Israel, Gaza e Obama

Fábio Metzger * & Marcos Toyansk **

A crise deflagrada pelos lançamentos de foguetes pelo Hamas no território israelense provocando a ampla ofensiva do exército de Israel sobre a Faixa de Gaza teve uma pausa inconclusiva com a declaração de cessar-fogo unilateral do governo israelense pouco antes da posse do novo presidente norte-americano, Barack Obama.

Com diversas crises para administrar, como a situação do Iraque e a crise econômica, o novo governo americano iniciou a sua gestão como uma incógnita que aos poucos começa a mostrar que política irá implementar na região. Mantendo o mesmo secretário de Defesa, Robert Gates, e nomeando a sua ex-rival democrata Hillary Clinton como secretária de Estado, Barack Obama começa a se distinguir do seu antecessor com demonstrações mais conciliatórias com o mundo muçulmano. A indicação do ex-senador George Mitchell como enviado especial para a paz no Oriente Médio revela uma suposta posição equilibrada em relação a israelenses e palestinos. Autor do relatório Mitchell que buscava apurar as causas da segunda Intifada, o relatório condenou igualmente ambas as partes pela eclosão do conflito.

Apoiador da solução de dois Estados, Obama mencionou apenas as necessidades de transformação de Israel e expressou sensibilidade com o sofrimento palestino, sem demandar inicialmente o combate ao terrorismo palestino contra Israel. Adotando uma posição legalista e com maior envolvimento no conflito, Obama excluiu o Hamas como parceiro para o diálogo alegando que o movimento não cumpre as condições da comunidade internacional. Com foco em Gaza, onde o Hamas tem o controle, o novo governo americano promete reabrir as fronteiras do território sob a administração da Autoridade Palestina e com a supervisão da União Européia. Entretanto, isso demanda uma acomodação entre Hamas e Fatah, que já tentaram num passado recente um governo de união nacional sem sucesso, desencadeando uma ruptura representada nos dois territórios. O Hamas foi banido da Cisjordânia, e a Fatah foi banida da Faixa de Gaza.

Poucas são as opções para mediadores externos no conflito entre israelenses e palestinos. A Turquia estava em posição de exercer esse papel de link entre as partes por conseguir dialogar com a Síria, os palestinos e Israel. Porém, o atrito entre o líder turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente israelense Shimon Peres pode ter rendido apoio popular ao partido AK de Erdogan, mas pode ter prejudicado as relações com Israel – importante parceiro militar de Ancara. Assim, a importância dos Estados Unidos parece cada vez mais inquestionável. Mas a promessa realizada por Obama de “envolvimento agressivo e ativo” no conflito deverá encontrar alguns entraves.

O governo Obama deverá ser menos paciente com os assentamentos israelenses na Cisjordânia. Se o líder do partido de direita Likud, Benjamin Netanyahu for o vencedor das próximas eleições, os Estados Unidos enfrentarão o primeiro problema com o aliado. Netanyahu se recusou a aceitar a idéia de retirada dos assentamentos e retorno as fronteiras de 1967, algo que pode ser politicamente difícil para o governo israelense.

Obama e o islã político

Obama também deverá exigir mais reformas institucionais palestinas e combate ao terrorismo anti-Israel. Assim, a principal questão é como o governo americano vai agir com o Hamas. O movimento político Hamas – sigla de Harakat al-Muqawwama al-Islamiyya, Movimento Islâmico de Resistência – adota o islã político (também conhecido como movimento de linha islamita). Trata-se de um recorte dentro do Islã que contesta as bases de uma sociedade secular dentro de países muçulmanos. Um partido islamita intenta islamizar toda a sociedade, desde o indivíduo até o Estado, de forma que se torna uma interpretação anti-ocidental.

Dentro do Mundo Muçulmano, os islamitas diferem do islã liberal, uma abordagem de acomodação religião-Estado parecida com a que conhecemos no Ocidente; e do islã tradicional, defendido por clérigos de instituições antigas, que ocupam cargos em Estados conservadores, mas não anti-Ocidentais. Dessa maneira, uma flexibilização com o Hamas – sem que o movimento passe por uma metamorfose para possibilitar a acomodação com a Fatah – para facilitar a composição de um governo Fatah-Hamas na Faixa de Gaza não parece uma tarefa fácil.

