Mohammed bin Salman é um ponto de inflexão na Pax Americana

* Rodrigo Leitão, engenheiro mecânico, cientista de dados.

A chamada Pax Americana é o período da história onde os EUA exercem o papel de hegemon no mundo, que inicia no período pós Segunda Guerra, passando por Guerra Fria (1945-1991), o "fim da história" de Francis Fukuyama (1991-2001), a Guerra ao Terror (2001-atual) que eventualmente leva ao que chamam de Guerra Fria 2.0 (2014-atual).

As condições para a Pax Americana se dão em 1943 na Conferência de Bretton Woods que colocam o dólar estadunidense como moeda franca lastreada ao ouro usada pelo FMI principalmente na reconstrução da Europa no Plano Marshall. Além do mais, a emergência do veículo pessoal nos anos de 1950 com a detenção de seu estado da arte pelos EUA juntamente com o barril de petróleo barato. O que levou a transição energética do carvão para o petróleo.

Organizações multilaterais

O período pós Segunda Guerra levou a criação de organizações multilaterais, a exemplo o FMI, a ONU e a Opep. Onde este último é ininicialmente formado majoritariamente por países do Oriente Médio, que teve sua primeira ação política em 1973 com a Guerra do Yom Kippur. No qual os EUA apoiavam militarmente Israel, o que levou a Opep diminuir a produção de petróleo levando ao Choque do Petróleo.

No entanto, os EUA sairam em vantagem devida a decisão da Arábia Saudita de negociar petróleo estritamente em dólares estadunindeses em troca de proteção militar contra Israel e outros países do Oriente Médio, como Irã. Por conseguinte, a moeda do principal meio energético é emitida pelos EUA, que desde 1971 não possui mais seu lastro em ouro com sua emissão ilimitada devido a uma ação unilateral de Nixon. É aquilo que ficou conhecido como o "privilégio exorbitante".

A Arábia Saudita é uma monarquia em pleno século XXI, declarada em 1932. O que é uma grande contradição ser um aliado incondicional dos EUA que eventualmente invade países em nome da dita democracia. De fato a relação dos dois países é profunda, em 1933 o monarca Abdul Aziz ao ver a abundância de petróleo no Irã e Iraque, abriu concessão para petroleiras estrangeiras em seu território.

Desse modo foram descobertas as maiores províncias petrolíferas de sua época, em 1933 a Standard Oil of California (atual Chevron) criou a subsidiaria California Arabian Standard Oil Compan (atual Saudi Aramco) para operar em Dhahran recém descoberto em 1938.

Já a aliança militar saudita-estadunindense nasce no crepúsculo da Segunda Guerra Mundial, quando uma instalação petroleira em Dhahran sofre um ataque da Itália. Dessa maneira o então presidente Roosevelt tratou a defesa da Arábia Saudita uma questão de segurança dos EUA muito por conta de suas reservas de petróleo. Consequentemente os EUA conseguiram o uso de bases aéreas que chegam ao Irã e a então URSS.

Conforme o preço do petróleo se tornou um importante instrumento geopolítico, a Arábia Saudita foi se tornando cada vez mais importante. Dessa forma, ao longo dos Choques do Petróleo dos anos de 1970, os sauditas foram ganhando mais participação na Aramco até que em 1980 esteve sob controle total do Estado. Eventualmente, em 1988 mudou seu nome para Saudi Aramco.

As relações russo-sauditas nunca foram boas, em especial com a ocupação soviética no Afeganistão em 1979. De maneira parecida, a Arábia Saudita também teve relações difíceis com a China, chegando a inclusive manter relações profundas com Taiwan por ser um grande consumidor de seu petróleo. As relações diplomáticas com China são estabelecidas somente em 1989 e Rússia em 1992.

O expansionismo iraquiano de Saddam Hussein nos anos de 1990 levaram à invasão do Kuwait. Consequentemente os EUA levaram tropas à Arábia Saudita como forma de proteção e contenção iraquiana na chamada Guerra do Golfo. Com a Guerra ao Terror a aliança saudita-estadunidense continuou forte pois o terrorismo é um problema também interno, mesmo que o governo saudita tenha se oposto à invasão do Iraque em 2003. Por outro lado, desde 2014 vem sido um importe aliado ao combate dos extremistas do ISIS.

