Bush no Médio Oriente: Diário de um falhado

Pouco demais e demasiado tarde. Uma tentativa pueril e ingénuo por um estadista falhado de lançar uma política que deveria ter começado há sete anos. Se o George Bush tivesse tido um “momento Clinton”, banhado em lágrimas e admitindo que não conseguiu nada em dois mandatos presidenciais, poderia ter ganho mais simpatia do que recebeu com essa previsível amostra de arrogância, beligerância e chauvinismo, um ABC de como não abordar a política externa.

George Bush gastou sete anos desperdiçando centenas de biliões de dólares e as vidas de centenas de milhares de pessoas inocentes espalhando a sua versão de liberdade e democracia, estilo Texas, com a bala. Agora que lhe resta menos que um ano no seu lugar, vai pela primeira vez ao Médio Oriente, reiterando os mesmos velhos soundbites acerca da glória de todas as coisas norte-americanas, e oferecendo absolutamente nada em termos de trabalho construtivo para resolver a crise causada não pelo Irão, mas sim por Israel e a sua determinação em quebrar a lei internacional. Como seu aliado principal, os EUA são o principal parceiro de Tel Aviv nos crimes que comete.

Alguns receberam a proposta que Israel deve deixar de construir mais colonatos e que se retire das terras ocupadas em 1967 e depois com bom agrado. Mas é igual a pedir a um criminoso para não roubar mais. Quanto às sugestões que Israel pague reparações para as propriedades palestinianas ocupadas ilegalmente, isso cabe aos palestinianos, não a um senhor de Texas ocidental cuja percepção da política internacional deixa muito a desejar.

E no que diz respeito a “liberdade e democracia”, que interessante ver o George Bush a proferir estas palavras, ao lado dos velhos e bons amigos da sua família, a família real saudita, que lidera um dos regimes menos democráticos no planeta.

Um exemplo da perigosidade de Presidente Bush foram as referências belicosas ao Irão, o país que prossegue um programa nuclear pacífico, como é seu direito sob a lei internacional. Onde estavam as referências ao arsenal nuclear de Israel, no Deserto de Negev?

A frase “Irão deve ser confrontado” é um sinal claro daquilo que vem no próximo futuro e um aviso ao Teerão para se preparar para uma campanha de mentiras para justificar uma eventual invasão. Se, nas palavras de George Bush, a luta contra o extremismo é a luta dos nossos tempos, então é precisamente esse extremismo que o regime de Bush tem fomentado pelas suas políticas desde 2001.

Mas o melhor de tudo foi a afirmação que as gerações futuras de historiadores iriam louvar a sua política no Iraque. Não vamos fazer o Presidente esperar…

Pois, vamos elogiar a política de George Bush no Iraque. Que maravilhoso contrariar todas as leis no livro, insultar a ONU e quebrar a Carta, por lançar um ataque ilegal, assassino e selvático contra um país soberano sem qualquer casus belli. Que nobre, o acto de chacinar crianças, idosos e mulheres nos seus lares, que magnânimo deitar bombas de fragmentação em áreas civis.

Que justo, distribuir contratos bilionários ao clique de elitistas que gravitam a volta da Casa Branca, sem concursos. E que valentes, as Forças Armadas dos EUA a massacrar civis indefesas, estuprar moças adolescentes, torturar prisioneiros em campos de concentração e seleccionar estruturas civis com equipamento militar. E quão bela, aquela heroína americana, Lynndie England, a “divertir-se apenas” em cenas chocantes e bárbaras.

Que bom para a sociedade iraquiana, ter um governo constituído por elementos nas margens da sociedade, exilados, e informados num hotel londrino que iriam ser o novo elite do seu país. Maravilha, ver esse país progressivo e secular agora liderado por islamistas políticos que passam leis permitindo a um marido espancar uma mulher que “se porta mal”. E que belo processo eleitoral, aquele em que a pergunta “Por quem é que estamos a votar?” foi ouvida no Iraque mas nunca nos canais de televisão ocidentais.

Pois é, George Bush deveria estar a vangloriar-se. As suas políticas destruíram um estado e foram directa ou indirectamente responsáveis pela morte de 200.000 pessoas. Em vez de investir duzentos mil milhões de dólares em programas de saúde ou educação, preferiu gastá-los em actos de chacina.

De facto, o discurso de George Bush em Abu Dhabi no dia 13 de Janeiro é uma tentativa pueril e ingénuo por um estadista falhado que tenta justificar o injustificável, uma tentativa desesperada para remover a culpa dos seus ombros, por ter cometido um dos erros mais colossais nos anais da história da Humanidade, e por ter insultado os preceitos sobre os quais a sua nação foi fundada.

Como pode esse senhor, que assinou 152 mandatos de morte (Saddam Hussein assinou 148 e foi enforcado) mencionar a palavra “Deus”? Como pode expor as virtudes de livre comércio, quando seu país pratica proteccionismo, colocando mecanismos artificiais como tarifas e subsídios para garantir que o comércio é mais livre para alguns do que para outros? Como pode queixar-se do Irão a apoiar os Taleban, quando foram membros da sua própria administração, aqueles que lançaram os terroristas Mujaheddin em Afeganistão, quando Washington apoia abertamente os terroristas islamitas albaneses?

George Bush terminou seu discurso a falar aos povos da região. Vamos terminar esse artigo por falar ao povo norte-americano: foram liderados por um clique criminoso de elitistas que raptaram vossa nação e levou-a numa viagem de gula corporativa, dirigida por um bando de criminosos de guerra egoístas e neo-conservadores, assassinos, durante os últimos sete anos. Esse bando fez mais para destruir a imagem externa do vosso país que qualquer outro grupo no poder desde a sua fundação no século XVIII. Chegou a altura para responsabilizar os vossos governantes pelo que fizeram e os membros da nova administração pelo que vão fazer depois de serem eleitos, chegou a altura para trazer esses criminosos à justiça para responderem pelos crimes que cometeram.

Quanto a George Bush, está acabado. Uma figura triste, solitária, que sabe que é odiado universalmente, sabe que é responsável pelos gritos e lágrimas de centenas de milhares de famílias pelo mundo fora. Sabe que desperdiçou centenas de biliões de dólares em esquemas quixotescos, sem produzir qualquer resultado tangível.

É pouco provável que o Bush tenha um “momento Clinton” porque para tal, é preciso sangue frio, calculismo e uma módica quantidade de inteligência. No entanto, Hillary Clinton poderá ter um “momento Bush”, quanto mais porque os mestres a puxar seus cordéis são a AIPAC – Comité Americano-Israelita de Assuntos Públicos. Como dizem, Mostre-me os teus amigos e eu dir-te-ei quem és. Se a Hillary Clinton for eleita, cuidado, Irão.

A política externa dos EUA, com Clinton, vai continuar com uma pequena diferença. Em vez do “Iraque”, ler “Irão”. E o sistema central nervoso de Washington continuará a ser em Tel Aviv.

Timothy BANCROFT-HINCHEY

PRAVDA.Ru

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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