e faz parte da OLP. Também combina ações militares com atividades políticas. Defende a solução de um único Estado na região onde palestinos e judeus possam viver pacificamente. Seu braço armado são as Brigadas de Resistência Nacional.

 

Frente Popular para a Libertação da Palestina – Comando Geral. Dissidência da FPLP, essa organização foi fundada em 1968 por Ahmed Jibril, sendo uma das organizações mais militaristas da região. Nas décadas de 70 e 80 também realizou vários ataques contra soldados sionistas e cooperou com o Hezbollah no Sul do Líbano e com a Síria na luta contra o Isis.  Essa organização se se desligou da OLP em 1974, por considerá-la conciliatória, sendo considerada a mais esquerdista e militaristas das organizações de resistência palestina. Seu braço armado são as Brigadas Jihad Jibril.

 

Existem ainda outras organizações que não fazem parte da atual Frente de Resistência, como a Al Fatah, a maior e mais antiga das organizações palestinas, fundada em 1959 por Yasser Arafat. Desenvolveu no passado várias ações guerrilheiras contra Israel, mas envolveu-se em vários acordos de paz que desprestigiaram sua liderança junto aos palestinos, o que resultou em dissidência internas, com líderes mais populares que o atual presidente da ANP. Sua atual liderança é Mahmoud Abbas, que também é o presidente da Autoridade Nacional Palestina. O Fatah aceitou os acordos de Oslo, que reconhecia Israel e atualmente defende a criação de dois Estados – um palestino e outro israelense. Seu braço armado são as   Brigadas dos Mártires Al-Aqsa. 

 

Existe uma dissidência do Fatah muito forte e com enorme prestígio entre os palestinos, mas que não está na Frente de Resistência atual, a Al Mustaqui (O Futuro) liderada pelo histórico dirigentes do Marwan Bargouthi, preso em Israel desde 2002 e condenado a cinco prisões perpétuas, fundada em 2005. Marwan foi secretário-geral do Fatah, fundador do seu braço militar e um dos principais líderes das duas Intifadas contra Israel. A prisão e as condenações só aumentaram seu prestígio junto aos palestinos e dizem que hoje, se houvesse eleições na região, ele ganharia, inclusive do Hamas e de Abbas. A Al Mustaqui é composta em grande parte por membros da jovem guarda do Fatah que estava em desacordo com sua linha política e com a corrupção na organização. A força de seu prestígio pode ser medida pelo fato de que o Documento de Conciliação Nacional, inspirado por ele, foi aceito por todas as organizações palestinas como base para um futuro governo de unidade nacional a ser alcançado.

 

Existe ainda os Comitês de Resistência Popular (CRP), dissidência do Fatah, fundado em 2000, cujo Líder é Ayman Shashniya e sua ala militar são as Brigadas Al-Nasser Salar al-Deen. Os dados indicam que os CRP são a terceira organização mais forte em Gaza. Seu braço militar é conhecido como Brigadas Al Nasser Salah Al-Deen.  Há ainda uma organização dirigida por Mustafá Barghouti (médico formado em Moscou), criada em 2002, com a participação do conhecido intelectual Edward Said, denominada Al Mubadara (Iniciativa Nacional palestina). Mustafá foi candidato a presidente na Palestina em 2006 e obteve um terço dos votos. Sua organização é filiada à Internacional Socialista e propõe uma resistência de massas não violenta a Israel, semelhante ao modelo Ghandi na Índia, e tem apoio entre os grupos laicos palestinos e junto ao movimento pacifista israelense.[4]   

 

Além dessas organizações, existem ainda dois partidos comunistas, O Partido Comunista Palestino, PCP, histórico partido comunista da região, que reunia árabes e judeus que atuavam no território da Palestina. fundado em 1919. Quando foi aprovado o Estado de Israel, os comunistas apoiaram a criação do Estado israelense e os comunistas do novo Estado fundaram o Partido Comunista de Israel, que também reivindica sua fundação em 1919. O PCP  que se define como marxista-leninista e afirma lutar para ser a vanguarda dos trabalhadores palestinos. Passou por grande turbulência interna após a queda da União Soviética, com a divisão da organização, mas se manteve fiel aos princípios marxistas. O PCP defende o estabelecimento de um único Estado na Palestina onde todos os povos possam viver democrático e pacificamente. Suas ações são mais voltadas pera a organização dos trabalhadores e da população e, aparentemente, não possui um braço armado.

