A crise capitalista mundial. E o inacreditável Marx

"Os donos do capital vão estimular a classe trabalhadora a comprar bens caros, casas e tecnologia, fazendo-os dever cada vez mais, até que se torne insuportável. O débito não pago levará os bancos à falência, que terão que ser nacionalizados pelo Estado".

Karl Marx, in Das Kapital, 1867.


por Sérgio Barroso*

“Para sustentar os preços e conter assim a verdadeira causa do mal, foi necessário que o Estado pagasse a preços vigentes antes de estalar o pânico comercial e que descontasse as letras de câmbio, as quais não representavam outra coisa senão bancarrota estrangeira. Em outras palavras, as perdas dos capitalistas privados deveriam ser pagas com o patrimônio de toda a sociedade, representada pelo governo” (Marx, “A crise financeira na Europa”, Editorial do New York Daily Tribune, 22 de dezembro de 1857). [1]

Quando da aprovação de mais um pacotaço bilionário (US$ 789,5 bilhões), pelo Senado e a Câmara dos Estados Unidos, o “mercado recebeu o plano de secretário de Tesouro de Barack Obama como se ele tivesse sido elaborado e apresentado pelo governo de George W. Bush” - decifra um mofado cenário Luiz Guimarães (“Bala de festim desaponta mercado”, Valor Econômico , C-2, 11/02/2009). Simultaneamente, as últimas estimativas do governo Obama apontam uma ampliação bem maior que esperada do déficit fiscal: de US$ 455 para US$ 1,2 trilhão, quer dizer para 8% do PIB, sem as contas do novo pacote. Pelo menos 10% do PIB, em 2009, essa é a conta que deve ser feita, por enquanto – cifra que, mesmo oficial, será ultrapassada. Para os alucinados apologistas da “haute finance” do “Wall Street Journal” – finos velhacos manipuladores do fetiche do capital –, “As perspectivas de recuperação econômica este ano começaram a desaparecer” ( Valor Econômico , 13/02/2009, C-3).

Ora – afirmo aqui -, os EUA estão encharcando os passos no pântano de uma grande depressão. [2] O que não significa estarmos marchando a uma depressão mundial, dada a “retranca” que, muito provavelmente, farão os países “em desenvolvimento” ou subdesenvolvidos. Ademais, poderão os imperialistas do norte decretarem um monumental calote de seus superindividamentos cruzados e inéditos (empresas, famílias, governos, estrangeiros), cujo círculo destrutivo está indo, incontornavelmente, em direção à insolvência!

Não há nenhuma ingenuidade no badalado Martin Wolf, economista sênior do influente diário burguês londrino Financial Times , quando abre seu artigo com a seguinte pergunta, desta feita algo menos sinuosa: “Será que a presidência de Barack Obama já fracassou? Em tempos normais, esta seria uma pergunta ridícula. Mas estes não são tempos normais. São tempos de grande perigo”. Eis, similarmente a Guimarães, o título de seu artigo: “Porque o plano de Obama fracassarᔠ( Valor Econômico , A-15, 11/02/2009).

Conforme Paul Krugman - sempre um conselheiro à espreita e espécie de “vigilantes do peso” frente ao abismo depressivo da economia norteamericana -, insistindo na insuficiência do novo pacote, a “economia americana está a beira de uma catástrofe, e boa parte do partido republicano está tentando empurrá-la por sobre essa beira” (“À beira da catástrofe” ( Estado de S. Paulo , 7/02/2009, B-4).

Revelaram-se agora perdas também bilionárias e situação “próximas da insolvência” de companhias Seguradoras. Desde 2007 as seguradoras norteamericanas tiveram perdas gigantescas, calculadas em US$ 243,6 bilhões. A Swiss Re, a maior dessas empresas no mundo, perdeu 1 bilhão de francos suíços, depreciando mais 6 bilhões em ativos. Menos expostas na Europa, ainda assim não ficaram ilesas na grande crise.

Europa afunda e a Ásia resiste

Europa? O presidente do BC do Reino Unido, Mervyn King anunciou estar a Grã-Bretanha “em profunda recessão”, com a taxa oficial de desemprego atingindo 6,3% da PEA, com o maior número de desempregados desde 1997. Depois de 15 anos a recessão chega e afunda a Espanha, jogando nas costas dos trabalhadores a maior taxa de desemprego da Europa: 14% da PEA (População Economicamente Ativa).


Pior ainda: a queda da produção industrial nos 27 países da União Européia atingiu 12% em dezembro, frente a dezembro de 2007; no setor de bens de capital, alarmantes 20%. “Esses dados são inéditos. A profundidade da crise é algo jamais visto”, disse Günter Verheugen, comissário para indústria da UE. Crise financeiro-econômica no continente que se mostra “mais longa e profunda do que imaginávamos”, arrematou Erkki Liikanen, da diretoria do Banco Central Europeu. O crescimento da economia da zona do euro será negativo em 1,3% (15 países), nesse primeiro trimestre, preveem eles. (“Indústria européia tem maior recuo desde 1990”, O Estado de S. Paulo , 13/02/2009, B-9).

