Enviado da ONU para Sahara Ocidental se sente pessimista

Christopher Ross - Enviado Pessoal do SG da ONU - mostra-se pessimista em relação à resolução do conflito do Sahara Ocidental e pede apoio às grandes potências - Carta‏

Excelência,

Como é do conhecimento de V. Exa., vou visitar as capitais do Grupo de Amigos do Sara Ocidental a partir do dia 21 de Junho de 2010. Para ajudar o Governo de V. Exa. a preparar-se para as discussões que pretendo promover, peço a V. Exa. que transmita as seguintes reflexões às autoridades pertinentes na mais estrita confidencialidade.

O Problema

Desde que fui nomeado Enviado Pessoal do Secretário-Geral para o Sara Ocidental, tenho beneficiado da boa vontade das partes envolvidas e dos países vizinhos em trabalharem comigo e tive o prazer, pelo qual estou muito grato, de contar com o apoio forte e generalizado do Conselho de Segurança. Nesta base, empreendi três viagens para consultar as partes envolvidas, os países vizinhos e outras capitais interessadas. Promovi igualmente duas reuniões informais entre as partes, com os países vizinhos na qualidade de observadores. Estas reuniões foram importantes para manter abertas vias de comunicação, reduzindo o risco de uma escalada da tensão e para pressionar as partes no sentido da negociação.

Apesar disso, a minha conclusão neste momento é a de que, embora as partes envolvidas tenham a vontade política de se encontrarem cara a cara, não possuem ainda a vontade política de entrar em negociações genuínas sobre o futuro do Sahara Ocidental ou de prestarem uma atenção prioritária a medidas que criem confiança. Na reunião informal mais recente, em Winchester County, a Frente Polisario encetou de forma modesta o que poderia vir a ser uma negociação genuína, ao analisar com Marrocos vários aspectos específicos da proposta de autonomia de Marrocos. Marrocos, pela sua parte, recusou-se a analisar a proposta da Frente Polisario. Em consequência disso, a Frente Polisario não avançou mais.

No final da reunião em Westchester County, as partes concordaram com a minha declaração de que «nenhuma das partes tinha aceitado a proposta da outra como única base de futuras negociações”. O processo de busca de uma solução está a decorrer ao abrigo do capítulo VI, pelo que nenhuma das partes pode ser obrigada a aceitar a proposta da outra, tal qual está formulada. O Secretário-Geral e eu não conseguimos por nós próprios convencer as partes a abandonar o seu apego intransigente a posições mutuamente exclusivas. Precisamos de apoio específico quer do Conselho de Segurança quer do Grupo de Amigos, como descrito no anexo à presente carta.

A Questão do Status Quo

O Conselho de Segurança reconheceu que a consolidação do status quo não é aceitável a longo prazo. Apesar disso, cada uma das partes e, no mínimo, um dos países vizinhos, agem como se o tempo estivesse do seu lado. Os membros do Grupo de Amigos podem auxiliar a fazê-los aceitar que, por mais confortável que a situação possa ser a curto prazo, a estabilidade na região, a segurança, a integração e o desenvolvimento serão melhor servidos se houver um compromisso sério na procura de uma solução.

O Processo de Negociação entre as Partes

Marrocos é um Estado e a Frente Polisario é um movimento. Não obstante, no processo actual, as partes têm de lidar uma com a outra como parceiros mais ou menos iguais, se quiserem fazer progressos. Isso requer, pelo menos, que haja mostras de respeito mútuo em relação aos indivíduos presentes e às propostas que eles tenham posto sobre a mesa. Uniformemente, não tem sido esse o caso.

O Conselho de Segurança apelou à realização de negociações sem condições prévias e de boa fé. Embora tenha saudado os esforços sérios e credíveis de Marrocos para avançar com o processo, não mencionou que as discussões se deviam limitar à proposta de autonomia feita por Marrocos. Se se pretender que o processo avance para negociações genuínas, é preciso que cada uma das partes seja persuadida de que a sua proposta foi examinada e discutida em pormenor e que foi feito um esforço para responder às suas preocupações.