 

Existe ainda o Partido Popular Palestino (PPP), fundado em 1982, dissidência do PCP. Mesmo sendo dissidente, o PPP não se tornou um partido de direita. Participou da primeira Intifada e da delegação para os Acordos de Oslo, em 1993. Nas eleições para o Conselho Legislativo Palestino, de 2006, o PPP formou uma aliança com a Frente Democrática para a Libertação da Palestina e a União Democrática Palestina (a Al Badil, A Alternativa) e essa aliança conquistou dois lugares no Conselho. Tem boas relações com o Partido Comunista de Israel. Em 1997 o PPP também se dividiu com a saída de Mustafá Barghouti para fundar a Iniciativa Palestina.

 

Essas são as principais organizações que atuam na Palestina. Existem muitas outras organizações menores, mas sem a influência destas aqui citadas.[5] . 

 

O cotidiano de brutalidades e humilhações

 

As brutalidades contra o povo palestino pelos sionistas ocorrem desde antes da criação do Estado de Israel, mas foram se intensificando à medida que os sionistas ampliavam o confisco de terras na Palestina, após as vitórias Israel nas guerras contra os países árabes (1967/1973), a partir das quais passaram a controlar cerca de 77% do território da região, incluindo Sinai, Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Colinas de Golã. Após o Acordo de Oslo e o reconhecimento de Israel pelo Egito e a Jordânia, Israel devolveu o Sinai, a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, onde está a sede da Autoridade Palestina em Ramallah. A propósito, a Cisjordânia não é inteiramente dos palestinos, pois pelos acordos 18% ficaram sob o controle da ANP, 22% sobre controle conjunto Israel-Palestina e 60% sobre o controle de Israel. O caráter racista de Israel foi aprovado pelo Parlamento israelense, quando foi definido o caráter judaico do Estado de Israel, medida que institucionaliza a etnia de um povo sobre outro.

 

Mesmo com os acordos, Israel continuou a sua política de assentamentos em Jerusalém Oriental e Cisjordânia, proporcionando aos colonos, que hoje já somam mais de 700 mil pessoas, uma série de benefícios, como subsídios financeiros, sistema de água e eletricidade, além de proteção do Exército e entrega de armamentos, sob o pretexto de que é necessário para sua defesa. Sob a proteção do exército sionista, os colonos cometem cotidianamente as maiores atrocidades contra a população local, como a expulsão de suas terras, derrubada das oliveiras e destruição de plantações, além da violência e assassinatos de palestinos. Mesmo sendo considerados ilegais pela ONU e pela comunidade internacional, Israel continua estimulando a construção de assentamentos, pois sua política estratégica dos sionistas é expulsar os palestinos dos territórios e ocupar toda a região, pois os sionistas se consideram o povo escolhido e consideram a Palestina Terra Prometida pelo deus bíblico. 

 

Numa região com grande tensão hídrica, Israel controla mais de 90% da água do rio Jordão, a eletricidade, as costas marítimas, as fronteiras, as telecomunicações, a entrada e saída de pessoas e alimentos nos chamados postos militares de controle, além da economia palestina. Para garantir seu poderio, Israel gasta anualmente cerca de R$ 120 bilhões com as forças militares e de inteligência, o que lhe permitiu formar um dos mais poderosos exércitos do mundo, com uma vantagem especial que todos sabem, mas poucos denunciam: Israel tem um significativo estoque de armas nucleares. Enquanto o imperialismo estadunidense, com sua dupla moral, fica esbravejando e impondo sanções contra países que buscam o desenvolvimento da energia atômica ou de armas atômicas, como Irã e Coréia Popular, fecha os olhos, protege o imenso arsenal nuclear sionista e finge que não sabe e busca de todas as formas evitar uma investigação internacional sobre o problema.

