2015: Motivos para otimismo

"Alguns blogueiros têm hoje papel cada dia mais importante, de ajudar a preencher os gigantescos vazios de informação que a imprensa-grande-empresa insiste em manter como tal, quero dizer, como vazios de informação sonegada."

Minha linha de raciocínio não parece aproveitável ou recomendável, se se considera o que todos andam dizendo. Muitos estão convencidos de que 2015 será reprise de 2014 com algumas poucas mudanças para melhor (são previsões sempre seguras, mas chatíssimas de ler), e outros alertam para o perigo de um confronto nuclear entre EUA e Rússia (é possível, com a mesma probabilidade de acontecer que uma colisão de asteroide ou de aparecer uma supernova bem na nossa vizinhança galáctica). Mas até aí é mais do mesmo. A pergunta interessante a ser feita é "O que mudou no terreno em 2014, se é que mudou?"

6/1/2015, Dmitry Orlov, Club Orlov
http://cluborlov.blogspot.com.br/2015/01/2015-grounds-for-optimism.html

Para mim, o desenvolvimento realmente interessante em 2014 é que o mundo como um todo (com poucas e mínimas exceções) tornou-se bastante mais lúcido sobre o tópico "O que os EUA, como império global, são e defendem". Hoje, já se compreende completamente, em universos mais amplos, que:

1 - Os EUA são império do mal, tentando nem tanto reinar sobre o mundo, mas, mais, destruir o mundo para arrancar vantagens de curto prazo contra todos os demais países. 

2 - Os EUA estão falindo, como império e como país, e não há quantidade de fraudes, detonações, torturas e assassinatos que salve os EUA. 

3 - Os EUA ainda são bastante poderosos e podem causar desgraça massiva, enquanto vão caindo ladeira abaixo. Essa desgraça pode ser contida, enquanto se fazem planos para um arranjo internacional que surgirá depois de os EUA terem sido descartados. 

Se se considera 2013 e antes, esses sentimentos já estavam aparecendo bem manifestos, mas só nas periferias e em tom baixo. A diferença é que em 2014 os mesmos sentimentos tornaram-se conhecimento generalizado, e já apareceram enunciados até de tribunas presidenciais. E ainda mais importante: não se ouvem contra-argumentos! Não escuto uma única voz, que seja, que argumente que os EUA são potência benigna, que estão em ascensão, que não matariam uma mosca e que são e sempre serão o centro do universo. É. Ainda há quem pense assim, mas já não há quem leve a sério tal "pensamento". 

Ainda há uns poucos redutos sobreviventes: principalmente o Reino Unido, o Canadá e a Austrália. Mas mesmo aí o quadro real aparece sempre distorcido, por causa da imprensa-empresa nacional Murdock-izada que opera por lá. A julgar pelo que ouço do pessoal que vive lá, estão todos quase uniformemente nauseados pela posição de subserviência doentia que seus líderes adotaram ante os EUA. 

Quanto à União Europeia (UE), a imagem de uniformidade política que Bruxelas tenta distribuir para o mundo é, em grande parte, ficção. Nos países centrais da Europa Ocidental, líderes empresariais já são, quase uniformemente, favoráveis a cooperação mais próxima com a Rússia, e são contra sanções. Na região não central, nas franjas, países inteiros parecem à beira de mudar de lado. A Hungria - que nunca foi amiga da Rússia - parece hoje mais pró-Rússia que nunca. A Bulgária, que ao longo de séculos manteve atitude de amor-ódio ante a Rússia, parece hoje muito mais tendente ao amor. Até os poloneses dão tratos à bola, coçam a cabeça e se perguntam se cooperação tão íntima com os EUA algum dia seria boa coisa para os interesses nacionais poloneses. 

Outra grande mudança que observei é que porcentagem significativa do pessoal que pensa nos EUA já não confia na própria imprensa-empresa norte-americana. Há um certo padrão nas mensagens que se tornam virais e espalham-se alucinadamente por tuítos e pelas chamadas 'mídias sociais'. Mensagens marginais, periféricas, devem, por definição, permanecer nas margens. 

Até que, ano passado, algo aconteceu: publiquei algumas colunas em que tentava cavar uma via de escape na cobertura que a imprensa-empresa de massas nos EUA fazia dos eventos na Ucrânia; e sempre que publicava colunas daquele tipo, a resposta era avassaladora, surgiam centenas de milhares de novos leitores. Ainda mais importante: muitos deles nunca mais desapareceram e continuaram a visitar o blog querendo mais.

Entendo que isso signifique que o que tenho a dizer, ainda que absolutamente não seja o que a imprensa-empresa capitalista dominante repete e repete, nem por isso é informação marginal, que só interessaria a pequenos nichos especiais de opinião. 

Entendo também, por isso mesmo, que muitos blogueiros têm hoje papel cada dia mais importante, de ajudar a preencher os gigantescos vazios de informação que a imprensa-grande-empresa insiste em manter como tal, quero dizer, como vazios de informação sonegada. 