Se as partes continuarem relutantes em mostrar vontade política para examinarem e discutirem as propostas de cada uma, num primeiro passo, no sentido de uma discussão mais fluida e realista do futuro do Sara Ocidental, há poucas razões para se realizar uma terceira reunião informal ou uma quinta ronda de negociações formais. De facto, rondas sucessivas de reuniões, sem que haja um progresso significativo, acabam por pôr cada vez mais em causa a credibilidade das Nações Unidas, do Conselho de Segurança e do Enviado Pessoal.

A Contribuição dos Países Vizinhos

O Conselho de Segurança apelou às partes envolvidas e aos países da região para que cooperassem mais plenamente com as Nações Unidas e uns com os outros para se conseguirem progressos. A Argélia e a Mauritânia estiveram de facto presentes nas duas reuniões informais realizadas até à data. Na prática, porém, consideram-se a si próprios meros observadores. As suas delegações estiveram presentes nas sessões pro forma de abertura e de encerramento sem dizerem uma palavra e ausentaram-se das discussões de intervenção.

A participação da Mauritânia no processo é, em grande medida, simbólica e não requer nenhuma atenção especial neste momento. O mesmo não se passa em relação à Argélia, dado o abrigo que proporcionou aos refugiados saharauis e o apoio político e não só que tem prestado à Frente Polisario. A sua posição actual é a de que tomará parte na discussão de qualquer assunto que careça de aprovação ou de acção da sua parte, como é o caso em relação a determinadas medidas de criação de confiança, mas que se manterá afastada de qualquer discussão sobre o futuro do Sahara Ocidental, o qual terá de ser resolvido entre Marrocos e a Frente Polisario, como insistem os seus líderes. No entanto, um empenhamento mais forte da parte da Argélia, pelo menos o reconhecimento mais firme de que o status quo não é benéfico a longo prazo e um maior apoio às medidas de criação de confiança, ajudariam a dar um impulso a um empenhamento efectivo das partes.

Medidas de Criação de Confiança

Na ausência de negociações genuínas sobre o futuro do Sara Ocidental, a implementação de medidas que criem confiança de forma a aumentar a confiança mútua, a fazer com que os saharauis há muito separados se familiarizem de novo uns com os outros e a permitir um diálogo sobre as perspectivas futuras tem vindo a revestir-se de importância acrescida.

O Conselho de Segurança apelou às partes envolvidas para que implementassem os acordos anteriores sobre as medidas de criação de confiança e que considerassem medidas adicionais. Apesar disso, as medidas existentes estão em risco, a implementação de, pelo menos, um acordo de princípio ficou para trás e a exploração de medidas suplementares foi refreada.

A questão mais premente é o reatamento das visitas de familiares por via aérea. O Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) suspendeu essas visitas depois de Marrocos se ter oposto à inclusão de dois indivíduos na lista de um voo programado para o dia 26 de Março de 2010. O Plano de Acção do ACNUR, com o qual as partes tinham concordado, dava ao ACNUR a responsabilidade exclusiva de determinar quem devia ser incluído e eu pedi a Marrocos que deixasse viajar os indivíduos em questão ou então que pusesse de lado a questão do voo de 26 de Março para ser discutida posteriormente e deixasse prosseguir os voos programados para depois de 26 de Março. Continuo à espera de uma resposta. A Frente Polisario está à vontade com qualquer uma das opções.

Enquanto as visitas de familiares por via aérea continuarem suspensas, é difícil de imaginar a inauguração das visitas de familiares por transporte rodoviário, como foi acordado em princípio já em 2008. A Frente Polisario teve a sua reunião anual de avaliação com o ACNUR em Genebra, em Maio de 2010, e aceitou o projecto do Plano de Acção relativo à opção por transporte rodoviário e Marrocos concordou com a data de 2 de Julho de 2010 para a sua reunião de avaliação.

Quanto aos seminários, campos de férias para jovens e visitas alargadas de familiares para ocasiões especiais, como sejam casamentos e funerais, que o ACNUR tem proposto para aumentar o contacto entre os saharauis dos campos e do território propriamente dito, não houve qualquer acção durante vários anos. Em 2007, Marrocos retirou-se do primeiro seminário, que era para ter sido realizado em Portugal, em Novembro desse ano. Durante o ano passado, a Argélia desaconselhou a ONG internacional «Search for Common Ground» a explorar esses eventos com os líderes da Polisario da região de Tindouf, ainda que agora esteja a tentar fazê-lo a meu pedido. Os progressos ao nível das medidas de criação de confiança irão gerar entusiasmo no sentido de um empenhamento efectivo das partes envolvidas e serão um sinal inequívoco de que as partes podem de facto trabalhar em conjunto.