 

Esse imenso poder militar e econômico é que possibilita aos sionistas realizarem cotidianamente todo tipo de atrocidade contra os palestinos. Trata-se de um dos governos mais repressivos do mundo contra um povo em regime de ocupação. Sob o pretexto de combater o terrorismo, destrói a infraestrutura agrícola dos camponeses palestinos, queima suas plantações e colheitas, derruba com escavadeiras residências e instalações pecuárias para criação de animais daqueles que consideram suspeitos, impõe restrições rigorosas para o movimento dos palestinos, incluindo o fechamento de entrada de vilarejos e estradas. Além disso, o exército sionista realiza permanentemente a repressão e o assassinato seletivo de todos aqueles que considera terrorista, impõe punição coletiva a bairros inteiros, com destruição de encanamentos de água e esgoto onde a resistência palestina realiza atos contra as forças de ocupação, e realiza prisões em massa, especialmente de jovens e crianças quando há protestos contra as arbitrariedades do exército sionista. 

 

Um dos elementos mais odiosos da política sionista na região são as chamadas prisões administrativas, medida utilizada largamente nos territórios ocupados para conter os protestos populares contra a ocupação, desde 1967. Essas prisões são inspiradas nas medidas realizadas pelo o império britânico quando este tinha mandato colonial sobre a região da Palestina. São realizadas da maneira mais arbitrária possível, uma vez que, por esse mecanismo, qualquer pessoa pode ser detida sem culpa formada, sem provas, sem defesa, bastando apenas Israel alegar razões de segurança. Como não existe nenhum procedimento que permita que o detido possa se defender, os presos são encarcerados por anos a fio, ressaltando-se que existiram presos que passaram mais de 15 anos nas chamadas prisões administrativas. Antes do início do genocídio contra Gaza existiam mais de sete mil e quinhentos presos políticos palestinos nas masmorras de Israel. Com a guerra até agora já foram detidos mais de 4.500 palestinos. Muitos são torturados da maneira mais selvagem, humilhados e outros mortos e desaparecidos durante a prisão. 

 

Em outras palavras, essa opressão cotidiana do povo palestino, que se tornou mais dura após a emergência da extrema-direita no governo de Israel, nos permite definir que Estado sionista é um Estado colonial que rouba as terras palestinas, considera os palestinos cidadãos de segunda classe (animais humanos como diz o atual governo), realiza uma política de apartheid semelhante ao que os racistas faziam na África do Sul, visando a limpeza ética, se utiliza da repressão militar para prender e assassinar os que são suspeitos ou se contrapõe à ordem ilegítima,  portanto um governo imoral que pratica o terrorismo de Estado e que deve ser desmantelado para que um dia palestinos e judeus possam viver pacificamente na região. Dessa forma, torna-se claro que a origem da violência na Palestina é de responsabilidade dos sionistas e que todas as formas de resistência contra essa opressão são legítimas.

 

A operação Inundação de Al Aqsa

 

Foi diante dessa conjuntura que a resistência palestina decidiu enfrentar a opressão sionista e realizar a operação Inundação de Al Aqsa. Essa foi uma operação político-militar histórica que pegou de surpresa os sionistas, seu exército e seu serviço de informações que até então era considerado o melhor do mundo. É importante explicarmos que o Exército sionistas é um dos mais bem equipados do mundo, com as armas mais sofisticadas, tanto fabricadas internamente quanto fornecidas largamente pelos Estados Unidos, que também é responsável pelo apoio ao sionismo no poder e pelos massacres contra os palestinos e portanto tem também as mãos sujas de sangue nessa guerra porque. Enquanto isso, a resistência palestina, à exceção da alta mortal de seus combatentes e da convicção da causa pela qual estão lutando, atua com armas quase artesanais. Não tem armas atômicas, nem tanques nem aviões, nem navios de guerra, submarinos e muito menos artilharia pesada. Muitas de suas armas são fabricadas artesanalmente e outras são adquiridas nos países árabes, mas não existe paralelo de comparação com o armamento do exército sionista.