É claro que a imprensa-grande-empresa ainda tem importante papel a desempenhar. Por exemplo: sem a imprensa-grande-empresa, eu não saberia o tamanho da bunda de Kim Kardashian. Aí está a grande imprensa-grande-empresa para manter-me bem informado. A bunda de Kim Kardashian canta? Quero dizer: se você está em busca de informação fidedigna sobre essa importante temática, então, sim, a grande-empresa-grande-imprensa nacional norte-americana é sua amiga. Mas para a maioria das questões não relacionadas a bundas, acho que os que comandam os circos político e 'midiático' nos EUA infringiram uma regra fundamental; parece que esqueceram, porque foi enunciada pela primeira vez por um norte-americano muito citado, Abe Lincoln: "É possível enganar todas pessoas por algum tempo, e algumas pessoas, todo o tempo. Mas não é possível enganar todas as pessoas, todo o tempo." 

Caso alguém aí no reino da 'mídia' esteja cansado de escrever colunas que só servem para o/a colunista limpar com elas a respectiva Kardashian, eis alguns itens que, se os 'jornalistas' quiserem, podem tentar refutar: 

1 - A desigualdade econômica TEM DE aumentar sempre, até que a coisa toda desabe, porque só assim é possível continuar a inflar a bolha financeira, enquanto a economia física, real, produtiva, está realmente encolhendo. É totalmente impossível que os ricos gastem na economia real todo o dinheiro que têm. 

Em vez disso, os coitadinhos têm de se contentar com investir em itens de luxo, que também não podem usar 24 horas por dia, sete dias por semana, de tal modo que a maioria dos milionaríssimos estão condenados a parar onde estão e deixar-se decair lentamente. Ou, então, eles põem o dinheiro deles em bens de papel de vários tipos - e isso, claro, é ótimo para a bolha financeira. Seja como for, se você vive numa bolha financeira, você tem de avançar, não importa como, contra as mais insuperáveis limitações físicas de terra, energia, água limpa, minas de minérios valiosos e outros itens essenciais para os estoques industriais. Nesse caso, o melhor a fazer é inverter o negócio de Robin-Hood e começar imediatamente a roubar dos pobres para dar aos ricos. 

2 - O caos mundial TEM DE SER AUMENTADO SEMPRE, porque é o modo de os militares dos EUA justificarem a própria existência. São militares caríssimos, mas não muito produtivos. (Só o projeto do novo jato de combate F-35 já custou mais de um trilhão para ser desenvolvido - e mesmo assim é uma droga de projeto, e é possível que jamais venha a ser construído.) 

Pois apesar desse gasto alucinado de dinheiro, os militares norte-americanos não conseguem obter uma vitória decisiva, em praticamente qualquer das várias guerras em que estão metidos, não importa quem seja o inimigo, não importa o quanto seja fraco e pobre e miserável, e o máximo que conseguem é sempre um conflito de baixa intensidade, a ser mantido como tal, até que o incêndio novamente recomece a qualquer momento.

Provavelmente por causa disso, os militares norte-americanos vivem a ameaçar os fracos e pobres, e usam essas ameaças para obter vantagens financeiras. Mas o único modo de tornar efetivas as ameaças é destruir um ou outro país, regularmente ou com semirregularidade: "Que lindo país, o de vocês. Odiaríamos convertê-lo em outra Líbia..."

Qualquer confronto com alguma real potência militar - Rússia, China, Índia, até o Irã - está, é claro, completamente fora de questão, porque uma única derrota militar humilhante para os EUA (inevitável, se se considera que os EUA sempre foram derrotados nas guerras em que se meteram com adversários menores e mais fracos), bastaria para pôr abaixo todo o programa do militarismo norte-americano. 

3 - Como outro presidente dos EUA (Dwight Eisenhower) disse uma vez: "Se você não consegue resolver um problema, aumente o problema." 

Mas é claro que vez ou outra você tem, sim, de resolver algum problema! Você não pode simplesmente só aumentar e aumentar e aumentar sempre ad infinitum todos os problemas que lhe apareçam. 

Sim, mas... Que problemas os EUA resolveram ultimamente? O que está acontecendo de bom no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria ou na Ucrânia? Nada e nada: tudo só piora a cada dia. E quanto à reforma financeira no início do colapso de 2008 que apanhou todos de surpresa? Nada. E já há outro colapso gigante à vista, no formato de fracasso da nascente indústria do fracking, porque o preço do petróleo caiu muitíssimo. Algo de bom a noticiar sobre a reforma da assistência pública à saúde? Não. A saúde pública está cada vez mais ridiculamente mal feita e mais cara. Os estudantes estão conseguindo pagar os empréstimos para pagar cursos superiores? Não! Nem perto disso! E que tal um esforço para reduzir as emissões de carbono, para adiar (já que evitar já se sabe que é impossível) o desaparecimento da costa leste, onde metade de tudo está sendo submerso? Não, não, nem um fiapo de esperança. Resolveram-se os problemas da dívida pública? Não. Nem se fez qualquer esforço nessa direção. Os EUA continuam na rota para a bancarrota e colapso nacional? Ah, sim, continuam. Todos os sistemas estão OK. Engatem a marcha e sigam em frente! 

Claro que a milhagem varia de pessoa a pessoa, mas descobri número surpreendente de pessoas pelo mundo (embora não especialmente nos EUA) que já estão bem antenadas para todas essas questões. E aí está algo que me faz sentir otimista à espera de 2015. *****

 

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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