Todas as mortes são anunciadas
A notícia é contundente: "a Argentina volta a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) na busca de uma solução para a sua crise. O dólar fora de controle levou o presidente Mauricio Macri a pedir ajuda financeira à Christine Lagarde" (Monitor Mercantil, quarta-feira, 9 de maio de 2018).
por Pedro Augusto Pinho
Algum espanto? Alguma surpresa? Alguma novidade?
E qual será o preço dessa ajuda, além da miséria, da fome, da ausência de moradia, saúde, educação que os argentinos voltarão a sofrer?
Luis Alberto Romero, na "História Contemporânea da Argentina", relatando as ocorrências naquele País durante o século XX, propõe discutir a presença da Argentina no mundo, a função do Estado naquele período e a contemporaneidade e adequação do pensamento da elite intelectual ao desenvolvimento de uma sociedade democrática.
Sem dúvida uma desafiante empreitada para o historiador, bem assim para todo cientista social.
No início do século XX, a Argentina, o Brasil e todos os países que não fossem os impérios europeus e a insurgente república dos Estados Unidos da América (EUA), independentemente de seus cartões de visita, eram colônias. Argentina e Brasil colônias da Inglaterra.
Entre 1870 e 1914, a economia da Argentina manteve um crescimento médio anual de mais de 5% ao ano. Durante a década de 1880, 40% de todo o capital britânico investido no exterior foram investidos na Argentina, os investimentos foram destinados ao financiamento da rede ferroviária, que acrescentou mais 3.800 milhas, tocando 40 000 km no total (Wikipédia).
As insurreições pelas independências (Entre Rios, Tucumán, Banda Oriental) não foram, nem no Brasil, resolvidas numa única penada. Tivemos aqui a Confederação do Equador, a Guerra dos Farrapos, a Balaiada e lá tiveram suas manifestações nacionalistas, e se glorificamos apenas o monárquico Duque de Caxias, os argentinos tem seus heróis regionais e nacionais. Não cabe discorrer sobre esta história mas, caso haja interesse, as 582 páginas do "Manual de la Historia Argentina", de 1928, de Vicente Fidel López disponibiliza ricos detalhes, embora com viés político bastante particular.
O que nos iguala, Argentina, Brasil e quase toda América Latina é a sujeição colonial. Os arroubos de libertação são combatidos com golpes ou se transformam, quando vitoriosos, em revoluções, até eleitorais, como da Bolívia.
Precisamos, mais uma vez, saber distinguir as condições históricas. Se os impérios eram criados por Estados Nacionais - Inglaterra, França, EUA - a partir de 1990 é um sistema que os orienta e comanda. Este sistema, que abrevio na palavra "banca", usa instituições/organizações nacionais para impor suas condições e interesses. Este é um entendimento fundamental, não único, para a leitura dos Estados e dos fatos no século XXI.
Vejamos a Argentina em seu retorno ao FMI e o Brasil, que, com a permanência dos patrões dos atuais governantes, fatalmente repetirá o pedido de Fernando Henrique Cardoso, em agosto de 2002.
O que significa a dívida para a banca? O domínio, o controle dos atos do devedor. É a forma de dominação que vem do século XIX e fez dos nobres de parte da Grã-Bretanha possuidores do império onde o Sol nunca se punha.
Trazer a rica Argentina de um século para o confronto de hoje é buscar uma ilusão.
O ano de 1916 parecia indicar um novo País. Os argentinos elegiam Hipólito Yrigoyen, da União Cívica Radical. "A decisão de Yrigoyen de modificar a atitude repressora tradicional do Estado, utilizando seu poder para mediar os diferentes atores sociais e, assim, equilibrar a balança, parecia aparar a última aresta de conflito", afirma Luis Romero.
Era a solução democrática, o consenso sobre a contestação. Lula tentou o mesmo quase um século depois. E está preso.
O processo de modernização, de contemporaneidade, desejado pela sociedade colonizada só se rompe com violência. Repito, novamente, Romero comentando a revolta militar que depôs Yrigoyen, em 1930: "esses 12 anos em que as instituições democráticas funcionaram normalmente representaram um período de exceção".
Não cabe, nem cairei na armadilha de discutir partidos e políticos. Há algo muito mais relevante e, como apontei nos objetivos de Luis Alberto Romero no trabalho referenciado, se trata do Estado e da adequação que a sociedade seja capaz de realizar entre suas necessidades e a construção do modelo institucional.
O Estado colonizado apresenta de início dois enormes problemas: é dominado pela elite que usufrui, no País, da sujeição colonial, e tem a formatação institucional que interessa ao colonizador e que vem de modelos aplicados nos Impérios, ou seja, de realidades econômica, social e política diferentes.
Observe o caro leitor: quantas vezes ouviu dizer, em se tratando de um erro ou de conduta inadequada, que "só podia ser coisa de brasileiro", como se o falante fosse um alienígena. E nem se dá conta da auto-humilhação. Claro que há muito de classe social, mas há indisfarçável incapacidade de colonizado.
Hoje é a Argentina, que na clara demonstração da farsa do neoliberalismo, do engodo do Estado mínimo, das falácias das privatizações, recorre ao FMI. As substantivas reservas internacionais deixadas pelos governos petistas, e apenas elas, retardarão a ida do Brasil ao FMI, que, mantida a política subserviente e medíocre que temos, logo se esgotarão.
Neste mesmo caminho estão o Chile, o Paraguai, a Colômbia e mesmo um antigo Império, a França, que não encontra, desde a queda de De Gaulle, um governo nacional francês.
Não nos faltam exemplos. Apenas o vício da tela da Globo impede a visão. O mais urgente ato que o brasileiro precisa realizar não é chamar a reativada IV Frota estadunidense, nem combater a Venezuela, nem extinguir o Supremo (na verdade Ínfimo) Tribunal Federal. É lutar pela Independência do Brasil.
Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado
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