Direitos Humanos

Uma vez mais, na ausência de qualquer progresso em relação à questão nuclear do futuro do Sahara Ocidental, a questão dos direitos humanos assumiu uma maior importância do que a que teria de outro modo e é provavelmente o aspecto mais controverso das discussões no seio do Conselho de Segurança e não só. Estas discussões têm lugar, tendo por pano de fundo um longo historial de acusações por parte da Polisario contra Marrocos e um historial mais curto de acusações de Marrocos contra a Frente Polisario e a Argélia. Numerosos relatórios da Amnistia Internacional, da Human Rights Watch e de outras organizações deitam ainda mais gasolina para a fogueira. Alguns membros do Conselho de Segurança e do Grupo de Amigos têm um profundo interesse por esta questão, enquanto outros a consideram, na melhor das hipóteses, uma distracção desnecessária ou, na pior das hipóteses, uma tentativa de atingir Marrocos.

Desde a minha nomeação, tenho lembrado aos meus interlocutores marroquinos que, se eles pretendem levar a Frente Polisario a aceitar a sua visão de um Sahara autónomo, deviam agir de modo a demonstrar as suas boas intenções, sendo tolerantes para com os activistas pela independência do Sahara, em vez de limitarem a sua liberdade de movimentos e de expressão. Graças aos esforços amistosos de vários governos e das Nações Unidas, Marrocos resolveu o caso de Aminatou Haidar de forma construtiva. Desde então, respondendo aos conselhos provenientes de várias direcções, Marrocos tem tido uma atitude muito mais branda para com os activistas saharauis.

Ao mesmo tempo, Marrocos mobilizou a sua diplomacia para salientar o que encara como uma situação inaceitável dos refugiados saharauis na Argélia, acusando a Argélia e o ACNUR de se eximirem à sua responsabilidade de fazerem um recenseamento destes refugiados e de zelarem pelo seu bem-estar e pela sua liberdade, acusando ainda a própria Polisario de abusos continuados de direitos humanos.

Ao abordar a dimensão humana do conflito, o Conselho de Segurança fez notar a necessidade de todas as partes cumprirem as suas obrigações. Trata-se de uma advertência útil que deve ser repetida.

Atmosfera

A primeira reunião informal na Áustria restaurou uma atmosfera de respeito mútuo no processo, mas esta foi rapidamente dissipada por vários factores, entre os não menos importantes dos quais se contam as ásperas declarações das várias partes e a campanha negativa em que se envolveram os meios de comunicação social de cada parte, atacando os líderes pelo nome, lançando várias acusações uma contra a outra e criticando as políticas internas e externas uma da outra. Este fenómeno continua até à data e vai toldar futuros encontros, se persistir.

Perspectivas de uma Próxima Reunião Informal

Se trabalharmos em conjunto, podemos convencer as partes e os países vizinhos a empenhar-se de forma mais construtiva. Estou a pensar realizar uma terceira reunião informal em Agosto ou Setembro de 2010, que teria por objectivo da minha parte (a) promover uma discussão conjunta das últimas orientações dadas pelo Conselho de Segurança na Resolução 1920 (2010); (b) empenhar cada parte separadamente na sua proposta, recorrendo a especialistas em formas de partilha de poder que podem ir desde a integração total à independência total e tudo o que possa haver de permeio, de forma que cada uma das partes se afaste dos estreitos limites da sua proposta e (c), se possível, fazer com que as partes se empenhem numa visão partilhada de governo interno do Sara Ocidental, deixando de lado o estatuto final para ser discutido como uma última questão.

Questões a pôr à Consideração

1. Que resultados específicos considera aceitáveis para este conflito? A Frente Polisario afirma que qualquer processo que conduza a um referendo em que a independência seja uma opção é um resultado aceitável. Marrocos argumenta que uma autonomia negociada é o único resultado possível. É claro que existem muitas formas possíveis de autonomia.

