Bolivia: Terra de ninguém

TERRA DE NINGUÉM

A partir da década de 1990, multinacionais de gás e petróleo exploraram a Bolívia, violaram sua Constituição e manipularam dados com a complacência da mídia.

Por Marcelo Salles - [email protected] - para o Fazendo Media

As petrolíferas estrangeiras operam na Bolívia com 77 contratos ilegais, que não foram referendados pelo Congresso Nacional e violam sua Constituição Política de Estado (CPE) em diversos pontos. Um deles, por exemplo, assinado pela Petrobrás, determina um foro internacional para disputas judiciais, medida que contraria o artigo 24 da CPE, que determina: “Empresas estrangeiras estão submetidas às leis bolivianas, sem que em nenhum caso possam invocar situação excepcional nem apelar a reclamações diplomáticas”.

Outra violação da lei foi cometida pela hispano-argentina Repsol. A empresa, que controla 13 trilhões de pés cúbicos (dos 48 trilhões totais) de gás natural manipulou dados e divulgou entre seus acionistas que havia adquirido “concessões soberanas” de reservas bolivianas, quando poderia ser, no máximo, uma concessionária, de acordo com o artigo 139 da Constituição boliviana: “As jazidas de hidrocarbonetos, qualquer que seja o estado em que se encontram ou a forma em que se apresentam, são de domínio direto, inalienável e imprescritível do Estado. Nenhuma concessão ou contrato poderá conferir a propriedade das jazidas de hidrocarbonetos”.

A medida da Repsol sobrevalorizou suas ações na Bolsa de Valores de Nova York e, quando a manobra foi descoberta, o então presidente da empresa Alfonso Cortina foi demitido. Além disso, Ramiro Víctor Paz Cerruto, ex-consultor do Banco Mundial e filho do ex-presidente Víctor Paz Estenssoro, denunciou publicamente na Bolívia que a Repsol nem sequer possuía registro jurídico no país e, conseqüentemente, os documentos necessários para operar em solo boliviano.

A partir da década de 90 foi assim: empresas multinacionais acostumaram-se a extrair o gás natural boliviano pagando preços muito baixos, próximos ao custo de produção.

A histeria da mídia corporativa brasileira não se justifica sob o ponto de vista do interesse nacional. Na semana em que o presidente Morales anunciou a nacionalização dos hidrocarbonetos, colunistas com grande espaço em jornais, revistas, rádio e televisão cobraram do governo brasileiro uma postura "mais agressiva". Acontece que a Petrobrás sabe que comprar gás boliviano continuará sendo muito rentável, mesmo após a renegociação exigida por Morales. Não por outro motivo as ações da empresa subiram 7% entre os dias 1º e 9 de maio.

Outro ponto sistematicamente omitido pelos meios de comunicação de massa é a composição acionária da Petrobrás. Segundo o engenheiro Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás, 57,9% das ações da empresa estão no setor privado, sendo 40% negociadas na Bolsa de Valores de Nova York. A omissão dessa informação é o que permite a mídia tentar jogar o povo brasileiro contra o boliviano, ao vender a ilusão de que a Petrobrás é uma empresa estatal, cujos lucros voltam-se todos para o Brasil.

Em terras bolivianas, até a chegada de Morales as arbitrariedades eram tantas que uma prática comum das multinacionais era incluir os campos maduros na tarifação dos campos novos, já que a carga tributária é maior sobre os campos maduros. Isso se explica uma vez que a qualidade do óleo no campo maduro já é acompanhada por estudos há mais tempo, enquanto no campo novo o risco é maior.

Muitos colunistas insistem no sagrado respeito aos contratos, mas não revelam o conteúdo deles. O campo de San Alberto, por exemplo, o maior do país, foi entregue ao controle da Petrobrás por míseros US$ 12 milhões, o equivalente à quarta parte do que a empresa movimento num único dia na Bolívia.

No entanto, San Alberto foi apenas o caso mais flagrante. Promulgada no dia 21 de março de 1994, a Lei de Hidrocarbonetos e o Decreto Supremo 24.806 abriram o país à voracidade internacional, assim como aconteceu no Brasil com a quebra o monopólio da Petrobrás em 1997, durante o primeiro governo Fernando Henrique. A partir daí os campos de gás e petróleo da estatal boliviana, a YPFB, passaram ao controle das multinacionais Chaco y Andina por alguns poucos milhões de dólares e o sistema de oleodutos e gasodutos foi entregue à Empresa Transportadora S.A.M por US$ 263,5 milhões. Além disso, o governo de Sanchéz de Lozada transferiu 22 blocos territoriais (avaliados em US$ 108 bilhões) com cerca de 2.950.000 hectares já explorados e mapeados pela YPFB a multinacionais com contratos de risco compartilhado.

Embora a Bolívia esteja momentaneamente fora do noticiário, as negociações com o Brasil têm sido intensas. O presidente Morales deu seis meses para que as multinacionais se reestruturem dentro das exigências de seu governo. Para a Petrobrás, a medida acabou sendo favorável, tendo em vista que os movimentos sociais à esquerda de Morales pediam a expropriação sem indenização das empresas estrangeiras. Mas, para o povo brasileiro, a iniciativa do país vizinho só teria efeito caso servisse de alerta e o governo Lula também nacionalizasse as reservas do Brasil, que continuam sendo leiloadas sem a menor cerimônia.

http://www.fazendomedia.com/novas/internacional070606.htm]

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Author`s name Timothy Bancroft-Hinchey
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