Evolução da população mundial 1950/2050 - O caso da África

Evolução da população mundial 1950/2050 - O caso da África

A África está longe de ter superado as sequelas da colonização e da existência das predadoras  oligarquias nacionais, açuladas pela cobiça das multinacionais e dos mecanismos geradores de dívida. Num contexto de forte e desigual crescimento demográfico permitimo-nos dizer "A África continuará mal", adaptando uma frase de René Dumont

1- A dolorosa integração da África pós-colonial no capitalismo global 

A população africana cresce 60% no período 1950/70, 73% nos vinte anos que decorrem entre 1970 e 1990, duplica nos trinta anos terminados em 2010, estimando-se que em 2050 seja mais de dez vezes superior à população existente um século antes; isto é, cerca de 2500 M de pessoas. Tudo isso acontece porque a mortalidade baixou, tal como a natalidade - sobretudo a infantil - apesar das guerras, dos sangrentos e prolongados conflitos em muitos locais do continente, com intervenções das potências ex-coloniais, das multinacionais, do sistema financeiro através do mecanismo da dívida ou, das claras interferências de outras potências. O crescimento do peso da população africana no mundo tem-se mostrado constante como se observou recentemente.

Há uma tipificação variada e entrelaçada quanto às causas nos conflitos africanos. A África, tal como o Médio Oriente são as regiões com mais frequentes e sangrentos conflitos nos últimos vinte anos. Muitos são (ou foram) resultantes de conflitos tribais, onde a ideia de estado-nação não existia (essencialmente a Sul do Sahel) mas, imposta pelas potências coloniais antes de abandonarem o terreno; são mais raros os conflitos diretos entre os estados-nação constituídos. 

Essa relativa estabilidade das fronteiras herdadas dos tempos coloniais revela, precisamente a ausência de uma tradição estatal e daí que fosse, para os africanos, relativamente indiferente o traçado das fronteiras, atravessadas com toda a naturalidade, como sempre, pelas pessoas.

Não houve nem há as guerras que se verificaram na Europa, onde os nacionalismos se arreigaram no seio da macabra ideia gerada no século XIX de que a cada povo deveria corresponder um estado-nação, todos julgando-se com direitos a territórios do outro lado de fronteiras, muitas vezes tomadas como provisórias. Após a II Guerra, na Europa, as únicas guerras de fronteiras observaram-se no âmbito do desmantelamento da Jugoslávia ou, mais recentemente, com a anexação russa da Crimeia e a separação de facto, das regiões orientais da Ucrânia (Donetsk e Lugansk), no âmbito de entidades estatais com fronteiras de constituição recente. A constituição da União Europeia e do espaço Schengen vieram a retirar significado às fronteiras, não sendo imagináveis novas guerras de conquistas territoriais.

Em África, a ideia de respeito pelas fronteiras coloniais, por muito aberrantes que aquelas tivessem sido, foi aceite no cenário da descolonização, com algumas e sangrentas excepções. Por exemplo, a Etiópia e a Eritreia separaram-se após anos de guerra; o mesmo aconteceu no Sudão onde o sul, maioritariamente povoado por povos nilóticos e não muçulmanos, se separou do norte, de preponderância árabe e islâmica, num processo de partilha de jazigos de petróleo ainda não completo e, prolongado no Sudão do Sul por uma guerra entre as duas principais tribos (dinkas e nuer).

No processo de colonização, a Somália foi repartida pela França, pela Grã-Bretanha e pela Itália e, numa segunda fase, as duas últimas parcelas juntaram-se num só estado, ficando a pequena parte gaulesa (o pequeno Djibouti, atualmente coalhado de bases militares estrangeiras rivais) vindo a aceder mais tarde à independência. Entretanto, a Somália e a Etiópia entraram em guerra pelo controlo do Leste etíope (Ogaden) povoado por pastores somalis, com a derrota da Somália. Mais tarde a guerra civil somali originou, por um lado, a secessão da parte norte (Somalilandia, a antiga colónia britânica) face à maior parcela do país, a sul onde continua uma guerra civil. 

