Anselmo Massad: 'Para onde vai o Irã?'

“Temos sérias diferenças que cresceram com o tempo. Minha administração está comprometida com a diplomacia (…) para buscar laços construtivos entre os Estados Unidos, Irã e a comunidade internacional”, pediu o mandatário da Casa Branca. Com elogios à “grande civilização” persa, ele se comprometeu a não usar a força e lembrou que a escolha do caminho do diálogo também está disponível para o Irã.

Por Anselmo Massad, para a Revista Fórum

A mensagem foi divulgada 11 dias antes de se completarem 30 anos do início do acirramento entre os países. A volta do aiatolá Rouhollah Mousavi Khomeini do exílio ocorreu em 1º de abril de 1979, marcando a transformação do país na República Islâmica do Irã. De orientação xiita, o regime substituiria o governo pró-Ocidente do xá Mohammad Reza Pahlavi com um discurso de defesa do Islã e da soberania do país. A partir daquele momento, a submissão aos interesses de multinacionais do petróleo seria abandonada, a nação fechar-se-ia à influência cultural, entraria em uma sangrenta guerra contra o Iraque e se tornaria um dos grandes rivais dos Estados Unidos na região.

A revolução

O segundo xá da dinastia Pahlavi governava o Irã desde 1941. Em plena Segunda Guerra Mundial, ele assumiu o lugar de seu pai, deposto pelos Aliados após envolvimento com os alemães. “A luz dos arianos”, como gostava de se proclamar, reinventou-se algumas vezes durante sua longa gestão, embora mantendo a modernização e a secularização como objetivos. Uma das faces mais críticas desse período foi o processo de nacionalização da companhia Anglo-Iranian Oil, multinacional inglesa responsável pela exploração de petróleo desde a década de 1920 com reduzidos pagamentos de royalties.

Em 1950, o “rei dos reis” indicou e teve aprovado pelo parlamento o nome de Haj-Ali Razmara como primeiro-ministro, um militar contrário ao rompimento dos acordos estabelecidos com os britânicos. A pressão popular pela nacionalização elevou a temperatura política até que, menos de um ano depois, Razmara foi assassinado por um grupo fundamentalista muçulmano em 3 março de 1951. Sob pressão popular, o Senado aprovou a nacionalização após 12 dias do atentado. Um dos articuladores da medida era Mohammad Mossadegh, um político nacionalista eleito para o cargo de primeiro-ministro no mês seguinte.

A gestão de Mossadegh durou apenas até 1953, sofrendo com o boicote orquestrado pela Anglo-Iranian junto às sete irmãs do petróleo. O cada vez mais influente grupo de religiosos também deixou de apoiar o político de modos ocidentalizados por temor de um suposto avanço comunista. O fato é que um golpe de Estado apoiado pela CIA e pelo serviço secreto britânico deu plenos poderes ao xá, para restaurar a propriedade estrangeira, em forma de consórcio, nos negócios do ouro negro.

Nos 25 anos seguintes, o lado mais sangrento da monarquia surgiu e as denúncias de tortura e violência policial desgastaram o governo junto à classe média. Enquanto isso, o xá promovia ações de modernização, ao mesmo tempo em que se proclamava herdeiro de Dario, rei dos persas na antiguidade. Evocar a herança pré-islâmica do Irã foi uma das chaves para os líderes religiosos assumirem o papel de principais vozes de oposição, por seu apelo junto às classes mais empobrecidas. O autor dos mais ferozes discursos contra a submissão aos Estados Unidos e seus valores degradados era o aiatolá Khomeini.

Os efeitos

Os impactos da revolução dos aiatolás foram sentidos em todo o Oriente Médio e demais países árabes. Assim como no próprio Irã, os costumes das classes médias de alguns emirados haviam sido liberalizados nos anos 70, sob influência ocidental, o que acirrava os ânimos dos setores mais conservadores em diversas partes da região. Apesar da onda de resgate de valores tradicionais do Islã, o maior efeito do turbilhão político se iniciou um ano depois da chegada dos aiatolás ao poder. A guerra com o vizinho Iraque se arrastaria por oito anos em meio ao contexto de Guerra Fria, em que as potências Estados Unidos e União Soviética garantiam o suprimento de armas, inicialmente para o Iraque e depois também para o Irã.