Crescem e continuarão a crescer, especialmente na Europa, a xenofobia, o racismo e a violência. Problemas graves os quais o protecionismo, sempre presente em todas as grandes crises, só faz agravar.

Na Ásia, as exportações chinesas, em janeiro, tiveram maior queda em 10 anos: 17,5% a menos que janeiro de 2008. No entanto, as importações caíram expressivos 43,1%, ou seja, mais que as importações, o que lhe conferiu um superávit de US$ 39,1 bilhões, segundo maior de sua série e abaixodos US$ 40,1 bilhões de novembro de 2008. Já a Coréia do Sul, a quarta economia da região, reduziu fortemente sua taxa de juros, para 2%, quando as previsões oficiais calculam em -2% o mergulho recessivo de sua economia – vigaristas e banqueiros de lá fazem aposta em -4%.

Nas previsões do FMI, divulgadas no início deste mês, o PIB da Ásia deverá crescer 2,7% este ano, com os chamados “emergentes” da região expandindo 5,5% a partir do crescimento resistente na China e na Índia, declarou o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn. De todo modo, a previsão de novembro era de uma taxa de 4,9% para a região. Previsões do Fundo, sabemos muito bem, são 100% otimistas para o capital


Brasil: movimentos contraditórios na crise

“(...) a força motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou seja a criação da mais-valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador” (Marx,Capítulo inédito d’O Capital). [2]

No Brasil, em dezembro a produção industrial caiu 12,4%, frente ao mês anterior, queda pelo terceiro mês consecutivo, informara o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Significa – diz o Instituto - o pior resultado da série histórica, iniciada em 1991. Em novembro, a queda havia sido de 5,2%. O desemprego anunciado atingiu 650.000 trabalhadores, cerca do dobro do que ocorre sazonalmente. Há clara perspectiva de uma retração da economia no primeiro trimestre deste ano.

No entanto, após três meses seguidos de queda, em janeiro a produção industrial subiu 5,7% em São Paulo, relativamente a dezembro. A produção da indústria automobilística quase dobrou de dezembro para janeiro, informou nesta segunda-feira a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores). Foi o primeiro aumento após cinco meses de queda. Houve crescimento da vendagem de automóveis (1,5% em janeiro sobre dezembro e queda de 8,1% frente a janeiro do ano passado). O número de unidades fabricadas passou de 96.586 no último mês de 2008 para 186.124 no primeiro deste ano, uma alta de 92,7%.

De outra parte, a Vale do Rio Doce retomou o programa de investimentos de uma usina siderúrgica no Espírito Santo, após a desistência de associação com os chineses, a menos de um mês. O PAC sofre reforço pesado: no 4 de Fevereiro anunciou-se acréscimo de mais R$ 142 bilhões nos próximos dois anos. Em Janeiro, o transporte de passageiros domésticos cresceu 9,6%, computou a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), ficando surpreendentemente acima da taxa de janeiro de 2008: 6,7%. A explicação seria a troca do internacional pelo mercado nacional; o que deve cair a partir de março.

Frente à crise no Brasil, o presidente Lula afirma que em 2008 a rotatividade da força de trabalho alcançou 15 milhões de pessoas, contra a contratação de 16,5 milhões. “É uma coisa absurda”, disse Lula, referindo-se à ofensiva patronal de flexibilização das leis trabalhistas. E exemplificou: “Mesmo quando o emprego está crescendo, a rotatividade é altíssima”, enfatizando o absurdo de se achar que há dificuldade de se demitir trabalhadores. ( Folha de S. Paulo , 12/02/2009). E anunciou ampliar de 500 mil para 1 milhão a construção de casas populares, até 2010.

Assim, agora, não pode haver dúvida sobre duas posições acertadas e ousadas do presidente Lula: a) o governo joga muito pesado na manutenção de uma política para infraestrutura que talvez não tenha precedentes na história do Brasil; b) o presidente tem feito críticas diretas e duras a esses setores da nossa burguesia mil vezes cretina!


Mas a grande perturbação persiste: uma política macroeconômica que fratura qualquer perspectiva de um desenvolvimento nacional e social duradouro, contra a barbárie da era das finanças como “armas de destruição em massa” (Warren Buffett).

Na mesma direção, urge no Brasil a construção de um Fórum Nacional Contra a Crise.


Notas

[1] Em “Marx-Engels – Escritos económicos menores. Carlos Marx, Frederico Engels – Obras fundamentales v. 11, pp. 204-5, México, Fondo de Cultura Económica, 1987.

[2] Assinalo, no entanto, que são inteiramente válidos os argumento do professor Frederico Mazzucchelli, de que as medidas tomadas na Grande Depressão de 1929-33 – de forte espraiamento internacional - foram no geral no sentido de aprofundar a débâcle; o que não pode ser igualado agora às ações dos estados capitalistas centrais, periféricos - e mesmo no caso da China socialista que vem, acertadamente, optando por uma via de reforço, com políticas nitidamente keynesianas.

[3] Em: “Capítulo inédito d’O Capital – resultados do processo de produção imediato”, p. 20, Porto, escorpião, dezembro/1975.

*Sérgio Barroso, Médico, doutorando em Economia Social e do Trabalho (Unicamp), membro do Comitê Central do PCdoB.

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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