Outra questão é como implementar a democracia nos territórios palestinos, já que as experiências democráticas no mundo muçulmano tendem a favorecer os partidos islamitas. Na Argélia, em 1992, o partido Frente Islâmica de Salvação (FIS) esteve perto de vencer eleições gerais. Os militares argelinos intervieram, no que resultou em uma Guerra Civil que matou mais de 100 mil pessoas. A FIS e grupos armados mais radicais foram banidos. A partir de 2002, foi consolidado um sistema político de modelo Democrático Liberal, onde não participavam partidos islamitas. Como resultado, apenas pouco mais de 35 % da população votante participa dos processos eleitorais.

Há alguns casos como no Marrocos e na Jordânia em que os monarcas dão certa autonomia política a um sistema parlamentarista sem, no entanto, abrir mão de seus poderes. No caso marroquino, o partido islâmico avança, mas mantém uma postura moderada. Na Jordânia, o braço local da IrmandadeMuçulmana cresceu eleitoralmente nos anos 90, até que a monarquia da dinastia Hashemita decidiu, junto com o ainda majoritário setor secular, modificar a lei eleitoral, beneficiando lideranças clâmicas, isolando movimentos partidários religiosos, sem que fosse utilizado um golpe de Estado em moldes militares.

Alternativas viáveis

Seguindo estes exemplos e observando o panorama político palestino, chegamos à conclusão de que apenas uma liderança forte ligada à Fatah terá legitimidade interna e externa para articular alguma forma de pacificação, a partir da sociedade palestina. O Hamas é um partido não reconhecido pelas mais importantes lideranças do Ocidente, decisivas para a viabilização de um processo de paz. Esse não-reconhecimento de países ocidentais, como já verificado anteriormente, forneceu a justificativa que Israel necessitava para impor durante um bom tempo o bloqueio à Faixa de Gaza. Obviamente, vigorava a doutrina Bush. Mas os governos europeus não necessariamente se submetiam a esta doutrina. De forma que, independente do governante estadunidense que esteja no poder, a tendência é a de existir uma campanha de isolamento ao Hamas, beneficiando a Fatah e a OLP.

Por outro lado, não se pode ignorar a importância do Hamas dentro da sociedade palestina. É o partido que venceu as últimas eleições parlamentares, derrotando os setores mais seculares da sociedade palestina. O reconhecimento do Hamas como participante desta sociedade é fundamental para qualquer acordo de paz. No entanto, esse reconhecimento só será possível sob uma liderança política da Fatah. Mahmmoud Abbas, o atual presidente, não parece ter essa aceitação por parte da população palestina.

A liderança vinda da Fatah que poderá preencher esta lacuna encontra-se, nesse momento, dentro de uma prisão israelense e se chama Marwan Barghouti. Considerado pelos palestinos um herói das duas Intifadas, militou pelo processo de paz Israel-Palestina durante os anos 90. E recentemente, da prisão em que se encontra, liderou uma proposta de paz com Israel, conhecida como o “Plano dos Prisioneiros”. Possui reconhecimento interno na sociedade palestina, e mostra-se disposto ao diálogo com Israel e o Ocidente. Tendo representatividade interna maior do que Mahmmoud Abbas, Barghouti tem chances maiores de liderar uma composição de união nacional Fatah-Hamas.

Está bastante clara a complexidade das articulações políticas necessárias para que se possa chegar a um acordo definitivo.

Israel já demonstrou ter bastante força para se impor como Estado soberano. Os países vizinhos árabes assim reconhecem, e propõem a Iniciativa Saudita. Por outro lado, quando Israel tentou utilizar da força para derrotar a 1ª Intifada, tudo o que conseguiu foi concluir que teria que reconhecer a OLP. Durante a 2ª Intifada, Israel utilizou mais uma vez a força, derrubando Arafat. Em resultados práticos, isso não se traduziu na substituição por uma liderança mais moderada. Pelo contrário, as eleições parlamentares de 2006 deram a vitória ao Hamas. E de 2008 para 2009, ficou claro, que com toda a sua força, mais uma vez Israel não foi capaz de impor uma derrota a um grupo com o qual está em guerra.

Resta o pragmatismo político que faça com que Israel reconheça não poder determinar os rumos políticos da sociedade palestina. E o reconhecimento, por parte do Hamas, da impossibilidade de derrotar Israel. Algo que Israel e OLP concluíram em 1993, sob as lideranças de Rabin e Arafat, com o apoio do democrata Bill Clinton. É a hora e a vez de outro democrata, Barack Obama, liderar uma nova iniciativa pela paz.


* Cientista social, jornalista, mestre em História Social e doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP).

** Mestre e doutorando em Geografia Humana na Universidade de São Paulo (USP).

http://www.espacoacademico.com.br/093/93esp_metzger_toyansk.htm

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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