“Espero que um mate o outro”, disse Henry Kissinger, então secretário de governo de Ronald Reagan, segundo descreveu o especialista em temas militares Mike Whitney em artigo publicado na al-Jazira. Para o autor, foi naquele período que se consolidou a linha mestre da política dos Estados Unidos mantida pelo menos até o governo George W. Bush: o ódio racial e religioso transformado em princípio organizador para manter o império.

Apesar disso, no início do conflito os Estados Unidos “parecem ter chegado à conclusão de que Saddam Hussein era o menor de dois demônios”, escreveu o jornalista Andy Stern em seu livro Oil, from Rockfeller to Iraq and Beyond (Mif, 2008, sem tradução para o português). Ele relata a relação dúbia das potências da época que inicialmente forneciam armas principalmente ao exército de Saddam, apesar de declararem neutralidade no conflito e defenderem que não se vendessem equipamentos bélicos aos opositores. Foi apenas no final do conflito é que se soube que indústrias dos Estados Unidos terminariam fornecendo armas ao Irã e os serviços de inteligência garantiriam informações para equilibrar o jogo. As armas leves, conforme narra Stern, foram comercializadas aos aiatolás pelo intermediário mais inusitado: Israel.

Passada a guerra, o ódio em relação às potências permaneceu. O único momento de aproximação aconteceria na gestão de Mohammad Khatami, uma figura relativamente moderada que ocupou a presidência de 1997 a 2005. Ao defender o “diálogo entre civilizações” em oposição ao “choque”, assumido por intelectuais estadunidenses – cujo maior expoente era Samuel Huttington – ele chegou a negociar inspeções nas instalações de pesquisa nuclear. O crescimento das forças moderadas foi barrado inicialmente em 2004, pelo veto por parte do Conselho dos Guardiões a candidatos considerados contrários aos valores do país. No ano seguinte, uma nova derrota eleitoral levou Mahmoud Ahmadinejad ao cargo, uma figura disposta a acirrar novamente as diferenças com a Casa Branca.

Mudança de rumos

O discurso de Obama contrasta amplamente com a definição aplicada pela primeira vez em janeiro de 2002, quando o então presidente dos Estados Unidos definiu seu Eixo do Mal incluindo, além de Iraque e Coreia do Norte, o Irã. Apesar de o tom ser outro, o atual líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, pediu ações, mais do que palavras. “Mudem sua atitude, que mudaremos a nossa”, declarou em discurso transmitido pela rede de TV pública.

O principal espinho na garganta dos Estados Unidos diz respeito aos elos estabelecidos entre o Irã e os grupos de resistência (ou “terrorismo”, nos termos ocidentais) palestina e libanesa no Estado de Israel. O apoio financeiro ao Hamas, nos territórios palestinos, e ao Hezbolá, respectivamente, fazem parte da pretensão iraniana em ser a principal liderança anti-Estados Unidos na região. Na mesma direção está o programa nuclear, que também tem relação direta com essa preocupação. As reiteradas declarações de que as ações têm fins exclusivamente pacíficos e a recusa de aceitar inspeções internacionais em suas instalações reforçam os temores israelenses. Tanto assim que uma série de sanções impostas pelas Nações Unidas vigoram desde 2006.

O destino da relação entre Estados Unidos e Irã é incerto. Para o professor de relações internacionais da PUC-SP, Reginaldo Nasser, o discurso de Obama sinaliza uma importante mudança na política estadunidense. Mas faz uma ressalva. “Também se pode avaliar de outra forma: em tempos de crise, com menos dinheiro para intervenções, se conversa mais”, pondera.

