"Juízes tinham medo da imprensa, mas isso está mudando"

Por ANTONIO CARLOS LACERDA

PRAVDA.RU

 

BRASILIA/BRASIL - No Brasil, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso, disse no Fórum Internacional Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário que os juízes brasileiros precisam ser "mais comunicativos", para explicar à sociedade como funciona o Poder e qual é o significado e o alcance das decisões judiciais.

 

"Jornalista não é inimigo", disse o presidente do STF, para quem os juízes tinham um "certo medo da imprensa", mas hoje estão entendendo melhor o papel dos veículos de comunicação e criando um relacionamento saudável. "Nós tínhamos muito medo da imprensa e mantínhamos uma distância que considerávamos saudável. Essa cultura vem mudando vigorosamente", enfatizou o presidente do STF, ministro Cezar Peluso.

 

Cezar Peluso foi um dos participantes do fórum Liberdade de Imprensa e Poder Judiciário, promovido pelo STF em parceria com a Associação Nacional de Jornais (ANJ). A manifestação do presidente do STF, de certa forma, sinaliza uma nova postura dos juízes.

 

No século passado, segundo Cezar Peluso, persistia a idéia de que os juízes não podiam falar nada além do que estava nas decisões e despachos de processos não sigilosos, em uma linguagem técnica e de difícil compreensão.

 

Cezar Peluso acredita que, hoje, a situação é outra. "Os juízes estão entendendo melhor o papel da imprensa e não têm mais medo de conversar e estabelecer um campo de relacionamento respeitoso (com jornalistas), que é bom para ambos os lados".

 

Segundo o ministro, muitas vezes, as pessoas não entendem a linguagem técnica usada pelos juízes e que o papel de tradutor dessa linguagem exercido pelos jornalistas é fundamental para tornar o Judiciário mais compreensível à sociedade.

 

O presidente do Supremo disse ainda que os jornalistas precisam ser mais indagativos. "Perguntar 'como isso funciona?"; 'significa o que?'. Às vezes, as palavras não conseguem traduzir com exatidão o conceito, o significado de certos pronunciamentos ou o alcance de certas decisões".

 

Perguntado se a não exigência de diploma para jornalista não interfere na qualidade da cobertura da imprensa, Peluso afirmou que o jornalismo "é um estado de espírito", que o pai dele foi jornalista e não tinha diploma universitário de jornalismo.

 

Cezar Peluso foi um dos que votaram contra a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista em julgamento do STF em 2009. Por 8 votos a 1, o diploma de curso superior deixou de ser exigido para o exercício da profissão.

 

Na abertura do Fórum, o presidente do STF disse que a imprensa é um dos pilares do Estado Democrático de Direito. "Ao lado de outros institutos, como eleições livres, a independência do Judiciário, o império da lei e a separação dos Poderes, a imprensa é um dos pilares do Estado Democrático de Direito", enfatizou o presidente da mais alta Corte de Justiça do Brasil.

 

No fórum, ministros, juristas e jornalistas debateram assuntos de interesses da liberdade de expressão, como a necessidade ou não de uma nova Lei de Imprensa, e decisões judiciais que ainda hoje impõem restrições à comunicação.

 

A censura ao jornal O Estado de São Paulo foi citada por palestrantes brasileiros e estrangeiros que participaram do evento. Em julho de 2009, o jornal foi proibido por um desembargador do Distrito Federal de divulgar informações sobre uma investigação envolvendo a família do presidente do Senado, José Sarney.

 

"A censura judicial que (o jornal) sofre há quase dois anos representa, sem dúvida, uma mancha negra da imprensa na história do Brasil", disse o diretor executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Julio Muñoz.

 

Cezar Peluso não quis falar especificamente sobre o caso do Estadão, alegando que pode ter de julgá-lo no Supremo, mas reconheceu que existem problemas que, na opinião dele, são marginais.

 

"A liberdade de imprensa jamais contou com tantas garantias legais e constitucionais. Problemas pontuais - por mais graves que sejam sob certo aspecto - não devem obscurecer esse fato inquestionável", afirmou.

 

A censura prévia à imprensa preocupa jornalistas e magistrados no Brasil. Representantes do Judiciário e de empresas de comunicação manifestaram preocupação com obstáculos à liberdade de imprensa na América Latina, como, no caso do Brasil, a censura prévia adotada por juízes de primeira instância.

 

Magistrados e jornalistas defenderam a aprovação da lei de acesso a informações públicas, que tramita no Senado. Segundo Judith Brito, presidente da ANJ e superintendente do Grupo Folha, o projeto faz "parte de todo o processo de construção de uma sociedade democrática".

 

Se aprovada como está, a lei acaba com o sigilo eterno de documentos e cria regras facilitadas para obtenção de informações públicas. O presidente do Senado, José Sarney, e o senador Fernando Collor, entretanto, são contra o texto e têm impedido a sua votação na Casa.

 

No fórum, o jornal "Clarín", que pertence ao maior conglomerado de mídia da Argentina, recebeu o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2011.  O jornal "simboliza os problemas que a imprensa argentina vem enfrentando para exercer da melhor forma possível sua missão de fazer um jornalismo independente, de qualidade, sem submissão a governos", discursou Judith.

 

O encontro também foi marcado por críticas a decisões da Justiça que proibiram a veiculação de reportagens ou o acesso a documentos. "Hoje, o inimigo da liberdade de imprensa é um pequeno setor do Poder Judiciário, refratário e intolerante", afirmou o ministro do STF Carlos Ayres Britto.

 

A advogada da Folha, Tais Gasparian, fez um paralelo com a ditadura (1964-1985). "Nos tempos da ditadura, pelo menos havia um censor que analisava o que poderia ou não ser publicado. A censura judicial, quando se impõe, é ainda mais grave, porque ocorre sem o conteúdo das reportagens."

 

ANTONIO CARLOS LACERDA é Correspondente Internacional do PRAVDA.RU

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