Cidadania: Um direito em exclusão pelos golpistas

Uma ideia para salvar nossa cidadania

Pedro Augusto Pinho*

O Brasil vive, neste ano de 2016, um dos piores momentos de sua história. Temos um inimigo da nacionalidade no governo, como já ocorreu no Brasil Colônia e nos primeiros momentos do golpe de 1964. Mas há uma diferença. Em ambos os casos citados, o inimigo da nação brasileira era perfeitamente visível e identificado.

Mas no Império, como hoje, o colonizador se oculta nos próprios poderes constituídos. O Brasil Império foi uma colônia inglesa. Entramos numa guerra, onde além da vida de brasileiros perdemos bens e dinheiro, que nada tinha a ver com os interesses nacionais, mas com os interesses geopolíticos do Império Britânico: a guerra do Paraguai. E pior, nos ensinam nos livros de história a enaltecer as pessoas que melhor serviram aos interesses ingleses. Agora temos, e é bom frisar, em todos os três poderes, um projeto de alienação da soberania e dos interesses do povo brasileiro. E querem nos impingir que se luta contra a corrupção e pela nossa economia saudável.

Por que, então, não vemos o país em armas, nas ruas, a exigir governantes comprometidos com o Brasil?

Não é resposta fácil, mas arriscarei um diagnóstico e colocarei uma ideia em discussão. Acompanho e de algum modo participo de grupos de pessoas que, honesta e denodadamente, buscam um Projeto para o País. Colaboro, mas fico também com a ideia de que, por melhor e mais amadurecido que ele seja, logo será destruído pela força dos interesses estrangeiros e pela hipocrisia e egoísmo, até pela ignorância, de boa parte da chamada elite brasileira. Penso que não se desenvolveu em toda nossa história, embora tenhamos obtido em poucos momentos governantes nacionalistas, um projeto de cidadania. E, só a partir dele, construir as instituições brasileiras; instituições que corresponderão a nosso estágio civilizatório e ao "modo brasileiro" de se governar, seja ele qual for e não necessariamente copiado de ideologias e modelos estrangeiros. Adiante tentarei explicitar meu entendimento sobre esta palavra: cidadania.

O mundo ocidental será meu limite territorial. Sempre que universalizar um conceito ou um exemplo, estarei me referindo apenas à Europa e aos continentes colonizados por europeus, da forma mais intensa e desconstrutora das culturas nativas, quando não exterminadas num processo genocida: Américas e África. Por desconhecimento, terei que excluir a Ásia, onde as culturas confucionista e budista conformam uma ideologia que não sei interpretar, além de não conhecer, senão superficialmente, sua história.

Há uma frase que me marcou: os direitos sociais não cruzam fronteiras. O mesmo poderia dizer em relação à cidadania. Desculpem-me os marxistas, mas as algemas aferroam diferentemente, conforme as culturas, os proletários ao redor do mundo. De comum terão sempre a ausência da cidadania, mas esta se formará também diferentemente, não pode ser globalizada, conforme as dimensões cuja exposição é um dos objetos deste trabalho.

Mesmo voltado para meu País, é indispensável ter uma visão do mundo que nos cerca. Nestas últimas décadas, especialmente a partir da queda do Muro de Berlim, o capitalismo financeiro vem dominando não só a economia mas a política e mesmo o pensamento acadêmico. Tanto que, como num passe de mágica, a crítica ao capitalismo foi considerada ultrapassada e redutora da teorização intelectual. Só a recente realidade do declínio da produção, do desemprego, da recessão interminável e das manifestações políticas e sociais, como a onda migratória que corre continentes, trouxe de volta a reflexão crítica. Na sociedade cuja riqueza é seguidamente concentrada e em ritmo crescente e os primeiros excluídos são as denominadas minorias, as questões de raça, de gênero e de cultura voltaram a se instalar na análise da sociedade como um todo, ou seja, nas dimensões econômicas, psicossociais e políticas. E disto a questão da cidadania também trata.

Concluindo esta Introdução, embora tenha o Brasil, suas culturas, seus pensadores, seu povo como objetivo, não me furtarei a usar o que já se produziu no exterior a este respeito, com a restrição que o conservador espanhol Ortega y Gasset recomendava em seu livro Missão da Universidade: busque-se no estrangeiro exemplos, nunca modelos.

A CIDADANIA

A ideia de cidadania começa na Grécia antiga, como muitos conceitos em nosso mundo ocidental. O cidadão é um membro da "polis", mas não o são todos os membros. Ele, simultaneamente, governa e é governado. Aristóteles apresenta os requisitos: é um indivíduo do sexo masculino, de ascendência conhecida, guerreiro, patriarca, usuário do trabalho de outros (mulheres e escravos) e de tudo que faz parte da sua casa.

