Assim caminha a humanidade

"A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classes" (Manifesto Comunista)

Logo após um período em que os homens exploraram comunitariamente as poucas riquezas que lhes eram oferecidas para a sua sobrevivência, começou um longo processo de separação das pessoas em classes sociais, que se distinguiam basicamente pela sua relação com o trabalho.

Pouco a pouco, foi se formando uma minoria, que pela força física e habilidade no uso dos precários mecanismos de sobrevivência então existentes, foram exercendo uma liderança sobre os demais, que com o passar dos tempos se transformou na mais pura exploração do trabalho alheio.

Durante séculos, a sociedade humana foi se modificando tendo sempre como referência a forma de relacionamento dos grupos sociais com sua grande fonte de riqueza, o trabalho. Embora não tenha sido concomitante em todas as partes do mundo onde grupos sociais se formaram, houve uma evolução nesse relacionamento, passando por períodos que, a grosso modo, foram denominados de escravismo, feudalismo e capitalismo.

Cada um desses períodos representou um avanço em termos de progresso material sobre o anterior e só foi superado pelo seguinte quando a sua ordenação social se tornou um entrave para o desenvolvimento como um todo. Em comum, embora sempre com formatos diferenciados, todos eles  apresentaram uma divisão de classes, com um grupo minoritário vivendo da força de trabalho do grupo majoritário.

Embora essa divisão social tenha sido o motor a estimular o crescimento material da sociedade humana, setores mais sensíveis à clara injustiça que ela trazia como consequência, nunca deixaram de sonhar com uma volta à sociedade primitiva e ao igualitarismo. Em muitos casos, essa nostalgia pelo passado se transformava numa forma utópica de socialismo, a ser conquistado pela boa vontade das pessoas. Em outros casos, se manifestava como uma revolta contra o progresso, como no caso dos seguidores de Ned Ludd, na Inglaterra de 1811, que destruíam as máquinas que lhe roubavam os empregos.  Era o chamado "ludismo", um movimento operário inspirado em idéias anarquistas.

Foi somente depois que a industrialização e o colonialismo enriqueceram as nações européias, na segunda metade do século XIX e nos primeiros anos do século XX, que o sistema capitalista de exploração das riquezas se firmou e passou a exercer um domínio mundial, transformando o que era antes fenômenos restritos a determinadas nações, num acontecimento que superou todas as fronteiras. Em conseqüência, os setores dominantes do capitalismo passaram a se concentrar na Inglaterra, nos países do centro da Europa, principalmente França e Alemanha e mais tarde nos Estados Unidos.

Com isso começa surgir com destaque o fenômeno do imperialismo, que seria a fase mais avançada do capitalismo, quando não apenas as pessoas se transformavam em objetos, mas também as nações mais fracas, ainda que formalmente capitalistas, se transformavam em caudatárias das mais fortes.

Inevitavelmente, também como conseqüência da criação de novas formas de capitalismo, a oposição ao sistema por parte dos mais sacrificados pelo processo, os trabalhadores, se tornou mais radical e organizada. Dentro desse quadro é que surge a figura genial de Karl Marx, que apoiado pelo tripé formado pelas antigas idéias socialistas, principalmente dos franceses; pela filosofia dialética alemã de Hegel e pela economia política inglesa,  formula a sua tese sobre a possibilidade de superação do capitalismo burguês por uma nova forma mais avançada de vida social.

No seu famoso Manifesto Comunista de 1848, junto com Engel, faz uma retrospectiva histórica do desenvolvimento das forças produtivas e propõe uma estratégia para a criação de uma sociedade onde as pessoas seriam avaliadas apenas pelas suas qualidades pessoais e não pelo pertencimento a um determinado grupo econômico. O apelo final do manifesto -  Proletários do mundo, uni-vos - é sinal de que o caminho para a superação do sistema capitalista, assim como ele, também teria que ter um caráter internacional.

