Brasil: Sobre nós e sobre eles

Brasil: Sobre nós e sobre eles

O fascismo age sob um pressuposto radicalmente distinto deste: delimita uma separação grosseira do mundo entre um nós fascista e um eles que são todos os que não são fascistas, e portanto são um inimigo em quem bater. Por João Vilela

O crescimento da extrema-direita em todo o mundo é um desafio ao senso comum da esquerda. Se esta considera que a solução para os problemas da humanidade é pôr de lado divergências e unir numa só frente todas as correntes democráticas e progressistas, sob o princípio de que é importante valorizar o que une e relegar para altura mais propícia o debate sobre o que separa, as organizações fascistas e ultra-reaccionárias que pelo mundo fora vão  cobrando terreno e crescendo impetuosamente no plano eleitoral, mas também no plano do enraizamento social, não têm nem de perto como estratégia abordar liberais, conservadores, velhas famílias da direita «democrática», como os alegados comunistas e declarados revolucionários fazem quando tanto insistem para se circundar de democratas, patriotas, progressistas, gente mais ou menos revolucionária mas com alguns objectivos em comum na actual etapa histórica.

O fascismo age sob um pressuposto radicalmente distinto deste: delimita uma separação grosseira do mundo entre um nós fascista e um eles que são todos os que não são fascistas, e portanto são um inimigo em quem bater. Neoliberais e comunistas, socialistas moderados e conservadores que praticam a caridade, padres católicos e activistas de esquerda, todos são enfiados no mesmo saco dos «globalistas». Esse projecto, que amalgama como se fossem a mesma coisa a globalização imperialista e o acolhimento aos refugiados que fogem das suas guerras num desejo «distópico» de liquidar as identidades nacionais e as suas tradições, é combatido por esses homens sós entre ruínas, para usar o título de um livro do pensador de extrema-direita Julius Evola, que se reclamam guardiães da identidade nacional. Contra o inimigo comum, que é todo «o sistema»,  o fascismo levanta o conjunto da «nação». O sucesso não tem sido irrelevante lá onde se tentou.

Esta estratégia, quando encontra pela frente a resposta frentista do senso comum de esquerda, é como um um incêndio de grandes propoções que encontra por diante um depósito de material pirotécnico: se já lavra, pode agora explodir, projectar-se no ar, fazer literalmente festa e deitar os foguetes. O fascista que, por vezes para incredulidade dos seus próprios seguidores, dizia que os comunistas e a direita neoliberal, os socialistas e os conservadores religiosos, eram uma e a mesma gente, ao ver os gritos desesperados da estratégia frentista para unir toda a gente contra «eles», tem a evidência material da sua pseudoteoria aparentemente comprovada pelos factos: ali estão, de braço dado, ombro a ombro, todos os globalistas. Os que diziam que eram contra a globalização da pilhagem exploradora e o seu cortejo de miséria ao lado dos que eram contra a globalização das migrações e a descaracterização da identidade nacional, juntos, porque no fundo todos são hipócritas e inimigos da nação. O frentismo é a principal causa do seu fracasso, por motivos que ele próprio não consegue entender.

A esquerda deve perceber que não há forças democráticas contra o fascismo. O mundo social não é composto por forças políticas dentro de um diagrama que vai da extrema-direita à extrema-esquerda. É composto por classes, num combate mortal de classe contra classe, em que a uma, o proletariado, não interessa o fascismo, e a outra, a burguesia (pequena, média, e grande) o fascismo é tudo o que interessa em situações de crise grave do capitalismo. Disputar os pruridos e pudores com formalidades democráticas dos elementos das classes intermédias pondo os trabalhadores a marcar passo lá atrás e a deixar a sociedade comunista como um projecto para o dia de S. Nunca à tarde é o oposto rigoroso do que se deve fazer: dizer a cada trabalhador que eles, fascistas, liberais, conservadores, forças da ordem burguesa, são uma e a mesma gente que está essencialmente de acordo em manter a exploração e a opressão de quem nada tem, pese uns fingirem melhor que outros que não é bem isso que querem. E que só nós, por nossas mãos, podemos fazer o que nós diz respeito.

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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