 

Mas como em todas as lutas de libertação nacional, o moral, a convicção, a criatividade, o sacrifício e o conhecimento do terreno das tropas guerrilheiras são fatores fundamentais para se realizar uma guerra de guerrilha contra o inimigo invasor. Como se pôde conhecer posteriormente, o 7 de outubro foi uma operação que levou cerca de dois anos de planejamento pelas organizações da Frente de Resistência[6] e tinha elementos estratégicos que posteriormente se tornaram públicos, tais como: a) infligir uma derrota moral, política e militar ao regime sionista; b) colocar a questão palestina de volta ao debate internacional após o fracasso dos diversos acordos realizados pela OLP; c) libertar o maior número de prisioneiros palestinos em troca de reféns caso a operação fosse vitoriosa; d) obrigar Israel lutar corpo a corpo nos escombros e vielas da Palestina, onde a resistência conhecia o terreno, e realizar uma guerra de guerrilha para a qual o inimigo sionista não estava preparado; d) como Israel reagiria de maneira irracional, a guerra exporia ao mundo a brutalidade sionista contra os palestinos e isso poderia mudar a percepção da opinião pública sobre o regime sionista e obter simpatia para a causa palestina.

 

Pelo visto, muitos desses objetivos estão sendo alcançados mesmo com o terrível sacrifício da população civil que diariamente é bombardeada e massacrada  pelo exército sionista. 

 

O primeiro dos objetivos foi plenamente alcançado: surpreendido pelas ações da resistência, governo, militares e serviço de inteligência foram pegos de surpresa no dia 7 de outubro e os guerrilheiros, utilizando inclusive de tratores para derrubar o muro em torno de Gaza e parapentes improvisados com metralhadoras, destruíram bases militares sionistas, mataram e sequestraram vários soldados, oficiais e colonos e sequestraram ainda mais de duas centenas de israelenses. Essa operação desmoralizou o mito de invencibilidade do exército sionista, especialmente do seu serviço de informações que era considerado o melhor do mundo. Tudo isso em menos de 24 horas com poucas perdas para a guerrilha, que após a incursão a grande maioria dos guerrilheiros voltou para suas bases com os reféns para os subterrâneos de Gaza. 

 

O segundo grande objetivo também foi alcançado porque a causa palestina voltou à ordem do dia nas relações internacionais e muitas pessoas que estavam envolvidas pela propaganda sionista no sentido de que quem criticava Israel era antissemita, começaram a perceber a verdadeira natureza do Estado sionista, sua brutalidade e a opressão com que tratam os palestinos nos territórios ocupados, fatos agora reforçados com as cenas dantescas das atrocidades em Gaza. Além disso, demonstrou também o fracasso da política desenvolvida pela OLP, cuja vacilação e conciliação só trouxe prejuízos e humilhações para os palestinos e que tornou claro que a libertação da região não pode ser realizada a partir de acordos com o inimigo sionista que hoje dirige o Estado de Israel, cujos governos de extrema-direita a estão a serviço da expulsão e da da limpeza ética palestina, além de serem os gendarmes do imperialismo na região. Isso é tão verdade que autoridades dos Estados Unidos já afirmaram que se Israel não existisse era necessário criar um Estado semelhante.