2. Qual é a sua opinião sobre os requisitos para o exercício genuíno de uma autodeterminação? A Frente Polisario sustenta uma vez mais que tal só pode advir de um referendo em que a independência seja uma opção. Marrocos argumenta que isso pode advir de uma solução negociada submetida a um referendo confirmativo.

Acções a Considerar

Qual é então o apoio que procuro dos membros do Grupo de Amigos ao tentar fazer avançar as partes? Abordagens de alto nível de Marrocos, da Frente Polisario e da Argélia ao longo do mês de Julho acolheriam bem os meus esforços e dariam o empurrão necessário. Todos devem ver que o Grupo de Amigos e eu estamos a trabalhar no mesmo sentido, se se pretender que a minha missão tenha alguma hipótese de sucesso. Em anexo encontram-se alguns pontos que poderiam ser incorporados nessas abordagens.

Estou na expectativa de discutir estes e outros aspectos da situação no Sara Ocidental e Norte de África durante a minha visita à vossa capital.

Aceite, Excelência, os protestos da minha mais elevada consideração.

Christopher Ross

Enviado Pessoal do Secretário-Geral

para o Sara Ocidental

ELEMENTOS A CONSIDERAR NAS ABORDAGENS DE ALTO NÍVEL

Para Marrocos, a Frente Polisario e a Argélia:

A longo prazo, o status quo é inaceitável. É crescente o risco de uma deriva para o extremismo ou para actividades criminais entre a juventude sarauí. O perigo de uma aventura militar ou paramilitar poder escalar e transformar-se em hostilidades aumenta, quanto mais tempo a diplomacia não conseguir produzir progressos. Os custos a nível interno são elevados, particularmente em Marrocos. A ausência de uma solução impede a integração e o desenvolvimento regionais e uma cooperação abrangente em matéria de segurança. Prolongar a miséria humana dos campos é cruel. Na ausência de uma solução, o reconhecimento internacional do estatuto do Sara Ocidental não está próximo.

As medidas de criação de confiança devem receber atenção urgente. As visitas de familiares por via aérea devem ser retomadas imediatamente com base no Plano de Acção do ACNUR. As reuniões de carácter técnico sobre a visita de familiares por transporte rodoviário devem ser programadas rapidamente, logo que sejam concluídas as reuniões anuais de avaliação com o ACNUR, ou seja, depois de 2 de Julho de 2010. Outras medidas de criação de confiança propostas pelo ACNUR ou pelo Enviado Pessoal devem ser consideradas atempadamente.

Continuamos preocupados com as acusações mútuas de violações dos direitos humanos que passaram a ser tão frequentes. Cada uma das partes deve cumprir as obrigações estipuladas nas convenções internacionais relativas ao respeito pelos direitos do Homem e à protecção dos refugiados.

Os ataques pessoais e políticos que cada uma das partes lança contra a outra nas suas declarações e nos meios de comunicação social azedam a atmosfera para quaisquer encontros futuros. Seria útil que todas as pessoas interessadas evitassem declarações provocatórias e incitassem os meios de comunicação a suspender os seus ataques.

Para Marrocos e a Frente Polisario:

Se e quando o Enviado Pessoal convocar uma outra reunião, os senhores têm de encontrar processos que permitam examinar e discutir as proposta de cada um de forma muito mais completa do que fizeram em Westchester County. O facto de as examinarem e discutirem não quer dizer que as aceitem, mas transmitem um sinal de respeito pela outra parte e de uma supressão das condições prévias. Se cada uma das partes ouvir as preocupações da outra parte e demonstrar boa vontade em adaptar a sua proposta inicial de modo a atender a essas preocupações, aumentará a probabilidade de se chegar eventualmente a uma solução aceitável. As críticas a nível interno podem ser neutralizadas, se for afirmado que a discussão não significa a aceitação de tudo o que foi dito.

Para a Argélia:

É possível fazerem mais, sem comprometerem a vossa posição. Admitimos que não desejem negociar o futuro do Sara Ocidental no lugar da Frente Polisario. Não obstante, podem ir além da vossa prática passada enquanto observadores, apoiando de uma forma mais plena o desenvolvimento de medidas de criação de confiança, enfatizando os perigos do status quo e tomando outras medidas que julguem apropriadas.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey