O cinismo da "democracia" fundamentalista

Foram vários os eventos que marcaram o primeiro encontro entre Barack Obama e o recém-eleito primeiro ministro de Israel, Benjamin Netaniahu. Evidentemente, não havia expectativas maiores sobre as possibilidades de alguma transformação qualitativa nas pretensões políticas do líder sionista de direita. Pelo contrário, ele insiste em afirmar que qualquer acordo, mesmo com os dirigentes palestinos mais moderados, aceitos pelas potências ocidentais em função de suas incessantes concessões, pressupõe o reconhecimento do Estado Judeu de Israel. Isto mesmo; a nova liderança daquilo que é chamada a única democracia no Oriente Médio torna público o caráter não-laico do Estado que governa. Exigência que nem o aviltado Abbas, do hoje degradado Fatah, tem condição de aceitar, a não ser que almeje o suicídio político.


Mas não ficou aí a arrogância de Netaniahu. No mesmo momento em que, de público, Obama repetia o discurso que os governos americanos sempre fazem sem cobrar passos concretos, no sentido de que o governo de Israel ponha fim aos assentamentos encravados por toda a Cisjordânia, o governo de Israel autorizava a implantação de mais uma colônia de belicosos e sectários sionistas fundamentalistas no sudeste dos territórios povoados pelos palestinos. Ou seja, para além dos ofensivos postos de controle entre aldeias vizinhas, mais uma área entregue a irracionais ocupantes, que servirá de justificativa para a construção de futuros muros de "proteção". E para novas escaramuças e repressão violenta contra os palestinos que ali vão protestar contra o abuso.


Neste contexto, soa cínica a preocupação de Israel contra o projeto energético nuclear que o governo do Irã vem desenvolvendo. Porque é sabido ser Israel uma das maiores potências em armamentos nucleares no mundo atual; um arsenal que nenhuma agência pode controlar porque é um dos poucos países do mundo não participante do Acordo de Não-Proliferação de armas nucleares. Ou seja; é, na região, o único país com possibilidade de guardar, sem fiscalização, as armas de destruição massiva que não existiam, mas justificaram o massacre das potências ocidentais capitalistas sobre o Iraque.


Torna-se necessária, portanto, pela atualidade e pela riqueza de dados para análise, a divulgação do artigo de Vinicius Valentin Raduan Miguel, que apresentamos com destaque neste portal.

Al-Nakba

(A Catástrofe, por Carlos Latuff)

15 de maio de 1948: A guerra que não terminou

Vinicius Valentin Raduan Miguel

Israel e a limpeza étnica da Palestina

Todos os anos, nesta data, é relembrado o que os árabes/palestinos chamam de Al'Nakba (A Catástrofe) ou o que os judeus-israelenses comemoram como a Guerra de Independência, quando o Estado de Israel foi criado.

Uma problemática acompanhou a criação do Estado de Israel: Israel é um projeto que prega a exclusividade étnica e lingüística de um grupo (judeu/hebraico) em detrimento de todos os outros. A questão posta nos anos iniciais da colonização era "como lidar com a população árabe que lá vivia?". A solução encontrada foi uma deliberada e metódica eliminação física e cultural dos povos tradicionais, uma prática que encontra seu conceito jurídico na definição de "limpeza étnica". Desta forma, no ano de 1948, 531 vilas, 11 áreas urbanas e 30 cidades foram totalmente destruídas. No total, aproximadamente 800.000 pessoas (mais do que metade da população na época) foram expulsas1 formando a atual massa de quatro milhões de refugiados que habitam os países vizinhos.

Relembrar este dia é fundamental, pois marca uma data que tragicamente não terminou. A Guerra de 1948 não terminou por duas razões: (a) Israel se recusa a reconhecer o crime que cometeu e, desta maneira, aceitar as responsabilidades advindas de sua prática, como aceitar o retorno dos refugiados e/ou indenizar os sobreviventes expulsos de suas terras e; (b) o fator ideológico que motivou a guerra persiste. Em outras palavras, o projeto de Israel enquanto Estado sem árabes continua e a prática de limpeza étnica é um fantasma constante.

A analogia com o apartheid2 é evidente: um Estado de brancos sem negros é inaceitável, mas um Estado de judeus sem árabes é permissível. Esta é a origem de todos os conflitos na região - muito além da concepção reducionista de embate apocalíptico-religioso em que uma aliança "Européia/Ocidental/Cristã" da "bondade" enfrenta os "malvados" "Orientais/Muçulmanos/Anti-Cristãos"3. Mas contestar esta prática racista é violência e a violência do fraco, mesmo que injustificada e em resposta a uma prévia violência, é terrorismo. Em contrapartida, a violência do poderoso se justifica e apresenta-se como legítima defesa!

Falar em enfrentamento entre Israel e Palestina esconde ainda outros problemas, não menos sutis. Mascara-se propositalmente que Israel é um Estado e a Palestina não existe enquanto tal. A Palestina persiste em um limbo jurídico definido como "territórios ocupados", uma condição em que a potência ocupante é responsável de fato pela administração. É sob estes fatos ignorados e falsificados pela mídia que é preciso entender os últimos acontecimentos na região, como a guerra em 2006 contra o Líbano e o recente massacre em Gaza, iniciado em dezembro de 2008.

A violência israelense, como todas as agressões colonialistas são desproporcionais. Na Guerra de 2006 contra o Líbano, por exemplo, são 44 civis israelenses mortos contra 1191 civis libaneses; na Guerra de 2008-2009 contra Gaza foram 3 civis israelenses contra 926 civis palestinos. Mas não só de nefastas estatísticas que se faz a desproporcionalidade. A cobertura histórica também é desproporcional e são poucas as menções feitas à tragédia árabe-palestina de 1948, contribuindo para seu "apagamento".

Neste sentido, a maior eliminação provocada por este verdadeiro crime de limpeza étnica foi a supressão do acontecimento da História, de maneira que ninguém sequer menciona este outro holocausto4. Contra isso, celebrar o Dia da Catástrofe é lembrar. É um projeto educativo denunciando a limpeza étnica da Palestina como um projeto inacabado de Israel. Lembrar os métodos e práticas israelenses que se arrastam do passado até os dias de hoje devem servir para impedir que o plano de eliminação da Palestina se concretize. Repetindo o mantra que já nos acostumamos a ouvir: Nunca mais!

1 PAPPE, Ilan. The ethnic cleansing of Palestine. Oneworld Publications, Oxford: 2007.

2 Para mais informações, o website http://ApartheidNaPalestina.blogspot.com/ possui uma valiosa coletânea de artigos sobre o assunto.

3 Não esquecer que existem outros grupos religiosos entre os palestinos, como cristãos.

4 Existem projetos de leis no parlamento israelense que buscam inclusive proibir manifestações lembrando o dia!

Vinicius Valentin Raduan Miguel é cientista social pela Universidade Federal de Rondônia e mestrando em Ciência Política pela Universidade de Glasgow, Escócia.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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