 

O terceiro objetivo até agora não foi ainda alcançado, muito embora já tenha havido troca de prisioneiros entre reféns e palestinos. Mas uma das promessas da Resistência é a libertação de todos os prisioneiros palestinos em troca de todos os reféns em seu poder. Até agora as tentativas de libertar os reféns através das armas por parte de Israel tem sido um rotundo fracasso militar e um desastre político. Na última tentativa, os soldados sionistas terminaram matando por engano e desespero três de seus compatriotas reféns, o que representou uma derrota moral e política para o exército e governo sionista porque o movimento interno em favor de uma troca de prisioneiros por reféns tem aumentado de maneira acentuada, uma vez que quase diariamente há manifestações de milhares de pessoas em Israel em defesa dessa reivindicação. Se a arrogância sionista não levar em conta a capacidade da resistência de reter bem guardados os reféns e insistir em libertá-los pela força das armas poderemos ter um desastre humanitário de grandes proporções.

 

O quarto objetivo está em desenvolvimento, pois Israel destruiu mais de 70% das residências de Gaza e transformou aquela região em monte escombros, mas em contrapartida o exército sionista está sofrendo perdas militares muito maiores que seus dirigentes imaginavam. Uma coisa é bombardear população civil numa região onde não há defesa antiaérea ou artilharia pesada para responder à ofensiva do inimigo, outra é ocupar o terreno onde uma resistência atua como uma espécie de fantasma: aparece nos locais mais inusitados e ataca o inimigo e depois desaparece. Com o apoio de informações da população, volta a atacar tanques, escavadeiras e soldados sionistas realizando uma guerra de desgaste que já impôs severas baixas materiais e físicas ao inimigo. A retirada de várias brigadas militares da região, inclusive a famosa brigada Golani, além do grande número de mortos e ferido que chegam a Israel, é uma prova de que os sionistas são muito valentes para bombardear e matar a população civil, mas no campo de batalha, no corpo a corpo a história é outra.

 

O quinto objetivo também está sendo alcançado. O mundo inteiro acompanha chocado o genocídio e as cenas de destruição que o exército de ocupação vem realizando na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, com a matança indiscriminada de civis, mulheres e crianças. Já foram mortos mais de 25 mil civis, entre eles mais de 10 mil crianças, foram destruídos ou invadidos praticamente todos os hospitais, onde muitas vezes as operações da população ferida estão sendo realizadas sem anestesia porque o exército sionista impede a entrada de medicamentos. Bairros inteiros foram destruídos, com milhares de pessoas soterradas e apodrecendo embaixo dos escombros,  centenas de jornalistas mortos para não divulgarem as atrocidades. Enfim, há um banho de sangue contra a população palestina, provando que o objetivo dos sionistas é punir toda a população palestina e ocupar suas terras. Esse genocídio tem levado ao isolamento cada vez maior do Estado de Israel, tanto na ONU quanto em vários países do mundo onde as manifestações contra o genocídio são realizadas diariamente, o que tem mudado a percepção da opinião pública mundial em relação ao sionismo, com milhões em todas as partes do planeta se manifestando em defesa da causa palestina.

 

Israel poderia ser derrotado?

 

Para compreendermos um possível desenvolvimento da guerra em Gaza, é fundamental olharmos para a história mais recente de todos os povos que realizaram lutas vitoriosas de libertação nacional, apesar das forças do inimigo serem muito mais fortes e bem mais equipadas que as forças guerrilheiras. A propaganda sionista tem procurado apresentar Israel como um Estado que tem o direito absoluto de se defender do terrorismo do Hamas, tudo isso para esconder que há uma guerra de libertação nacional na Palestina, organizada por vários grupos guerrilheiros, com amplo apoio junto à população e que suas ações ocorrem em resposta a décadas de opressão contra o povo palestino. Como toda guerrilha, seus dirigentes sabem que não podem enfrentar um exército muito mais poderoso num encontro força contra força, mas numa guerra de guerrilha com apoio das massas, num terreno em que o inimigo não tem a vantagem que teria numa guerra clássica, essa luta pode desgastar o inimigo ao ponto de derrotá-lo como já aconteceu em outras regiões.