Desde da Revolução de 1979 o maior inimigo da Arábia Saudita é o Irã, e ambos vem batalhando de maneira indireta em territórios terceiros. Atualmente o maior exemplo disso é a guerra no Iêmen e a guerra civil na Síria onde cada um apoia lados opostos para ganhar maior influência no Oriente Médio. Em 2010 Brasil e Turquia começaram a mediar acordos sobre o Programa Nuclear Iraniano, consolidado em 2015 pela comunidade internacional.

Em 2015 Rei Salman emerge na sucessão de trono da Arábia Saudita e indicou seu filho Mohammed bin Salman como Ministro da Defesa, crítico quanto ao posicionamento dos EUA quanto à nuclearização do Irã. Algum tempo depois, em 2017 uma série de pessoas da família real, cléricos e empresários foram presos num comitê anti-corrupção liderado por bin Salman. Notoriamente foi preso Mohammed bin Nayef, que estava na sucessão do rei, após o ocorrido bin Salman é indicado como sucessor, que acumula uma série de cargos de poder se tornando homem-forte do governo.

Em 2019, contrariando o Ocidente os sauditas apoiaram as ações anti-terroristas em Xinjiang pelo governo chinês com a minioria étnica uigur. Além da sinergia das Novas Rotas da Seda com o programa Saudi Vision 2030. De maneira parecida, as relações russo-sauditas também melhoraram com o a ascenção de bin Salman, notoriamente no acordo de aumento de produção de petróleo em 2016, levando a uma desvalorização de seu preço que feriu o caríssimo Shale Gas dos EUA e economias dependentes de petróleo como Irã, Venezuela, Brasil e até mesmo Rússia. Desde 2017 a Arábia Saudita abstém seu voto perante a guerra russo-ucraniana.

Pandemia do Covid-19

Com a pandemia do COVID-19, em 2020, houve um desentendimento entre russos e sauditas quanto à diminuição de produção de petróleo por conta da falta de demanda. Conforme os russos não concordaram, o barril de petróleo chegou a ser negociado em preços negativos. Ao longo do ano houve um entendimento e os preços voltaram ao normal.

Já em 2022, com o acirramento da guerra russo-ucraniana os preços do barril de petróleo voltaram a níveis extremos levando a uma inflação global. Em julho houve a Cúpula de Segurança e Desenvolvimento em Jeddah reafirmando a cooperação saudita-estadunindense nas questões que envolvem o combate ao terrorismo no Oriente Médio e reafirmação do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares na região, especialmente preocupados com o Irã. Menos de um mês depois, a Cúpula da Opep+, que infclui a Rússia causou um grande revés à Washington que pedira uma expansão na oferta de petróleo, a organização optou por uma expansão de oferta bem tímida.

Vale ressaltar que se trata de um autocrata que usou lawfare para ganhar poder e é associado ao assassinato do jornalista do Washington Post, Jamal Khashogg. Apesar dessas atitudes, Bin Salman mostra-se um habilidoso enxadrista no tabuleiro multipolar ao ter relações mais próximas com Rússia e China, que rivalizam com os EUA desde a aliança estratégica sino-russa que emerge em 2014 no contexto da Guerra Fria 2.0. Mas ao mesmo tempo mostra entender que a aliança militar saudita-estadunidense é um importante elo com seu vizinhos nuclearizado Israel e ao mesmo tempo uma proteção contra o Irã que caminha para a nuclearização.

Ainda em 2022 a Arábia Saudita demonstrou interesse em fazer parte do bloco dos BRICS, que eventualmente criará uma moeda para rivalizar o dólar estadunindese, ou mesmo a negociação de petróleo em yuan pelos sauditas como também já foi comentada. Pode ser que leve uma década ou um século, mas não há mais volta quanto ao fim da hegemonia do dólar estadunidense, o que mostra que Fukuyama estava errado quanto ao "fim da história".

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Author`s name Rodrigo Leitão
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