Outros analistas apontam mais complicações. O economista da Universidade da Califórnia, Sasan Fayazmanesh, considera a presença de Dennis Ross como assessor para o Oriente Médio como um entrave para os planos de aproximação. “Ross foi designado como o homem de confiança do lobby israelense na administração de Obama”, disparou. “Ele não tem experiência quando a questão é o Irã mas sabe que, para a causa da ‘guerra santa’, o Irã deve ser contido”, prossegue. O assessor chegou a defender, no ano passado, que faltou mais pressão da parte do presidente George W. Bush para virar o jogo.

Pressão, não diálogo.

Com a escassez de parceiros comerciais, a crise e queda dos preços do petróleo, a economia do terceiro país do mundo com mais reservas do ouro negro deve sofrer. “Ninguém pode dizer com certeza o que vai acontecer dentro do complexo sistema político de Teerã, mas é mais provável que as facções radicais em volta do presidente Mahmoud Ahmadinejad (foto) se fortaleçam pelo ataque israelense a Gaza”, escreveu Niall Fergusson, historiador da Universidade de Harvard na revista Foreign Policy de março.

Ele acredita, porém, que o riscos de um confronto direto serão evitados pelo Irã, porque seus efeitos seriam devastadores. Junto do aceno de Obama, até se formaria um conjunto favorável ao diálogo, segundo Fergusson, não fosse um detalhe sobre o qual os Estados Unidos têm pouca influência. “Com a eleição presidencial em junho, Ahmadinejad terá pouco estímulo para ser moderado.” F

A luta pelos direitos humanos

A Campanha por Igualdade (www.campaign4equality.info) busca colher 1 milhão de assinaturas favoráveis a reformas constitucionais que promovam os direitos das mulheres. Desde 2006, a iniciativa conquistou reconhecimento internacional, mas enfrenta problemas internos. O mais recente dos incidentes ocorreu durante a comemoração do Nouruz, quando dez ativistas foram presas ao se prepararem para visitar presos políticos, segundo a organização.

O fato é um exemplo da situação dos movimentos sociais iranianos. Ao mesmo tempo em que a situação política é mais estável que a dos outros países da região – como os vizinhos ocupados Iraque e Afeganistão – e haja mais direitos femininos garantidos do que na Arábia Saudita, há problemas que não podem ser ignorados. O respeito aos direitos humanos, das mulheres e de homossexuais, por exemplo.

Relatório da Anistia Internacional publicado em fevereiro para marcar os 30 anos da revolução apontam restrições à liberdade de associação, julgamentos arbitrários e pelo menos uma denúncia de tortura são listados nos últimos três anos. Em dezembro de 2008, por exemplo, o Centro de Defensores dos Direitos Humanos (CHRD, na sigla em inglês), ONG criada pela vencedora do Prêmio Nobel de 2003, Shirin Ebadi, foi fechada temporariamente às vésperas das comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

De olho na América Latina

Isolado internacionalmente a partir das sanções em função de seu programa nuclear, o Irã conseguiu abrir uma nova frente de parceiros comerciais em 2008. A porta foi um dos sócios da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que controla os preços do mineral. O aliado é a Venezuela, de Hugo Chávez, aquele que mais se opõe – pelo menos no discurso – aos Estados Unidos na América Latina. A relação com Chávez inclui investimentos no setor da construção civil e em projetos sociais. Assim, amplia-se sua área de influência e a busca por apoio internacional para manter seu programa nuclear. Rapidamente, novas embaixadas foram abertas na Bolívia, Nicarágua e Equador com perspectivas de novos negócios.

Pode parecer exagerado, mas o fato é que a parceria comercial entre os países está incluída nos planos governamentais desses países para lidar com a crise econômica atual, especialmente depois de romper o acordo de preferências tarifárias com os Estados Unidos. No caso equatoriano, o aliado Irã negocia US$ 280 milhões de crédito para financiar a indústria do petróleo no país e compensar parte das perdas de receita com a queda na cotação do barril de 2008 até agora.

Texto: Anselmo Massad, para a Revista Fórum

http://www.patrialatina.com.br/

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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