 

Não podemos esquecer que uma guerra não é somente a disputa militar entre duas forças opostas mas, como ensinou Clausewitz, a guerra é a continuação da política por outros meios.  Portanto, não se pode analisar uma guerra apenas do ponto de vista militar ou da magnitude de um exército em relação a outro. No caso das guerras irregulares, que são a forma clássica dos oprimidos se contraporem aos opressores muito mais poderosos, as regras da guerra são de outra qualidade, tem outras normas e outras dinâmicas. Por isso, nessas guerras, as forças irregulares ampliam as suas chances de derrotar um inimigo mais forte. Os exemplos da guerra de libertação da Argélia contra os colonialistas franceses, dos guerrilheiros cubanos contra o exército de Batista, dos vietnamitas contra os franceses e, posteriormente, contra os Estados Unidos, são exemplos clássicos de como uma força guerrilheira com apoio popular é capaz de derrotar um inimigo muito mais poderoso.

 

Isso não significa que Israel terá o mesmo destino desses exércitos, mas existe uma possibilidade real de que o exército sionista seja derrotado tanto do ponto do vista político quanto militar. O que até agora podemos constatar é que as forças de Israel são muito valentes para bombardear bairros inteiros e matar e humilhar civis, atacar hospitais, afinal os palestinos não contam com defesa aérea para se contrapor à aviação sionista. No entanto, para derrotar a resistência palestina não basta destruir prédios, residências e levar o terror à população civil, é preciso conquistar o terreno. Aí então é que começam as dificuldades da força invasora, porque a resistência palestina, ao atrair o exército sionista para um ambiente ao qual não está acostumado a lutar, melhora a sua capacidade de enfrentar o inimigo e pode golpeá-lo onde ele menos espera, uma vez que os guerrilheiros conhecem melhor o terreno, podem se movimentar sem que os drones e aviões espiões os vejam, além do fato de que podem escolher o melhor momento para alvejar o inimigo levando insegurança e pânico para suas tropas.

 

O que se tem observado é uma enorme capacidade da guerrilha resistir à ocupação. Suas ações realizadas de rua em rua, de casa em casa, em meio aos escombros, atacando e desaparecendo entre túneis e vielas, tem golpeado fortemente o invasor com resultado militares significativos. Apesar da propaganda israelense afirmar a morte apenas de cerca de três centenas de soldados em Gaza, outros meios indicam que até agora já morreram mais de cinco mil soldados sionistas e mais de 10 mil foram feridos e agora lotam os hospitais de Israel. Outro indicador das dificuldades dos sionistas é o fato de que Israel retirou do teatro de operações várias brigadas militares, inclusive a brigada Golani, tida como uma das mais preparadas do exército israelense. Há relato na internet de problemas entre as forças de ocupação, como stress, pânico diante de um inimigo invisível e até mesmo de fogo amigo no enfrentamento com a guerrilha.

 

Até agora nenhum dos objetivos militares de Israel foi atingido: nem a destruição da resistência (que eles sintetizam no terrorismo do Hamas para efeito de propaganda), nem a libertação dos reféns. A guerrilha continua praticamente intacta, operando normalmente e assestando golpes cada vez mais duros às forças de ocupação à medida que vão ganhando experiência no tereno. Aliás, quanto mais o tempo passa mais difícil se torna a justificativa para o banho de sangue em Gaza, principalmente porque o discurso das autoridades israelenses de que é necessário destruir a Resistência e libertar os reféns já não corresponde à realidade. Está claro que o objetivo é transformar Gaza inabitável para que possa ser ocupada pelos sionistas. Aliás, os parentes dos reféns sequestrados comentam abertamente que os reféns estão mais seguros nos túneis da guerrilha do que expostos bombardeios aleatórios que Israel realiza diariamente para espalhar o terror entre a população palestina. Além disso, a própria população de Israel, que já vinha realizando grandes manifestações contra o governo de Netanyahu por suas tentativas de emplacar leis autoritárias no País, já começa a demonstrar cansaço com a guerra e seus resultados desastrosos para sua imagem internacional.