É interessante anotar a sensibilidade política dos EUA. Em 1993 decidiram desembarcar na Somália para impor a lei e a ordem do Império, perante as câmaras de televisão; porém a operação acabou mal com corpos de marines mortos arrastados nas ruas de Mogadiscio. Depois deste revés, o Pentágono, na sua elevada sapiência, empurrou, para pacificar a Somália... o exército etíope que havia estado em guerra com a Somália poucos anos antes, para além de rivalidades antigas. Como as coisas correram mal para os etíopes, os EUA aliciaram os vizinhos a sul, os quenianos para pacificar a Somália; e de onde resultaram, em território queniano, atentados que o al-Shaabab somali veio a desencadear. Paralelamente, a difusa mas sábia "comunidade internacional" decidiu obviar ao assalto a navios mercantes em águas somalis, por parte de comunidades de pescadores esfomeados e com as águas contaminadas por dejetos hospitalares despejados pelos ocidentais. Nesse afã, sabe-se que uma fragata portuguesa apresou um barco de borracha[1] com meia dúzia de somalis a bordo e em águas internacionais; uma heróica intervenção que deve ter dado origem a meia tonelada de condecorações...

Também no caso do Sahara Ocidental, as fronteiras coloniais não foram respeitadas. Primeiro, porque Marrocos ocupou o território que a Espanha abandonou à sua sorte; isto é, deu carta branca ao senhor do Makhzen, para se apoderar da concessão de direitos de pesca e dos fosfatos, conduzindo à fuga de parte da população para campos de refugiados na Argélia, perante o desinteresse da "comunidade internacional" e a impotência da ONU.

Entre as guerras de independência, há a registar as levadas a cabo no Quénia, na Argélia, na Guiné-Bissau, em Angola, Moçambique, Zimbabwe e Namíbia.

A herança das fronteiras coloniais consubstanciou-se na invenção de estados-nação, na maior parte dos casos, onde eles nunca tinham existido, como mosaicos de etnias e culturas. Sem a presença unificadora e repressiva da potência colonial, surgiram conflitos internos de vários tipos, entre grupos ou senhores da guerra estribados nas suas tribos, ainda que sem objetivos secessionistas mas apenas de controlo do aparelho de estado. São os casos de Angola, RD do Congo, Costa do Marfim, Libéria, Moçambique, República Centro Africana, Ruanda, Serra Leoa, Sudão (Darfur) ou Uganda. 

Há casos típicos de extrativismo e banditismo (negócio do marfim) como o do Exército do Senhor, no Uganda, com incursões no seu exterior; e os cruéis grupos do leste do Congo, senhores da extração e exportação de diamantes e "terras raras" que rivalizam com a predação já histórica, praticada pelos senhores de Kinshasa, seja Mobutu, seja a família Kabila, herdeiros de um território que as potências coloniais, no século XIX entregaram a um facínora, o rei dos belgas. E não podem ficar esquecidas as práticas genocidas levadas à prática no Ruanda, onde só uma demente habilidade local - fomentada pelo colonizador belga - conseguiu distinguir tutsis de hutus ou vice versa; sabendo-se ainda que essa distinção tem mais um caráter sociológico do que étnico-cultural, a mesma foi utilizada para uma redistribuição de terras onde a densidade populacional é grande.

Com conteúdos secessionistas recordámos acima os que tiveram sucesso mas havendo alguns que não o têm conseguido como o Biafra que, acarinhado pelo regime fascista português, pela França e empresas petrolíferas, tentou a independência face à Nigéria, com um lastro de fome que ficou célebre. O Catanga, nos anos 60 foi objeto de um projeto secessionista em torno de Tchombé, marionete das empresas mineiras que atuavam na região e com grandes amigos no governo fascista português. Cabinda é outro caso que se arrasta há décadas, sem resultados favoráveis aos secessionistas. E o projeto de unificação post-colonial entre a Guiné-bissau e Cabo Verde foi efémero, com a separação realizada de modo pacífico. 

Atualmente, no Mali, há um conflito ancorado num ramo da al-Qaeda (o AQMI) que desenvolve um projeto de separação da população tuaregue, dividida entre vários estados-nação quando nunca, na História tinham sofrido limitações de circulação no deserto, nas comunicações entre o Sahel e o Mediterrâneo. Refira-se ainda a Líbia, onde a intervenção ocidental para a partilha das riquezas energéticas do país conduziu ao reavivar das diferenças e dos conflitos entre a Cirenaica, a Tripolitânia e as tribos do sul, estas, com afinidades ancestrais com o mundo tuaregue.

Ler na íntegra http://grazia-tanta.blogspot.com/2018/05/evolucao-da-populacao-mundial-19502050_26.html

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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