O marxismo, nome pelo qual foram sintetizadas as idéias de Marx e Engel, se transformou desde então na principal bandeira de luta dos movimentos operários na Europa. Para os dois teóricos, as condições ideais que propiciariam uma revolução com o caráter comunista se localizavam principalmente na Alemanha e na Inglaterra, mas foi na economia capitalista dependente da Rússia, que subitamente elas se tornaram mais vivas por algumas razões históricas objetivas.

O capitalismo russo mesclava uma forte concentração operária nas suas grandes cidades, principalmente em São Petersburgo, com uma economia camponesa, vivendo com resquícios do feudalismo e altamente explorada por uma corte dissoluta e decadente dos czares.  Rapidamente, estes grupos operários se tornaram adeptos das idéias socialistas de inspiração marxista,  em suas três vertentes principais - a dos mencheviques,a dos bolcheviques e a dos socialistas revolucionários - e se organizaram em sovietes, uma espécie de parlamento operário.

 Durante os primeiros anos do século, a Rússia se transformou num cenário de lutas políticas cada vez mais agudas de contestação ao regime tzarista, cujos principais episódios foram a revolta no Encourado Potenkin em 1904 (a história seria contada em 1925 por Sergei Eisensten, no que é considerado um dos mais importantes filmes da história do cinema) e a tentativa de revolução de 1905, sufocada pelas tropas do Czar. 

Em 1917 a revolva da população contra o Czar chegaria ao seu ápice em duas etapas: em fevereiro, quando uma coligação entre os sovietes, nesta altura já de operários e soldados, e a burguesia liberal, derrubou a monarquia e em outubro, quando os sovietes, já totalmente dominados pelo Partido Bolchevique chegaram ao poder em São Petersburgo e proclamaram o início da era socialista.

O que levou a Rússia, mais atrasada que Inglaterra, França e Alemanha, onde havia classes trabalhadoras maiores e mais conscientes politicamente, a antecipar a derrota do capitalismo, foi a exasperação das condições de vida no País, depois que a guerra imperialista de 1914 sugou as riquezas russas e matou milhões de pessoas.

Com a bandeira de paz a qualquer custo e reforma agrária, os bolcheviques,  sob a liderança de Lenin e Trotski, mobilizaram operários e soldados e quase pacificamente derrubaram o Governo Provisório e iniciaram a primeira tentativa de construir um regime socialista na Europa.

Depois dos primeiros anos extremamente difíceis, tendo que suportar uma intervenção de tropas estrangeiras e, em seguida, uma longa guerra civil contra os exércitos brancos que pretendiam restaurar a monarquia, o governo se estabilizou, ainda que a necessidade de fortificar o poder central tenha eliminado algumas das mais importantes idéias de Lenin e Trotski, como a democracia interna dentro Partido Comunista, o respeito às diversas nacionalidades que compunham a nova União Soviética e o crescimento conjunto dos bens de consumo ao lado dos bens de produção.

Durante mais de 60 anos, a União Soviética conseguiu conservar algumas das características de uma sociedade socialista, mas seus problemas internos e a pressão econômica gerada pela concorrência com os Estados Unidos, principalmente no campo militar, levaram a uma crise interna que gerou, primeiramente o esfacelamento da unidade dos países integrantes do bloco socialista e mais adiante a própria queda do que restava da União Soviética, com a restauração do capitalismo.

Essa experiência frustrada faz supor que o sonho socialista pudesse estar morto e enterrado. Entretanto,a crise geral em que se envolveu o mundo capitalista nos últimos anos, com guerras localizadas, desemprego crescente e retorno de ideologias de caráter fascista predominando em varias regiões do mundo, colocou a humanidade novamente numa encruzilhada: ou avança em direção à barbárie ou retoma o sonho do socialismo humanitário, escrito nas páginas do Manifesto Comunista de Marx e Engel.

Marino Boeira é jornalista, formado em História pela UFRGS

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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