 

Além disso, há ainda outros fatores estão aumentando as dificuldades da ocupação, como as ações realizadas pelo Eixo da Resistência, no Sul do Líbano,  em regiões como a Síria, Iraque e Yemen. A partir do Líbano, o Hezbollah continua fustigando as forças israelenses, o que resultou na retirada de dezenas de milhares de israelenses que moravam perto da fronteira com esse País e também fez com que Israel fosse obrigado a manter parte do exército na região para se precaver de uma possível invasão por parte do Hezbollah. Outras forças guerrilheiras também estão atacando bases dos Estados Unidos na região, de onde provem a ajuda militar a Israel. Mas a maior dor de cabeça para os sionistas e o imperialismo dos Estados Unidos é a ação dos houthis, do Yemen, que estão atacando todos os navios que se dirigem a Israel, fato que tem contribuído para reduzir o comércio israelita com o mundo. Isso se tornou tão grave que os Estados Unidos formaram uma coalização para garantir a navegação na região, muito embora até agora sem êxito.

 

O tempo também tem um papel fundamental no desenvolvimento da guerra em Gaza, pois os assassinatos em massa, as práticas genocidas diariamente veiculadas pela televisão, o corte de energia, eletricidade, o impedimento da entrada de caminhões com alimentos às populações atingidas, as humilhações públicas de centenas de palestinos presos e enfileirados apenas com roupas íntimas em campos de detenção, em meio ao frio e humilhações, as mortes de milhares de mulheres, crianças e bebês e a destruição em massa de bairros inteiros são cenas que chocam o mundo inteiro e provocam manifestações de solidariedade em todos os continentes. Esses acontecimentos significam um desastre para as autoridades sionistas, que sempre buscaram construir uma imagem de País democrático, com um exército mais moral do mundo, enquanto as organizações palestinas seriam terroristas bárbaros que assassinam a sangue frio civis israelense. Tudo isso está sendo desmentido pela realidade da guerra. Quem está sendo bárbaro, quem bombardeia civis e mata mulheres e crianças e comete todo tipo de atrocidades contra a população civil é o chamado exército mais moral do mundo. Esse processo tem isolado internacionalmente Israel, mudado a percepção da opinião pública sobre o sionismo, e aumentando a solidariedade aos palestinos em todos os continentes e colocado na ordem do dia a necessidade de resolução da questão palestina. 

 

Uma das iniciativas que demonstram o isolamento de Israel é a denúncia do genocídio em Gaza por parte da África do Sul junto  à Corte Internacional da Justiça, em Haia, onde se demonstra com provas concretas a magnitude da matança que os sionistas estão realizando contra a população de Gaza. Para se ter uma ideia, nesses mais de três meses de invasão já foram lançadas em Gaza uma quantidade de bombas 3,25 mais maiores que as bombas nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki. O documento denuncia ainda o fato de Israel obrigar o contínuo deslocamento de milhares de pessoas de uma região para outra e quando a população chega aos locais definidos é bombardeada, acusa a política genocida de matar de fome a população ao impedir a entrada de caminhões de alimentos, denuncia ainda a destruição de bairros inteiros, universidades, mesquitas, o bombardeio de geradores que fornecem energia para os hospitais, o encarceramento de médicos e pessoal de saúde visando dificultar o atendimento dos feridos, a morte de dezenas de jornalistas, entre outras atrocidades. Evidentemente que essa denúncia pode resultar em nada, até mesmo porque os Estados Unidos já saíram em defesa dos sionistas, mas demonstra um isolamento de Israel que até gora não se tinha observado

 