É, realmente, muito interessante verificar que até hoje, transcorridos mais de dois mil anos, este conceito ainda guarda abrigo na manifestação quase instintiva das pessoas. Na verdade, a cidadania do homem armado, que manda e obedece, foi, ao longo da história, ganhando, paulatinamente, cada vez maior extensão, sendo hoje de todas as pessoas que residem numa "polis", também ampliada para a noção de estado.

Afirmei que o conceito de cidadania não se aplica hoje, com as restrições econômicas, psicossociais e políticas, a toda espécie humana, o que não significa que não poderá ocorrer amanhã. A cidadania tem fronteiras, como no verso sobre o passaporte de Maiakovsky, em 1929: "Eu sou cidadão da União Soviética".

Cinco séculos após Aristóteles, os jurisconsultos romanos Gaio e Ulpiano dão ao cidadão uma entidade jurídica, já não era mais uma pessoa que agia sobre outras, mas a pessoa que agia sobre as coisas. Introduz na cidadania o conceito de propriedade. Cidadão é possuidor de coisas. E pode obter o apoio da lei de sua comunidade. Quando atua ele é um cidadão. Logo, esta condição se estende por todo Império Romano. Mas observemos aqui a limitação espacial. Um celta, um bretão só seria cidadão se estivesse, livre, habitando com seus bens dentro dos limites do poder romano. Paulo, apóstolo de Cristo, era natural da Cilícia, hoje Turquia, filho de pais judeus, mas ao ser preso exigiu julgamento por seus pares, por ser cidadão romano, e foi conduzido a Roma.

Observemos que hoje, não aceitando submeter o cidadão norteamericano a cortes internacionais, os Estados Unidos da América se auto refere como a Roma imperial.

O advento do direito deslocou o cidadão de um universo político - da "polis" grega - para o do "civis", do "burgo", ou das leis. Do mundo de interações puramente pessoais passa-se a viver o mundo dos atos, das coisas, o cidadão é agora um súdito da lei.

Entra então uma nova variável, o cidadão será o elaborador dos seus constrangimentos e defensor de seus bens e dos seus direitos: o elaborador das leis. O materialismo não é uma criação marxista, mas do direito romano.

Mas a distinção do real, de "res" (coisa), sobre o pessoal, que torna agora o cidadão um agente, introduz igualmente a possibilidade das ações particulares e das ações sociais ou públicas. A cidadania continua como uma busca de exercício de direitos. O acatamento à soberania (das leis ou do Estado ou do soberano) vai passar também a ter mais de um sentido. E a cidadania vai se afastando da individualidade e criando uma supracidadania que irá defendê-la, o Estado.

Pelo século XV e XVI, o comércio passar a ser um elemento de substantiva importância entre Estados, entre leis que definem cidadanias. A quem se dará a posse das armas? O homem cidadão medieval ainda é um homem armado, como na "polis" e mesmo na "urbes", ateniense ou romano, mas estamos agora na dimensão das várias cidadanias. E, adicionalmente, mas de extraordinária importância, enriquecida com os ensinamentos de uma religião de igualdade, de amor ao próximo, de reivindicações que fogem das relações apenas com as coisas, espalhada por todo mundo europeu das ações.

E na continuidade desta cidadania surge então outra distinção: os puros e os impuros, os fiéis e os infiéis num mesmo burgo, dentro dos mesmos limites espaciais. Este debate continuará, travestido de novas ideologias - raciais, sociais, religiosas - com denominações de judeus, comunistas, terroristas islâmicos, bolivarianos, até nossos dias.

Mas podemos concluir, para o entendimento destas reflexões, que o cidadão é todo aquele que tenha nascido ou resida, com intenção permanente, num espaço denominado Estado e seja, por este Estado, assim considerado. O cidadão, como no poema de Maiakovsky, será israelita ou sueco ou boliviano ou britânico e, o que é nosso único interesse, brasileiro, conforme a instituição supracidadã, o Estado, por lei dos seus cidadãos, assim o considere.

Vamos discorrer a partir de agora a respeito da formação da cidadania. A cidadania é única, indivisível, mas didaticamente distinguimos três expressões ou dimensões em sua formação: a econômica, a psicossocial e a política. Mas isto será o assunto de outro artigo.

*Pedro Augusto Pinho, avô, aposentado

Fonte

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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