Além disso, quanto mais o Exército sionista intensifica as barbaridades na região palestina, mais aumenta o apoio popular à resistência. Uma carta recente encontrada numa casa destruída tinha um bilhete na qual os antigos proprietários escreveram que estavam deixando alimentos no armário e dinheiro para os guerrilheiros e que pedia ainda para que tomassem cuidado e se mantivessem vivos. Esse não é um fato isolado, pois o ódio ao invasor só vai aumentar as fileiras da resistência. Afinal, depois de tudo que está acontecendo, para a grande maioria da população, não existe nenhuma outra alternativa do que resistir à brutalidade sionista e lutar, principalmente entre a juventude. Se os sionistas imaginavam que a fome e o terror seriam capazes de levar a população a se revoltar contra a Resistência, erraram completamente. Do ponto de vista da política em geral, o sionismo está muito mais frágil agora do que no início da guerra. E se o conflito continuar sem os resultados esperados, esse governo pode cair e, dependendo da evolução dos acontecimentos, esses dirigentes sionistas poderão até ser julgados e presos por tribunais internacionais.

 

Em resumo, após o 7 de outubro a questão palestina ganha uma nova dimensão. Politicamente, o Estado sionista está derrotado e terá cada vez mais maiores dificuldades para continuar essa guerra de terror contra os palestinos, tanto porque não atingiu os objetivos propostos, quanto porque a opinião pública poderá colocar Israel na mesma condição em que colocou o apartheid sul-africano. E do ponto de vista militar a situação se torna cada vez mais difícil, pois vencer uma guerra não é matar milhares de civis ou destruir cidades inteiras, mas derrotar o adversário armado e ocupar o terreno, o que não está acontecendo. A situação pode evoluir para uma conjuntura na qual o exército, diante da falta de resultado militares concretos no terreno militar, pode ser obrigado a se retirar de Gaza, o que representaria uma derrota humilhante para aquilo que se gabava de ser o mais poderoso exército do Oriente Médio, com o melhor serviço de inteligência do mundo.

 

*Edmilson Costa é secretário-geral do PCB


 
[1] Entre esses episódios bíblicos está aquele em que Moisés, ao voltar com seu povo do exílio no Egito, pediu a deus que separasse as águas do mar para todos pudessem passar. As águas se abriram e os judeus passaram, mas todos os soldados egípcios que vinham em seu encalço morreram afogados porque o mar milagrosamente se fechou. Já a  chamada diáspora judia, a partir dos anos 70 depois de Cristo, quando os romanos derrotaram Jerusalém, é também um fato pouco crível, uma vez que os romanos nunca exilaram nenhum povo naquela região. Eles dominavam o povo, escravizavam os prisioneiros de guerra, e o resto da população continuavam no local vivendo e pagando impostos para os romanos. Realmente, parece um conto de fadas esses episódios do povo hebreu. Somente uma mente pouco informada pode acreditar que o mar se abriu e fechou por ordem de deus para favorecer povo hebreu. Além disso, naquela época a região era dominada pelos egípcios e não teria sentido os judeus saírem do Egito, onde supostamente estavam escravizados, para voltaram a uma região dominada ... pelos egípcios.   (In Shlomo Sand. Como surgiu o povo judeu. Le Monde Diplomatique, dez. 2023)
[2] Altman, Contra o sionismo. Retrato de uma doutrina colonial e racista. São Paulo: Alameda, 2023.
[3]  Os acordos de Oslo foram firmados na capital da Noruega, em 1993, entre Yitzhak Rabin, por Israel, e Yasser Arafat, pela Palestina. 
[4] Por uma nova Palestina. Entrevista de Mustafá Barghouti a Ignacio Ramonet para o Le Monde Diplomatique. Maio de 2008.
[5] As informações sobre o Partido Comunista da Palestina e o Partido Popular Palestino foram obtidas na Wikipedia, tendo em vista que as informações sobre essas duas organizações não foram encontradas em outras fontes, nem mesmo na Solidnet, página que reúne os Partidos Comunista do mundo inteiro. 
[6] As organizações que compõem a Frente de Resistência e que organizaram o 7 de outubro são as seguintes: Hamas, Jihad Islâmica, Frente Popular para a Libertação da Palestina, Frente Democrática para a Libertação da Palestina e Frente Popular para a Libertação da Palestina – Comando Geral.

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Author`s name Edmilson Costa
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